Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 52.311/11

Autos n.º 43/11 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Itararé

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de termo circunstanciado

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PORTE DE ARMA BRANCA (LCP, ART. 19). ARQUIVAMENTO FUNDADO NA ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR AUSÊNCIA DE NORMA REGULAMENTADORA. DESCABIMENTO. SUBSISTÊNCIA DO DISPOSITIVO LEGAL MENCIONADO, O QUAL FOI DERROGADO NO TOCANTE ÀS ARMAS DE FOGO. PROSSEGUIMENTO DO TERMO CIRCUNSTANCIADO.

1.     Deve-se registrar que com a edição da Lei n. 9.437/97 (posteriormente revogada pelo Estatuto do Desarmamento – Lei n. 10.826/03), o art. 19 da Lei das Contravenções Penais foi parcialmente revogado, subsistindo a contravenção quanto ao porte de arma branca. Nesse sentido, já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (R.Esp. n. 549.056, rel. Ministra LAURITA VAZ, DJU de 01.03.2004, p. 194).

2.     Acrescente-se, ademais, que o elemento normativo do tipo traduzido na expressão “sem licença da autoridade”, presente no dispositivo acima citado, referia-se tão somente às armas de fogo, motivo pelo qual não há falar-se na inaplicabilidade do dispositivo. Em matéria de armas brancas, como ressalta Ricardo Antônio Andreucci, “não existe órgão que expeça autorização (...). Daí por que todo o porte de arma branca é proibido” (Legislação penal especial. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. pág. 505).

Solução: designo outro promotor de justiça para prosseguir no expediente.

 

O presente termo circunstanciado foi instaurado para apurar a prática, em tese, da contravenção penal de porte ilegal de arma branca (LCP, art. 19), que teria sido perpetrada por (...).

O Douto Promotor de Justiça, ao término da investigação, postulou o arquivamento do feito, justificando considerar atípica a conduta atribuída ao averiguado (fls. 18/20).

O MM. Juiz, discordando do posicionamento ministerial, determinou a remessa do expediente a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 25/27).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial, não cremos que lhe assista razão.

Deve-se frisar que, segundo os elementos de informação colhidos, no dia 31 de outubro de 2010, por volta de 21 horas e 30 minutos, os policiais militares (...) e (...) receberam a notícia de que um indivíduo, armado de facão, perturbava as pessoas na via pública situada à Rua Carlos Menck, defronte ao nº 749, Vila Santa Terezinha, Itararé.

Para lá se dirigiram, e o indiciado, quando os viu, jogou o instrumento no chão. Os servidores, outrossim, perceberam que aparentava estar embriagado.

O investigado admitiu o porte do objeto, declarando que o trazia consigo por utilizá-lo para o corte de madeira, e, no dia dos fatos, iniciara uma discussão com um idoso, não se recordando do motivo. Acrescentou que na ocasião ingerira muitas cervejas, mas negou que pretendesse desferir golpes contra a pessoa de idade (fls. 08).

O laudo pericial realizado na peça apreendida encontra-se a fls. 06.

Pois bem. Os elementos informativos acima sintetizados demonstram que o instrumento era carregado como verdadeira arma.

Com relação à vigência da norma incriminadora insculpida no art. 19 da Lei de Contravenções Penais, esta Procuradoria-Geral de Justiça já teve oportunidade de analisar o tema em outras ocasiões, inclusive em expedientes oriundos da mesma Comarca.

Conforme já dissemos anteriormente, é necessário, em primeiro lugar, compreender a estrutura do tipo em questão. O comportamento incriminado consiste em “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta”. A parte final do dispositivo, traduzida no elemento normativo “sem licença da autoridade”, referia-se tão somente às armas de fogo. Em matéria de armas brancas, “não existe órgão que expeça autorização (...). Daí por que todo o porte de arma branca é proibido” (ANDREUCCI, RICARDO ANTÔNIO. Legislação penal especial. 3ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. pág. 505).

SÉRGIO DE OLIVEIRA MÉDICI, em clássica obra, pondera que: “O agente que, ostensivamente, num lugar público, apresenta-se com uma navalha à cinta, pode praticar a contravenção do art. 19? Cremos que sim, diante da impropriedade do emprego do instrumento e de outras circunstâncias objetivas, que sempre devem ser levadas em consideração” (Contravenções Penais. 2ª ed. Bauru: Jalovi, 1980. pág. 77).

O outro ponto a ser tratado refere-se à definição de arma branca. Entende-se como tal todo instrumento vulnerante, de ataque ou de defesa, não abrangido pelo conceito de arma de fogo. Dividem-se em armas próprias (especialmente destinadas a servirem como tal) e impróprias (instrumentos criados para outra finalidade, empregados pelo autor da conduta como objetos vulnerantes).

Com relação às últimas, seu uso dentro do âmbito das suas finalidades específicas constitui fato lícito. Fora daí, configura a contravenção penal.

Ressalte-se que a faca foi descrita no laudo constante a fls. 06 e poderia eficazmente ser utilizada para agressão física, como instrumento pérfuro-cortante, conforme ficou consignado no trabalho técnico realizado.

Acrescente-se, por outro lado, que a jurisprudência já firmou entendimento sobre a subsistência da infração mencionada.

 

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 19 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. REVOGAÇÃO PARCIAL. ART. 10 DA LEI n.º 9.437/97.  SUBSISTÊNCIA DA CONTRAVENÇÃO QUANTO AO PORTE DE ARMA BRANCA.

1. Com a edição da Lei n.º 9.437/97 (diploma que instituiu o Sistema Nacional de Armas e tipificou como crime o porte não autorizado de arma de fogo), o art. 19 da Lei das Contravenções Penais foi apenas derrogado, subsistindo a contravenção quanto ao porte de arma branca.

2. Recurso especial conhecido e provido”.

(STJ, R.Esp. n. 549.056, rel. Ministra LAURITA VAZ, DJU de 01.03.2004, p. 194).

 

Diante da prova encartada, portanto, não se pode afastar a ocorrência do crime anão.

Diante disso, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos, propondo transação penal ou oferecendo denúncia (nos termos do art. 76 da Lei n. 9.099/95), bem como prosseguir no feito em seus ulteriores termos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

 

São Paulo, 26 de abril de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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