Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 49.875/09

Inquérito Policial n.º 050.08.033974-3 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. FALSIDADE DE DOCUMENTO PARTICULAR (CP, ART. 297). EXIGÊNCIA DE POTENCIALIDADE DE DANO A TERCEIRO. ELEMENTO SUBJETIVO DO INJUSTO CONSISTENTE NA FINALIDADE DE PREJUDICAR OUTREM. ARQUIVAMENTO MANTIDO.

1.      Os crimes contra a fé pública requerem a produção de dano, real ou potencial, como elemento essencial à sua configuração.

2.      Além disso, é preciso que o agente atue com o propósito de prejudicar alguém, sob pena de atipicidade da conduta por ausência de elemento subjetivo do injusto. Como ensina DAMÁSIO DE JESUS, “a vontade de alterar a verdade despida da finalidade de prejudicar terceiro não é suficiente para integrar o crime” (Direito Penal. Parte Especial. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 06, vol. IV).

Solução: arquivamento mantido.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar suposto crime de falsificação de documento particular (CP, art. 298), praticado, em tese, por advogado que, em nome do cliente, apôs sua assinatura em procuração com o objetivo de obter informações junto a órgão de previdência privada.

A competente Promotora de Justiça entendeu por bem requerer o arquivamento dos autos, porquanto lhe pareceu cuidar-se de falso grosseiro (fls. 84/86).

A MM. Juíza, todavia, discordou da manifestação e aplicou o art. 28 do CPP (fls. 88/90).

É o relatório.

Com a devida vênia da d. Magistrada, cremos que se mostra inviável a propositura da ação penal.

É preciso anotar que o investigado foi procurado pela suposta vítima, a qual relatou acreditar que seu falecido pai seria credor de valores pagos a instituição de previdência privada.

Para efeito de consulta perante o órgão competente, o advogado elaborou procuração e solicitou que o cliente comparecesse a seu escritório para assiná-la. Este alegou que não possuía recursos para a condução, razão pela qual o próprio causídico firmou o documento e o apresentou, conseguindo as informações necessárias, isto é, de que não havia crédito algum.

O indiciado, então, contatado por (...), informou-lhe sobre a inexistência do crédito e entregou-lhe o documento comprobatório. Ocorre que este verificou a procuração assinada e comunicou o fato à Polícia.

É de ver, na hipótese dos autos, que não houve qualquer prejuízo ao ofendido (ou mesmo intenção de causá-lo).

O tipo objetivo, parece-nos, encontra-se verificado, mas o mesmo não se pode dizer quanto ao elemento subjetivo do injusto.

De registrar-se que a materialidade ficou devidamente reconhecida por meio de laudo de exame grafotécnico, consoante se observa a fls. 70/72. Não cremos, outrossim, seja possível falar-se em falsidade grosseira, porque esta é somente aquela inapta a enganar terceiro, o que inocorreu no caso sub examen, tanto que a entidade responsável aceitou a procuração como válida.

Ocorre, todavia, que não houve intenção de gerar dano a José Paulo, como estão a demonstrar os elementos informativos.

Note-se que o próprio agente admitiu a aposição da assinatura no documento, como se fora a do cliente (fls. 14/15).

O sujeito, ademais, não procurou simular a firma de outrem, mas apôs sua própria.

Acrescente-se, ainda, que ele não ocultou em momento algum seu proceder, tanto que exibiu a procuração a (...), quando por este contatado.

Todas essas circunstâncias, somadas ao fato de (...) ter admitido a conduta à autoridade policial, revelam não ter agido com intenção de lesar terceiro, conditio sine qua non para a existência do delito.

SYLVIO DO AMARAL, em monografia a respeito do assunto, pondera que,

“Ainda quando não expressamente mencionado pela lei (como ocorre no nosso Direito), o dano, real ou potencial, é uniformemente considerado pela doutrina, nacional e estrangeira de todos os tempos como requisito essencial à configuração do crime de falsidade documental” (Falsidade documental. 4ª ed. Campinas: Millenium. pág. 74).

 

DAMÁSIO DE JESUS, em seu autorizado escólio, destaca, no mesmo sentido, que,

“Para a existência da falsidade formal é preciso que o sujeito queira cometer o ato da falsidade. Esse dolo, entretanto, não satisfaz a exigência legal. É necessário que a conduta seja realizada com o fim de causar dano a terceiro por intermédio da alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante. Diante disso, a vontade de alterar a verdade despida da finalidade de prejudicar terceiro não é suficiente para integrar o crime. A simples falsidade, dizia MAGALHÃES NORONHA, ‘não constitui o delito, se desacompanhada da intenção contida na figura típica’” (Direito Penal. Parte Especial. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 06, vol. IV; grifo nosso).

Diante do exposto, deixo de oferecer denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo e insisto no arquivamento promovido pelo Órgão do Ministério Público. Publique-se a ementa.

São Paulo, 05 de maio de 2009.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

/aeal