Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º
33.749/11
Autos n.º 549/07 – MM. Juízo da Vara Judicial da Comarca de Apiaí
Querelante: (...)
Querelados: (...)
e (...)
Assunto: análise
de proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95)
EMENTA: CPP, ART. 28. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI N. 9.099/95). APLICABILIDADE DO INSTITUTO AOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE EXISTA ANUÊNCIA DO QUERELANTE E A PROPOSTA SEJA FORMULADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. A aplicação da suspensão
condicional do processo às infrações que se processam mediante queixa, em que
pese haja dissídio doutrinário e jurisprudencial a respeito, parece-nos viável,
conquanto se preserve a titularidade do Ministério Público para análise e
formulação da respectiva proposta. Nesse sentido, inclusive, o entendimento do
Egrégio Superior Tribunal de Justiça (RHC n. 17.061, rel. Min. HÉLIO QUAGLIA
BARBOSA, 6ª Turma, julgado em
2. Ocorre, entretanto, que a
confecção da proposta pressupõe, além disso, a anuência do querelante. Calha a
pena citar, neste diapasão, texto da lavra de LUIS ANTÔNIO DE SOUZA, que chega
a conclusão semelhante à que ora se propugna:
“A doutrina, vacilante de início, acabou por admitir a aplicação, por
analogia, do disposto na primeira parte do art. 76, para incidir também nas
infrações mediante queixa. Também assim em relação à suspensão do processo.
Atualmente é corrente o entendimento do cabimento da suspensão aos crimes de
ação penal privada (exclusivamente privada ou personalíssima). (...) Como se
vê, o STJ admitiu a proposta de transação penal por parte do Ministério Público
em não havendo formal oposição do querelante, donde concluir que este tem
primazia na decisão pela proposta ou não. E o mesmo raciocínio pode-se aplicar
à suspensão do processo, a qual poderá ser formulada pelo parquet, nos
crimes de ação penal privada, desde que não se oponha o querelante” (“in”, Revista Jus Vigilantibus http://jusvi.com/artigos/14573; acesso
em
Solução: encaminhem-se os autos à origem para que se
ouça a autora da ação a respeito do sursis
processual em favor dos querelados e, com seu consentimento e na hipótese
de persistir a recusa ministerial, seja o feito novamente remetido a esta
Chefia Institucional.
Cuida-se de queixa-crime movida por (...) em face de (...) e (...).
A petição inicial foi recebida (fls. 22), designando-se audiência de instrução, debates e julgamento (fls. 29). Em sede de alegações finais, as partes apresentaram memoriais escritos (fls. 56/57, 67/70, 79/80 e 82/83), após o que determinou o MM. Juiz viessem aos autos folhas de antecedentes e respectivas certidões criminais em nome dos querelados, a fim de que a autora da ação examinasse o cabimento da suspensão condicional do processo (fls. 85), transcorrendo in albis o prazo para tal manifestação (fls. 103).
O Digno Magistrado, então, determinou o encaminhamento do feito ao Ministério Público para que, suprindo a omissão da querelante, formalizasse a proposta mencionada (fls. 103).
O Douto Promotor de Justiça, entretanto, entendeu pela impropriedade da medida, considerando-a incompatível com os crimes de ação penal privada (fls. 104), o que motivou a remessa do procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça, para que a questão fosse reexaminada, com fundamento no art. 28 do CPP (fls. 107/108).
Eis a síntese do necessário.
Com respeito ao envio da questão a este Órgão, deve-se
destacar que esta se deu em observância aos ditames constitucionais. O art. 129, inc. I, da CF,
atribui ao MINISTÉRIO PÚBLICO a titularidade exclusiva da ação penal pública.
Deveras, tratando-se do dominus litis,
ao Parquet incumbe verificar a
conveniência das medidas despenalizadoras contidas na Lei n. 9.099/95,
notadamente da suspensão condicional do processo. Nesse sentido, a Súmula 696
do Egrégio Supremo Tribunal Federal.
No
que pertine à aplicação do instituto às infrações que se processam mediante
queixa, em que pese haver dissídio doutrinário e jurisprudencial a respeito, parece-nos
correta a tese favorável ao seu cabimento, conquanto
se preserve a titularidade do Ministério Público para análise e formulação da
respectiva proposta. Nesse sentido, inclusive, o entendimento do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ORDINÁRIO
1. O benefício processual previsto no art. 89, da Lei n.º 9.099/1995, mediante a aplicação da analogia in bonam partem, prevista no art. 3.º, do Código de Processo Penal, é cabível também nos casos de crimes de ação penal privada. Precedentes do STJ.
2. Recurso provido”.
(STJ, RHC n. 17.061, rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6ª Turma, julgado em 30/05/2006, DJE de 26/06/2006, p. 199)
Ocorre, entretanto, que a
confecção da proposta pressupõe, além disso, a anuência do querelante.
