Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 50.750/11

Autos n.º 050.11.030552-3 – MM. Juízo do DIPO (Comarca da Capital)

Indiciados: (...) e (...)

Assunto: revisão de requisição de diligências em inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS (LEI N. 11.343/06, ART. 33). PRISÃO EM FLAGRANTE. REQUISIÇÃO MINISTERIAL DE DILIGÊNCIAS VISANDO AO DETALHAMENTO DA CONDUTA DOS INDICIADOS. DECLARAÇÕES DOS POLICIAIS GENÉRICAS E LACÔNICAS. INVIABILIDADE DO OFERECIMENTO DE DENÚNCIA, SOB PENA DE INÉPCIA. PROVIDÊNCIAS COGITADAS IMPRESCINDÍVEIS AO OFERECIMENTO DA AÇÃO PENAL.

1.     A concretização de uma imputação em juízo, de modo a autorizar legitimamente a deflagração da persecução penal, sem macular o devido processo legal, requer seja a petição inicial instruída com prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. Exige, ainda, que a denúncia descreva, ainda que sucintamente, qual o comportamento de cada um dos acusados, sob pena de, sendo omissa ou excessivamente lacônica, inviabilizar o exercício do direito constitucional à ampla defesa (CF, art. 5.º, LV). Não é outro o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal (HC n. 81.295, Rel. Min. ELLEN GRACIE, 1ª Turma, julgado em 06/11/2001, DJ de 14-12-2001, p. 27) e pelo Superior Tribunal de Justiça (HC 104.497, Rel. Min. NILSON NAVES, 6ª TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe de 07/06/2010).

2.     O Ministério Público, por outro lado, não está obrigado a oferecer denúncia sempre que verificar, nos termos do art. 16 do CPP, que existem diligências imprescindíveis ao ajuizamento da demanda. Trata-se exatamente do quadro que se verifica no presente inquérito policial.

3.     Na hipótese vertente, os policiais responsáveis pela detenção dos increpados, em depoimentos de poucas linhas, se jungiram a declarar que os viram vendendo droga, sem qualquer outra indicação, mínima que fosse, do modo como o faziam, de onde ou com quem se encontravam as substâncias psicoativas, etc.

4.     É mister, portanto, o retorno do inquérito à delegacia de origem, com o escopo de esclarecer todas as questões oportunamente levantadas na manifestação ministerial de fls.

Solução: deixa-se de ofertar denúncia ou designar outro membro ministerial para fazê-lo, insistindo-se nas providências apontadas pelo promotor natural.

 

O presente procedimento foi instaurado para apurar suposto tráfico ilícito de drogas, que teria sido cometido, em tese, por (...) e (...), os quais foram surpreendidos por policiais civis, em 11 de abril p. passado, “fazendo a venda” de substâncias entorpecentes (fls. 13/14).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça entendeu por bem requisitar novas diligências, com o escopo de melhor esclarecer a autoria e a materialidade delitivas, de vez que as declarações dos policiais, dado o seu laconismo, inviabilizariam a imputação do grave crime, bem como diante da precariedade do auto de constatação das substâncias psicoativas, o qual padece do vício de não especificá-las (fls. 38 e verso).

O MM. Juiz, contudo, julgou improcedentes os argumentos deduzidos e, destacando que houve a apreensão de elevada quantidade de entorpecentes, aplicou o art. 28 do CPP e remeteu o procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 40).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Digno Magistrado, parece-nos que a razão se encontra com o Nobre Membro do Parquet.

Deve-se frisar, de início, que a concretização de uma imputação em juízo, de modo a autorizar legitimamente a deflagração da persecução penal, sem macular o devido processo legal, requer seja a petição inicial instruída com prova da materialidade e indícios suficientes de autoria.

Exige, ainda, que a denúncia descreva, ainda que sucintamente, qual o comportamento de cada um dos acusados, sob pena de, sendo omissa ou excessivamente lacônica, inviabilizar o exercício do direito constitucional à ampla defesa (CF, art. 5.º, LV).

