Protocolado n.º 3.816/09 – art. 28 do CPP
Processo n.º 050.08.056840-8/0000 – MM. JUÍZO DO DIPO 4
Réu: (...)
EMENTA: CPP, ART. 28. USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304). INDICIADO
QUE, AO SER PRESO EM FLAGRANTE, APRESENTA CÉDULA DE IDENTIDADE FALSIFICADA.
EXERCÍCIO DO DIREITO DE AUTODEFESA. INADMISSIBILIDADE. DENÚNCIA.
2. Não há falar-se em exercício do direito constitucional de autodefesa
no ato de quem, visando furtar-se de suas responsabilidades criminais,
apresenta documento falsificado.
Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecimento de
denúncia.
O presente
feito teve início com ofício requisitório expedido pelo MM. Juízo da 9.ª Vara
Criminal Central da Capital, endereçado ao Delegado do 4.º Distrito Policial, para
apurar suposto crime de uso de documento falso (CP, art. 304).
Apurou-se
que o indiciado fora preso em flagrante por roubo e, durante a lavratura do
respectivo auto, exibira cédula de identidade ideologicamente falsificada, pois
continha sua fotografia com qualificação alheia (de (...)).
O
inquérito policial relativo ao crime contra o patrimônio foi relatado e, antes
mesmo de sua conclusão, já se descobrira a falsidade do documento exibido por (...),
o qual foi apreendido e submetido a exame pericial (cf. fls. 60/61).
Nestes
autos, concluídas as investigações, inclusive com a inquirição do investigado
(fls. 126/127), o qual confessou o delito, aduzindo que assim agira por ser
foragido da Justiça, o feito foi remetido ao DD. Promotor de Justiça. Este
requereu o arquivamento do inquérito, por entender que a conduta de (...) visava,
tão somente, ocultar seu passado criminoso, caracterizando exercício de sua autodefesa
(fls. 141/143).
Vislumbrando
elementos suficientes para o oferecimento de denúncia, a MM. Juíza de Direito houve
por bem remeter os autos a esta Procuradoria Geral de Justiça, com fundamento
no artigo 28 do CPP (fls. 145/147).
É o
relatório.
O
presente protocolado enseja duas questões centrais: (i) qual o crime a se
imputar, em tese, ao indiciado, em decorrência do documento falso apresentado;
(ii) se sua conduta encontra-se amparada por seu direito constitucional de
ampla defesa.
Com
relação ao primeiro aspecto, deve-se ponderar que o comportamento do sujeito não
configura, tão somente, falsa identidade (CP, art. 307). Aliás, mencionado
crime é expressamente subsidiário e, no caso dos autos, o que se tem é o uso de
documento público falsificado, vale dizer, o agente incorreu, in thesi, no art. 304 c.c. art. 297 do
CP.
Isto
porque (...) não se limitou a fornecer nome e qualificação de outrem, mas
apresentou documento pertencente a terceiro, no qual fora aposta sua
fotografia.
Com
respeito à segunda questão, qual seja, a da suposta presença de excludente de
ilicitude no ato do indiciado, com a devida vênia do Membro do Ministério
Público, a razão está com a d. Magistrada.
Não
se pode olvidar que o Direito Penal, por meio da incriminação de comportamentos
delitivos, volta-se à proteção de bens jurídicos considerados fundamentais. A
norma incriminadora violada pelo agente protege, antes de mais nada, a fé
pública, a qual inequivocamente restou vulnerada pela conduta de (...).
Nesse
sentido, firme a jurisprudência do Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo:
“RECEPTAÇÃO DOLOSA E FALSA
IDENTIDADE. Prova da autoria e da materialidade de ambos os delitos.
Confissão em harmonia com a prova colhida. Crime impossível. Autodefesa.
Inocorrência. Idoneidade do meio empregado. Exercício da autodefesa que não confere ao réu imunidade para cometer
crimes. Absorção da receptação pela falsa identidade. Impossibilidade.
Delitos com objetividades jurídicas diversas. Condenação mantida. Penas
exacerbadas com excessivo rigor. Regime semi-aberto adequado...”
(TJSP, Apelação
Criminal n.° 990.08.020629-0 - São Paulo, rel. Des. Tristão Ribeiro, julgado em
04.12.2008; grifo nosso)
Ademais
disso, a se compreender lícita a postura do investigado, dar-se-ia inadmissível
salvo-conduto a todos os indiciados, os quais poderiam impunemente utilizar-se
de nome e qualificação alheias, para furtar-se de sua responsabilidade penal,
prejudicando terceiros cujos nomes eventualmente pudessem ser citados por eles.
Não
se ignora, é bem verdade, a existência de julgados albergando a tese exposta no
requerimento ministerial. Ocorre que tal postura, com todo o respeito, põe em
risco a fé pública e o bom nome alheio. É discutível, ainda, possa a corrente
que vislumbra o exercício de um direito ser aplicada ao caso concreto, em face
da natureza do crime cometido. Com efeito, o Egrégio Superior Tribunal de
Justiça já decidiu que:
“HABEAS
CORPUS. USO DE DOCUMENTO
FALSO. IMPETRAÇÃO DIRECIONADA À DECISÃO DO JUIZ QUE RECEBEU A
DENÚNCIA. INCOMPETÊNCIA DO STJ. PRETENSÃO DE TRANSFERÊNCIA DE PENITENCIÁRIA E
DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL PELA APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO PERFILHADO POR ESTA
CORTE NO HC 42.663/MG. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Este STJ é
incompetente para a apreciação de Habeas Corpus dirigido contra a decisão do
Juiz Criminal que recebeu a denúncia.
2. As
questões relativas à (I) transferência do paciente de penitenciária e à (II)
aplicação do entendimento perfilhado por esta Corte no HC 42.663/MG, em que se
decidiu pela inexistência de crime de falsa identidade perante autoridade
policial, em obséquio ao princípio da autodefesa, não foram objeto de
análise pelo Tribunal a quo, o que
inviabiliza a apreciação do tema por este Sodalício, sob pena de indevida
supressão de instância.
3. Por força
do art. 105 da Constituição Federal, não compete a este Tribunal se manifestar
sobre matéria não analisada pela instância a quo.
4. Ademais, não se verifica flagrante
ilegalidade que pudesse levar à superação desse entendimento, pois não está em
discussão o crime de falsa identidade (art. 307 do CPB), mencionado no
paradigma citado pelo impetrante como aplicável ao caso concreto, mas de uso de documento falso (art. 304 do CPB)
5. Não
obstante a alusão, na denúncia, ao art. 297 do CPB, verifica-se que ao paciente
não foi imputada a conduta de falsificar documento público, mas, tão-somente, a de apresentar documento público (carteira de
identidade) falsificado a policiais; dessa forma, ao meu sentir, não há que se
falar em eventual absorção do crime de falsum
pelo de uso, data venia do ilustre parecer
ministerial, que se manifestou pela concessão da ordem, de ofício, para trancar
a ação penal pela imputação do crime do art. 297 do CPB.
6. Habeas Corpus não conhecido,
determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal competente.”
(STJ, HC n. 85.439, rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, DJe de 03/03/2008)
Diante do exposto, designo outro promotor
de justiça para oferecer denúncia e para prosseguir no feito em seus ulteriores
termos.
Faculta-se-lhe
observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07
de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP),
de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.
São Paulo, 12 de janeiro de 2009.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça