Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 30.664/12

Autos n.º 115/12 - MM. Juízo da 2.ª Vara Judicial da Comarca de Aparecida

Indiciados: (...) e (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO FUNDADO NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS (CP, ART. 155, §4º, IV). OBJETOS MATERIAIS AVALIADOS EM R$ 40,00 (QUARENTA REAIS). FURTADORES CONTUMAZES. INADMISSIBILIDADE. FALSA IDENTIDADE (CP, ART. 307). CONDUTA NÃO AMPARADA PELO DIREITO DE DEFESA OU PELO PRIVILÉGIO CONTRA A AUTOINCRIMINAÇÃO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     A aplicação do princípio da insignificância, disseminada na práxis jurisprudencial dos tribunais superiores, não pode olvidar bases mínimas, sob pena de desproteger bem jurídico constitucional. O Supremo Tribunal Federal determina, nesse sentido, que se observem quatro vetores para a incidência da tese excepcional: a inexpressividade da lesão ao bem jurídico; a ausência de periculosidade social da ação; a falta de reprovabilidade da conduta; a mínima ofensividade do comportamento do agente (cf. HC n. 94.931, rel. Min. Ellen Gracie).

2.     Na hipótese vertente, deve-se levar em conta que se trata de furtadores contumazes, característica que agrava significativamente a reprovabilidade do comportamento e inviabiliza a aplicação do princípio da bagatela (HC n. 97.007, Relator  Min. JOAQUIM BARBOSA, 2.ª Turma, julgado em 01/02/2011, DJe de 31-03-2011).

3.     Pondere-se, por derradeiro, que reconhecer como atípicos comportamentos deste jaez é, nas palavras do eminente Desembargador Francisco Bruno, agir como se o próprio Estado dissesse ao autor do fato: “Isto não é crime, o senhor está autorizado a fazê-lo novamente” (Apelação n. 990.10.079006-4, j. em 29.7.10, 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo).

4.     Deve-se frisar, a respeito da imputação relativa ao art. 307 do CP, que o Colendo Supremo Tribunal Federal firmou recentemente o entendimento no sentido de que tal conduta não se encontra albergada pelo direito de defesa ou pela garantia do nemo tenetur se detegere, conforme se verifica no acórdão a seguir: "(...) O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes” (STF, RE n. 640.139, Relator Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, publicado no DJe de 13-10-2011). Destaque-se, inclusive, que o STJ alterou seu posicionamento acerca da matéria, passando a acompanhar a orientação da Suprema Corte; confira-se: “1. No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidou-se o entendimento no sentido de que não configura o crime disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do Código Penal a conduta do acusado que apresenta falso documento de identidade perante a autoridade policial com intuito de ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de autodefesa, já que amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. 2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 640.139/DF, cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo diverso, assentando que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente. 3. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão geral, seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte” (STJ, HC n. 151.866, Rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª Turma, 1º/12/2011).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se o presente de inquérito policial instaurado a partir de auto de prisão em flagrante, visando à apuração da prática de crime de furto qualificado pelo concurso de pessoas (CP, art. 155, § 4.º, IV) cometido, em tese, por (...) e (...), e falsa identidade (CP, art. 307), supostamente perpetrado pela última, no dia 12 de fevereiro de 2012, por volta de 15 horas e 15 minutos, no estabelecimento comercial situado no interior do Shopping dos Romeiros, na Comarca de Aparecida.

Ao término das investigações, o Douto Promotor de Justiça requereu o arquivamento do expediente, baseando-se no princípio da insignificância (fls. 74/75).

O MM. Juiz, contudo, julgou improcedentes as razões invocadas, remetendo o feito a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP (fls. 85/91).

Eis a síntese do necessário.

Com o devido respeito ao Ilustre Membro do Parquet, parece-nos que não lhe assiste razão.

Segundo se apurou na fase inquisitiva, (...) e (...), que à ocasião apresentou-se como (...), foram abordados pelo vigilante (...), pois este recebera de um lojista a notícia de que ambos estavam realizando pequenos furtos nos estabelecimentos do Shopping.

Ele encontrou no interior da bolsa que a agente portava diversos objetos, conseguindo identificar que uma calça e uma bermuda eram pertencentes à pessoa jurídica denominada “POINT DA LOJA”, acionando-se, subsequentemente, a Polícia Militar.

Os depoimentos das testemunhas foram acostados a fls. 05/07.

(...) se identificou, em seu interrogatório, como (...) e afirmou que (...) lhe solicitara guardar a calça e a bermuda, além dos outros produtos. Desvelada sua verdadeira qualificação, a indiciada optou pelo silêncio (fls. 31), como o fizera o comparsa (fls. 09).