Calha
a pena citar, neste diapasão, texto da lavra de ANDRÉ ESTEFAM e LUIS ANTÔNIO DE
SOUZA, que chegam a conclusão semelhante à que ora se propugna:
“A
doutrina, vacilante de início, acabou por admitir a aplicação, por analogia, do
disposto na primeira parte do art. 76, para incidir também nas infrações
mediante queixa. Também assim em relação à suspensão do processo. Atualmente é
corrente o entendimento do cabimento da suspensão aos crimes de ação penal
privada (exclusivamente privada ou personalíssima).
A
jurisprudência brasileira comunga esse mesmo entendimento. O Superior Tribunal
de Justiça (STJ), pela sua 5.ª T., no HC n. 13.337/RJ, rel. Min. Felix Fischer,
j. em 15.5.2001, DJ de 13.8.2001, p. 181, proclamou que “A Lei n.
9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a transação
e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa
exclusivamente privada”. Mais recentemente, a 5.ª T. se pronunciou novamente,
no HC n. 34.085/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 8.6.2004, DJ de
2.8.2004, p. 457, deixando estabelecido que “A Terceira Seção desta Egrégia
Corte firmou o entendimento no sentido de que, preenchidos os requisitos
autorizadores, a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos crimes
sujeitos a ritos especiais, inclusive aqueles apurados mediante ação penal
exclusivamente privada. Ressalte-se que tal aplicação se estende, até mesmo,
aos institutos da transação penal e da suspensão do processo”. Ainda nesse
sentido o HC n. 33.929/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 19.8.2004, DJ de
20.9.2004, p. 312: “A Lei dos Juizados Especiais incide nos crimes sujeitos a
procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores,
permitindo a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas
ações penais exclusivamente privadas”.
Tendo
em conta que a lei só se refere à possibilidade de transação e suspensão
propostas pelo Ministério Público, quem teria legitimidade para fazê-lo em se
tratando de ação penal privada?
A
doutrina que se manifesta a respeito diz que em razão da aplicação analógica do
art. 76 à ação penal privada, deve-se permitir “que a faculdade de
transacionar, em matéria penal, se estenda ao ofendido, titular da queixa-crime
(...)”, isso porque “Como somente deste é a legitimidade ativa à ação, ainda
que a título de substituição processual, somente a ele caberia transacionar em
matéria penal, devendo o Ministério Público, nesses casos, limitar-se a opinar”
(GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 4. ed.
São Paulo: RT, 2002. p. 142-143).
Identicamente
ocorre em relação à suspensão do processo. Admitido o instituto, previsto no
art. 89, aos crimes de ação penal privada, caberia ao querelante formular a
proposta.
Cabe,
todavia, uma consideração. A transação penal e a suspensão do processo,
atualmente, não são tidas como direito público subjetivo do autor do fato e do
acusado. No tocante ao Ministério Público, vigora o princípio da
discricionariedade regrada, devendo guiar-nos o contido na Súmula n. 696 do
Supremo Tribunal Federal (STF), aplicável a ambas as situações: “Reunidos os
pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se
recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a
questão do Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de
Processo Penal”.
No
tocante à vítima, porém, tratando-se de infrações de ação penal privada, outros
princípios vigoram. Imperam os princípios da discricionariedade e da
disponibilidade, daí porque, entendendo-se que a transação e a suspensão não
são direito público subjetivo do autor do fato e do acusado, a sua formulação
fica na estrita conveniência do ofendido, que, ao se recusar a formulá-las,
inviabilizará a transação e a suspensão.
Nesse
sentido, inclusive, decidiu o Egrégio STJ (quanto à transação penal). A Colenda
6.ª T., no RHC n. 8.123/AP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 16.4.1999, DJ
de 21.6.1999, p. 202, deixou assentado que “Na ação penal de iniciativa
privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público
poderá, validamente, formular proposta de transação que, uma vez aceita pelo
querelado e homologada pelo Juiz, é definitiva e irretratável”.
Como
se vê, o STJ admitiu a proposta de transação penal por parte do Ministério
Público em não havendo formal oposição do querelante, donde concluir que este
tem primazia na decisão pela proposta ou não. E o mesmo raciocínio pode-se
aplicar à suspensão do processo, a qual poderá ser formulada pelo parquet,
nos crimes de ação penal privada, desde que não se oponha o querelante.
Enfim,
é a conclusão, as infrações de ação penal privada admitem os institutos da
transação penal e da suspensão condicional do processo, os quais podem ser
propostos pelo Ministério Público, desde que não haja discordância da vítima ou
seu representante legal, o que impõe considerar que o ofendido é quem detém
discricionariedade para a propositura”[1].
Admitida,
em tese, a análise do benefício, cumpre verificar seus requisitos legais.
Conforme
se nota pelo teor da certidão de fls. 103, não
houve manifestação da querelante acerca da medida, valendo frisar que sua
anuência constitui conditio sine qua non para
a elaboração da proposta.
Determino,
portanto, o encaminhamento dos autos à origem para que se ouça a autora da ação
a respeito do sursis processual em
favor dos querelados e, com seu consentimento e na hipótese de persistir a
recusa ministerial, seja o feito novamente remetido a esta Chefia Institucional.
Publique-se
a ementa.
São Paulo, 14 de março de 2011.
Fernando
Grella Vieira
Procurador-Geral
de Justiça
/aeal