O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já reconheceu a imprestabilidade de acusações genéricas, como a que aqui se deduziria frente à prova colhida neste inquérito:

“EMENTA: Habeas corpus. Falsidade ideológica (art. 299 do CP). Fraude em licitação. Preenchimento fictício de propostas, com a utilização de máquina de datilografia do setor de licitações da Prefeitura de Bebedouro/SP, mediante a inserção, nas respectivas cartas-convites, de dados relativos às empresas participantes, com exceção da empresa do paciente, vencedora do certame. Ausência, na denúncia, de descrição de qualquer conduta do paciente destinada à prática do crime de falsidade ideológica, inviabilizando o exercício da defesa. Denúncia inepta quanto a esse crime. Crime de responsabilidade (art. 1º, § 1º do Decreto- lei nº 201/67). Apropriação de rendas públicas pelo prefeito municipal, em co-autoria com servidores da prefeitura e empresários. Pagamento por serviços licitados mas não prestados à Municipalidade, bem como pelo aluguel de máquina não existente no país. Ausência, na denúncia, de qualquer indicação de ter o paciente participado dos fatos criminosos, evidenciando-se não ter ele participado das respectivas licitações e não atuar nos ramos objeto desses certames. Denúncia que se reputa inepta no tocante a tal delito. Crime de bando ou quadrilha (art. 288 do CP). Infração permanente, que se consuma com a efetiva associação das pessoas visando ao cometimento de crimes, independentemente da prática de algum delito pelo grupo. Denúncia que se volta contra 18 pessoas, incluindo o paciente, apontando indícios suficientes de que houve, de fato, associação entre elas com o objetivo de cometer crimes contra a Administração Pública municipal. Denúncia que descreve com clareza os fatos contra os quais deve se voltar a defesa. Ausência de constrangimento ilegal a ser sanado. Habeas corpus deferido parcialmente.

(HC n. 81.295, Relatora:  Min. ELLEN GRACIE, Primeira Turma, julgado em 06/11/2001, DJ 14-12-2001, p. 27; grifo nosso).

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não destoa desta linha:

“Habeas corpus (cabimento). Matéria de prova (distinção). Apropriação indébita previdenciária (imputação). Denúncia (concurso de pessoas).

Arguição de inépcia (procedência).

(...)

3. Conforme as melhores lições, da denúncia – peça narrativa e demonstrativa – exigem-se informações precisas sobre quem praticou o fato (quis) e sobre os meios empregados (quibus auxiliis).

4. Tratando-se de acusação de apropriação indébita de contribuição previdenciária, há necessidade da descrição de como teria o paciente concorrido para o crime e do grau de participação.

5. Caso em que a denúncia é carente quanto à exposição das diversas condutas, por não trazer elementos que permitam descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria.

6. Tal o aspecto, por faltar à denúncia a descrição de elementos de convicção que a amparem, não reúne tal peça, em torno de si, as exigências legais, estando, portanto, formalmente inepta.

7. Habeas corpus concedido com extensão a corréu”.

(HC 104.497/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 07/06/2010; grifo nosso)

 

O Ministério Público, por outro lado, não está obrigado a oferecer denúncia sempre que verificar, nos termos do art. 16 do CPP, que existem diligências imprescindíveis ao ajuizamento da demanda. Trata-se exatamente do quadro que se verifica no presente inquérito policial.

Os agentes públicos responsáveis pela detenção dos increpados, em depoimento de oito linhas, disseram, sobre a conduta criminosa, apenas o seguinte:

“...nesta oportunidade a passar pelo local flagraram os indiciados Denis e Danilo, fazendo a venda da mesma substância, que o abordaram (sic) e encontraram com ambos algumas sacolas contendo frascos de cocaína, crack e maconha...” (fls. 13 e 14).

 

É mister, portanto, que os policiais civis responsáveis pela prisão em flagrante dos sujeitos sejam novamente inquiridos, desta vez com a exigência de que pormenorizem o comportamento dos suspeitos, esclarecendo as questões oportunamente levantadas na manifestação ministerial de fls. 38 e verso.

É preciso, outrossim, que novo auto de constatação seja efetuado, detalhando a natureza das substâncias apreendidas em poder dos agentes e fotografadas a fls. 10.

Em face do exposto, deixo de oferecer denúncia ou de designar outro promotor de justiça para ofertá-la e insisto nas providências assinaladas a fls. 38 e verso, devendo os autos retornarem à origem com urgência.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 20 de abril de 2011.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

             Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

/aeal