Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 51.880/14

Autos n.º 0006214-31.2012.8.26.0052 – MM. Juízo do III Tribunal do Júri da Comarca da Capital

Indiciada: (...)

Vítima: (...)

Assunto: indeferimento do pedido de remessa dos autos à Vara Comum (arquivamento indireto)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO INDIRETO DE INQUÉRITO POLICIAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, §2.º, IV, C.C. ART. 14, II). DÚVIDA ACERCA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. INDÍCIOS DE QUE A AVERIGUADA ATUOU COM DOLO. CONDUTA CONSISTENTE EM VIBRAR GOLPES COM INSTRUMENTO PÉRFURO-CORTANTE NAS COSTAS DO OFENDIDO, COLHENDO-O DE SURPRESA. AÇÃO OBSTADA POR TERCEIROS. AMEAÇAS ANTERIORES QUE CORROBORAM COM A TESE DE CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.

1.     Registre-se, inicialmente, que, muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura ocorre justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo envio do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere. Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional, mas, sobretudo, o princípio da demanda. Nessa medida, revelou-se descabida a atitude judicial, prontamente combatida pelo Nobre Membro do Parquet, que impetrou correição parcial, provida, em parte, pelo Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. A solução viável em tais situações reside na aplicação analógica do art. 28 do CPP. EUGÊNIO DE OLIVEIRA PACELLI e DOUGLAS FISCHER ponderam a respeito do tema que a solução, na falta de dispositivo expresso na legislação, partiu da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal: “Assentou-se, então, que o juiz, não concordando com a manifestação ministerial, deveria valer-se do disposto no art. 28 do CPP (art. 62, LC n. 75/93, no âmbito do Ministério Público Federal), submetendo a questão à instância de revisão do respectivo parquet. O entendimento ali adotado determinaria, então, ou a designação de outro membro para o oferecimento de denúncia, ou a remessa dos autos ao juiz cuja competência tenha sido apontada na manifestação do Ministério Público. Por isso, por não se tratar propriamente de um arquivamento, já que não se alega a ausência de crime e nem de provas de sua existência, cunhou-se a expressão arquivamento indireto, cujo maior mérito é, repetimos, apresentar uma solução para o então insuperável entrave na persecução penal” (Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência, São Paulo, Atlas, 2012, p. 76).

2.     Com relação ao mérito, as testemunhas ouvidas, bem como o sujeito passivo, foram unânimes em declarar que os golpes somente foram obstados pela intervenção de terceiros, podendo-se concluir que, se dependesse do escopo da increpada, persistiriam as estocadas até a morte do ofendido. Não há dúvida, neste cenário, estar-se diante de uma tentativa de homicídio. O fato de não se poder determinar a gravidade das lesões (pela impossibilidade de elaboração de exame complementar) não altera a percepção acerca do elemento subjetivo do injusto. De mais a ver, não é possível fiar-se o exame do dolo somente na fala da investigada, fazendo-se mister perscrutar a conduta em todos os seus contornos.

3.     Nesse sentido, o instrumento empregado (faca), a sede dos golpes (costas), a maneira de abordagem (colhendo a vítima de surpresa, objetivando impedir sua reação) e as ameaças anteriores, conferem a necessária segurança à tese de que houve crime doloso contra a vida.

4.     Frise-se, por oportuno, que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, impondo que eventuais dúvidas sejam dirimidas em favor da propositura da ação penal. A esse respeito, assim se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça: “(...) A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do in dubio pro societate. (...).” (STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como para prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da suposta prática do crime de homicídio tentado (CP, art. 121, §2.º, inc. IV, c.c. art. 14, II) cometido, em tese, por (...) em face de (...).

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça oficiante junto ao III Tribunal do Júri da Capital, vislumbrando perpetrado o delito de lesão corporal de natureza leve, de menor potencial ofensivo, postulou a redistribuição do feito ao Juizado Especial Criminal (fl. 68).

A Digna Magistrada, contudo, considerou improcedentes as razões invocadas e indeferiu a remessa do expediente, tornando a causa ao Parquet para nova manifestação (fls. 69).

O Nobre Representante Ministerial, então, impetrou correição parcial (fls. 71/76) propugnando a reforma da decisão guerreada, com o envio do caso ao Juízo Comum e, subsidiariamente, a aplicação do art. 28 do CPP.

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de acórdão prolatado pela Colenda 11.ª Câmara Criminal, deu parcial provimento à medida e ordenou o encaminhamento do expediente a esta Chefia Institucional (fl. 80).

Eis a síntese do necessário.

Registre-se, inicialmente, que, muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura ocorre justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo endereçamento do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere.

Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional, mas, sobretudo, o princípio da demanda.

A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

EUGÊNIO DE OLIVEIRA PACELLI e DOUGLAS FISCHER ponderam a respeito do tema que a solução, na falta de dispositivo expresso na legislação, partiu da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal:

                

“Assentou-se, então, que o juiz, não concordando com a manifestação ministerial, deveria valer-se do disposto no art. 28 do CPP (art. 62, LC n. 75/93, no âmbito do Ministério Público Federal), submetendo a questão à instância de revisão do respectivo parquet. O entendimento ali adotado determinaria, então, ou a designação de outro membro para o oferecimento de denúncia, ou a remessa dos autos ao juiz cuja competência tenha sido apontada na manifestação do Ministério Público. Por isso, por não se tratar propriamente de um arquivamento, já que não se alega a ausência de crime e nem de provas de sua existência, cunhou-se a expressão arquivamento indireto, cujo maior mérito é, repetimos, apresentar uma solução para o então insuperável entrave na persecução penal” (Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência, São Paulo, Atlas, 2012, p. 76).

 

Pois bem.

A razão se encontra, no mérito, com a Digníssima Julgadora, com a devida vênia do Douto Representante Ministerial; senão, vejamos.

Consta dos elementos de informação reunidos, em breve síntese, que, no dia 08 de agosto de 2012, por volta das 19 horas e 40 minutos, a indiciada desferiu golpes de faca nas costas do ofendido, provocando-lhe as lesões descritas no laudo pericial encartado a fls. 28.

Verificou-se que a agressora fora companheira da vítima e já a havia ameaçado em diversas ocasiões, concretizando sua promessa de inflição de mal grave e injusto na fatídica data.

As testemunhas ouvidas, bem como o sujeito passivo, foram unânimes em declarar que os ataques somente foram obstados pela intervenção de terceiros, podendo-se concluir que se dependesse do escopo da increpada persistiriam as estocadas até a morte de (...).

Não há dúvida, neste cenário, estar-se diante de uma tentativa de homicídio.

O fato de não se poder determinar a gravidade das lesões não altera o elemento subjetivo do injusto.

De mais a ver, não é possível fiar-se no exame do dolo somente a partir da fala da investigada, fazendo-se mister perscrutar sua conduta em todos os seus contornos.

Nesse sentido, o instrumento empregado (faca), a sede dos golpes (costas), a maneira de abordagem (colhendo o ofendido de surpresa, objetivando impedir sua reação) e as ameaças anteriores, conferem a necessária segurança à tese de que houve crime doloso contra a vida.

Ainda que existissem dúvidas a respeito do animus necandi, nesta fase da persecução penal seriam dirimidas em favor da sociedade, consoante entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do in dubio pro societate.

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio in dubio pro societate que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do animus necandi não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida.

3. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos.

(...)”

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

 

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Diante do exposto, conhece-se desta remessa, designando outro promotor de justiça para oficiar nos autos, ofertando denúncia por crime doloso contra a vida, incumbindo-lhe prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando-se o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 08 de abril de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

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