Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 45.145/09

Processo n.º 019.01.2006.003138-0 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Americana

Réu: (...)

Assunto: revisão de recusa de aditamento da denúncia (CPP, art. 384)

 

 

 

Ementa: CPP, art. 28. Aditamento da denúncia na fase do art. 384 do CPP. Recusa ministerial. Divergência que toca somente ao enquadramento legal dos fatos. Inaplicabilidade do art. 384 do CPP. Caso de “emendatio libelli”. Inteligência do art. 383 do CPP.

1.      A recusa em aditar a denúncia efetuada pelo Representante do Ministério Público não impede a prolação de sentença quando a descrição da peça acusatória, em conformidade com as provas produzidas, autoriza a prolação do édito condenatório, ainda que por crime diverso do capitulado na exordial.

2.      Quando se trata de suposta correção da tipificação legal dos fatos, não se faz necessário o aditamento, uma vez que a sistemática contida no art. 384 do CPP visa à observância do princípio da correlação entre os fatos descritos na exordial e aqueles apreciados na sentença. Suposto defeito na classificação jurídica pode ser corrigido quando do julgamento, a teor do art. 383 do CPP.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

 

A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face do réu, imputando-lhe crime de furto qualificado, na forma tentada (CP, art. 155, §4º, II e IV, c.c. art. 14, II).

Ao cabo da instrução processual, o competente Promotor de Justiça pugnou pela procedência da acusação, tendo o i. defensor se manifestado em sentido contrário.

O MM. Juiz, de sua parte, entendeu que a prova indicava a ocorrência de crime diverso do capitulado na inicial, motivo por que determinou fosse a denúncia aditada, nos termos do art. 384 do CPP (fls. 158/159).

O i. Promotor de Justiça, contudo, não vislumbrou a necessidade de fazê-lo, pois o delito ocorrido teria sido exatamente aquele narrado na exordial (fls. 165).

O d. Magistrado, destarte, aplicou à espécie o art. 28 do CPP e encaminhou o feito a esta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 173/174).

É o relatório.

A controvérsia estabelecida neste expediente refere-se fundamentalmente a respeito da classificação jurídica adequada ao comportamento delitivo praticado pelo réu.

Nesse sentido, é preciso enfatizar que tanto o i. Membro do Parquet quanto o MM. Juiz, ao que se depreende dos autos, são acordes quanto à dinâmica dos fatos. Não há dúvida de que a conduta imputada é exatamente aquela narrada na inicial acusatória, a qual formou a base da persecutio criminis in juditio e, ademais, o fundamento balizador do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório (CF, art. 5º, LV).

A divergência, portanto, refere-se exclusivamente ao enquadramento legal da ação praticada.

No entender do diligente Promotor de Justiça, trata-se de furto qualificado (tentado). Ressalte-se que a peça inaugural deixa claro que nada foi subtraído, ao mesmo tempo em que informa ter um dos agentes (aquele não identificado), sacado arma de fogo para intimidar terceiros.

Para o i. Magistrado, no entanto, cuidar-se-ia de roubo impróprio. É o que se depreende do r. despacho de fls. 159:

 

“A prova hoje amealhada dá conta que em tese pode ter ocorrido o delito de tentativa de roubo qualificado, na forma imprópria, pelo fato de um dos participantes do delito ter se utilizado de grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, assim como os demais terem praticado grave ameaça contra a mãe da vítima quando viram-se na iminência de prisão...”

 

Ora, a grave ameaça que o MM. Juiz indicou como resultante da prova e, em seu entender, embasaria a nova tipificação, encontra-se descrita no antepenúltimo parágrafo da denúncia.

Conclui-se, por conseguinte, que a hipótese deve ser regida pelo art. 383 do CPP, e não pelo art. 384, com a devida vênia do mui digno Julgador.

Cumpre assinalar que o art. 384 do Estatuto Processual Penal disciplina a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação (ou congruência) entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia (ou da queixa-subsidiária), visam à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

É de ver, ainda, que o princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e no princípio da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pelos fatos que foram objeto da acusação e sobre os quais pode elaborar sua defesa.

No caso dos autos, independentemente da discussão meritória (se houve furto ou roubo), mostra-se descabida a aplicação do art. 384 do CPP.

Significa afirmar que, se ao juiz parece ter ocorrido crime diverso, deve proferir decisão desclassificatória, sem a necessidade do aditamento, a teor do que determina o art. 383 do CPP (emendatio libelli).

Diante do exposto, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 23 de abril de 2009.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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