Todos os bens foram apreendidos (fls. 17/18) e aqueles de que trata o presente caso foram avaliados no montante total de R$ 40,00 (quarenta reais, consoante o auto de fls. 19).

Pois bem.

A tese abraçada pelo competente Representante Ministerial, com a devida vênia, não pode ser aceita, em que pese suas bem lançadas razões.

As mercadorias subtraídas, repise-se, foram avaliadas no total de R$ 40,00 (quarenta reais). Reconhece-se que tal valor não é expressivo, mas daí a dizê-lo insignificante, não nos parece correto; a se aplicar o princípio mencionado, resultando na atipicidade material da conduta, estar-se-ia estimulando o cometimento de infrações patrimoniais de objetos de pequeno valor.

Reconhecer como atípicos comportamentos desse porte é, nas palavras do eminente Desembargador Francisco Bruno, agir como se o próprio Estado dissesse ao autor do fato: “Isto não é crime, o senhor está autorizado a fazê-lo novamente” (Apelação n. 990.10.079006-4, j. em 29.7.10, 9.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo).

Não se ignora, outrossim, a existência de posturas jurisprudenciais favoráveis ao referido princípio.

É de ver, todavia, que o próprio Supremo Tribunal Federal tem colocado limites à sua aplicação, ao exigir o cumprimento de quatro vetores para sua incidência, a saber: a inexpressividade da lesão ao bem jurídico; a ausência de periculosidade social da ação; a falta de reprovabilidade da conduta; a mínima ofensividade do comportamento do agente (cf. HC n. 94.931, rel. Min. Ellen Gracie).

Registre-se que há diversos julgados recentes do Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo afastando a aplicação do princípio em casos semelhantes ao presente, como se nota no julgamento das apelações criminais de número 0001664-52.2010.8.26.0637 (13.ª Câmara de Direito Criminal), 9243956-51.2008.8.26.0000 (8.ª Câmara de Direito Criminal), 0003437-22.2009.8.26.0588 (16.ª Câmara de Direito Criminal), 0003476-90.2007.8.26.0296 (2.ª Câmara de Direito Criminal), 0099671-94.2010.8.26.0050 (6.ª Câmara de Direito Criminal) e 0004327-07.2008.8.26.0584 (11.ª Câmara de Direito Criminal).

Ressalte-se, outrossim, que os agentes possuem contra si instaurados outros procedimentos, inclusive da natureza do presente, tendo sido já condenados (cf. folhas de antecedentes juntadas a fls. 36/68), o que serve de novo obstáculo para o benesse reconhecida pelo Douto Promotor de Justiça (vide HC n. 97.007, Relator  Min. JOAQUIM BARBOSA, 2.ª Turma, julgado em 01/02/2011, DJe de 31-03-2011).

Deve-se frisar, a respeito da imputação relativa ao art. 307 do CP, que o Colendo Supremo Tribunal Federal firmou recentemente o entendimento no sentido de que tal conduta não se encontra albergada pela garantia do nemo tenetur se detegere, conforme se verifica no acórdão a seguir:

 

"EMENTA CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA INDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes”.

(STF, RE n. 640.139, Relator Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, publicado no DJe de 13-10-2011).

 

 

Destaque-se, inclusive, que o STJ alterou seu posicionamento acerca da matéria, passando a acompanhar a orientação da Suprema Corte; confira-se:

 

 

HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS E EVITAR PRISÃO. AUTODEFESA QUE ABRANGE SOMENTE O DIREITO A MENTIR E OMITIR SOBRE OS FATOS E NÃO QUANTO À IDENTIFICAÇÃO. CONDUTA TÍPICA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA.

1. No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidou-se o entendimento no sentido de que não configura o crime disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do Código Penal a conduta do acusado que apresenta falso documento de identidade perante a autoridade policial com intuito de ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de autodefesa, já que amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.

2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 640.139/DF, cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo diverso, assentando que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente.

3. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão geral, seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte.

4. A absolvição do paciente é questão que demanda aprofundada análise de provas, o que é vedado na via estreita do remédio constitucional, que possui rito célere e desprovido de dilação probatória.

5. No processo penal brasileiro vigora o princípio do livre convencimento, em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela condenação, não cabendo, na angusta via do writ, o exame aprofundado de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos quais as instâncias anteriores formaram convicção pela prolação de decisão repressiva em desfavor do paciente.

6. Ordem denegada”.

(STJ, HC n. 151.866, Rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª Turma, 1.º/12/2011)

 

Diante de tudo o quanto se ponderou, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 1.º de março de 2012.

 

 

                       

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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