Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado
n.º 50.944/10
Inquérito
policial n.º 050.10.014420-9 – MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal do Foro Central
da Comarca da Capital
Indiciado: (...)
EMENTA: CPP, ART. 28. RECEPTAÇÃO
(CP, ART. 180, CAPUT). INDICIADO NÃO
ENCONTRADO NA POSSE DO BEM. HIPÓTESE
1. O indiciado foi preso em flagrante com outro indivíduo, encontrando-se ambos no interior de um veículo automotor roubado. O condutor foi reconhecido seguramente pela vítima como autor da subtração. O increpado, embora não existam elementos que o vinculem ao roubo, declarou informalmente aos policiais militares e formalmente ao Delegado de Polícia, no auto de prisão em flagrante, que o bem lhe pertencia, tendo-o comprado com pleno conhecimento de sua origem espúria. O automóvel, ademais, encontrava-se com sinais identificadores adulterados, circunstância da qual estava ciente.
2. O fato de o agente não se encontrar na posse da coisa, somente porque não era seu condutor, não impede que lhe seja atribuído o crime do art. 180 do CP, mormente porque se trata de tipo misto alternativo.
3. O oferecimento de denúncia, como se sabe, não exige provas rigorosas como aquelas necessárias para a prolação de um édito condenatório. É suficiente a reunião de indícios, obtidos por elementos de informação validamente produzidos, de autoria ou participação, aliada à comprovação da existência do fato criminoso (prova da materialidade).
Solução: adito a denúncia para incluir na imputação o receptador, devendo prosseguir na causa o Douto Promotor Natural.
Cuida-se de ação penal movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face de (...), imputando-lhe crime de roubo agravado pelo emprego de arma e concurso de pessoas (CP, art. 157, §2.º, I e II).
O Douto Promotor de Justiça ofertou denúncia e, com relação ao indiciado (...), a quem a investigação atribuiu o delito de receptação (CP, art. 180, caput), requereu o arquivamento dos autos, aduzindo inexistir base para tal acusação, porquanto não fora ele surpreendido em poder do veículo subtraído (fls. 46 e verso).
O MM. Juiz, contudo, houve por bem enviar o feito a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com base no art. 28 do CPP, sob o fundamento de existirem indícios de receptação dolosa (fls. 50/51).
É o relatório.
Com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial, parece-nos que o arquivamento não se afigura como a melhor solução.
A materialidade da infração penal é certa, tendo em vista a demonstração de que o automóvel fora produto de roubo. A autoria do delito subsequente, de sua parte, é indisputada, já que (...) confessou (no local do fato aos milicianos e na Delegacia de Polícia, formalmente) que havia adquirido o bem de um desconhecido, tendo conhecimento de que era produto ilícito (fls. 08).
Todos os elementos do tipo, portanto, mostram-se presentes.
Não se pode ignorar que a receptação constitui crime de conduta múltipla ou conteúdo variado, já que a lei prevê vários comportamentos nucleares, contentando-se com o cometimento de um deles para encerrar sua realização integral.
O fato de (...) encontrar-se no interior do veículo, na condição de passageiro, não exclui, ainda mais em sede inquisitiva, a conclusão de que cometera a infração a ele imputada.
A confissão do agente, por outro lado, livre de qualquer mácula, representa indício mais do que suficiente para lastrear a deflagração da persecutio criminis in judicio.
Cumpre lembrar, por derradeiro, o escólio de PAGANELLA BOSCHI e AFRÂNIO SILVA JARDIM. De acordo com o primeiro: “para o desencadeamento da persecução, basta que as provas sejam capazes de despertar um juízo de suspeito, o suficiente para mostrar que a acusação não é um fruto de criação cerebrina ou mero capricho da acusação” (Ação Penal. Rio de Janeiro, Editora AIDE, 1997, 2.ª ed., p. 94).
O processualista carioca, de sua parte, obtempera: “Ressalte-se, entretanto, que uma coisa é constatar a existência da prova do inquérito ou peças de informação e outra coisa e valorá-la, cotejá-la. É preciso deixar claro que a justa causa pressupõe um mínimo de lastro probatório, mas não prova cabal. É necessário que haja alguma prova, ainda que leve. Agora, se esta prova é boa ou ruim, isto já é questão pertinente ao exame do mérito da pretensão do autor, até porque as investigações policiais não se destinam a convencer o Juiz, tendo em vista que o sistema acusatório e a garantia constitucional do contraditório, mas apenas viabilizar a ação penal.” (Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense. 11.ª ed., pág. 98).
Diante do exposto, ADITO A DENÚNCIA OFERTADA, nos seguintes termos:
“Consta dos
inclusos autos que, em dia, hora e local não determinados, porém após 12 de
janeiro p. passado, (...), qualificado a fls. 27, adquiriu e recebeu, em
proveito próprio, coisa que sabia ser produto de crime, consistente num veículo
automotor, de marca “GM”, modelo “Celta” e placas “EAG-1785-Jundiaí”, de
propriedade de Alexandre Alves da Silva.
Pelo apurado,
o automóvel fora roubado por (...) e terceiros não identificados na data acima
apontada, sendo adulterado e vendido a JIMMY pela quantia de R$ 3.000,00 (três
mil reais).
O denunciado
tinha pleno conhecimento da origem criminosa do bem, tanto assim que sabia
terem sido os sinais identificadores do veículo automotor modificados.
O receptador
foi surpreendido por policiais militares no interior do meio de transporte, no
dia
Diante do
exposto, denuncio a Vossa Excelência (...) como incurso no art. 180, caput, do CP e requeiro, seja esta recebida, a
fim de que ele seja criminalmente processado juntamente com o roubador, nos
autos do processo n. 050.10.014420-9, vendo-se ambos, ao final, condenados
pelas infrações respectivamente atribuídas”.
Diante de tudo o quanto se expôs, baixo os autos para
que seja o aditamento devidamente recebido, prosseguindo-se na causa o
competente Promotor Natural do feito.
São Paulo,
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal