Código de Processo Penal, Art. 28

Protocolado n.º 53.513/12

Autos n.º 2.508/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Sertãozinho

Indiciado: (...)

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO INDIRETO. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAR TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS (ART. 33 DA LEI ANTIDROGAS). PROMOTOR DE JUSTIÇA QUE CONCLUI TRATAR-SE DE PORTE PARA CONSUMO PESSOAL (ART. 28 DA LEI N. 11.343/06). DISCORDÂNCIA JUDICIAL. REMESSA À PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. EXAME DOS ELEMENTOS INDICIÁRIOS: QUANTIDADE RAZOÁVEL DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS DE ORIGEM PLÚRIMA, LOCAL DA PRISÃO DO AGENTE, FORMA DE ACONDICIONAMENTO DOS OBJETOS MATERIAIS. SUSPEITO, ADEMAIS, QUE NEGOU A PROPRIEDADE DA DROGA NO INTERROGATÓRIO POLICIAL, O QUE, SENÃO IMPEDE, NÃO AUTORIZA, PARTICULARMENTE NESTA FASE DA PERSECUÇÃO PENAL, CONCLUIR QUE SE TRATA DE SIMPLES USUÁRIO. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1. Cuida-se de inquérito policial instaurado a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante visando à apuração da suposta prática do crime de tráfico ilícito de drogas. O Ilustre Promotor de Justiça Criminal, não vislumbrando qualquer elemento de informação sugestivo de ato destinado à difusão ou comercialização do objeto material, entendeu configurado o delito tipificado no art. 28 da Lei Antidrogas e requereu a remessa do procedimento ao Juizado Especial Criminal da Comarca.

2. O MM. Juiz, discordando de tal posicionamento, encaminhou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, aplicando à espécie o art. 28 do CPP. Pondere-se, de início, que a situação retratada nos autos configura o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o Representante do Parquet declina de sua atribuição e requer o envio dos autos a outro juízo supostamente competente e o Magistrado, discordando do requerimento, o indefere.  Deveras, não pode o Julgador simplesmente obrigar o Membro do Ministério Público a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar não só o princípio da independência funcional, mas sobretudo o princípio da demanda. A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

3. No que pertine aos elementos informativos carreados, chama atenção o fato de que se trata de quantidade razoável de substâncias psicoativas de origem plúrima (cânhamo e cocaína), acondicionada de tal modo que se encontravam dispostas à imediata tradição. O local e o horário da abordagem, outrossim, sugerem atividade de mercancia. O suspeito, ademais, negou a propriedade da droga no interrogatório policial, o que, senão impede, não autoriza, particularmente nesta fase da persecução penal, concluir que se trata de simples usuário. Isto sem falar que, segundo os agentes públicos responsáveis pela prisão, cuida-se de pessoa conhecida nos meios policiais por dedicar-se ao crime equiparado a hediondo multicitado.

4. Deve-se ponderar que em casos como o presente, no qual se debate a capitulação jurídica da conduta, deve-se aplicar o princípio in dubio pro societate, consoante jurisprudência sedimentada do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (vide Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

5. Cumpre recordar, por derradeiro, que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura no que toca ao tráfico, mas apenas de se constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal. Como é cediço, “não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

Solução: conhece-se da presente remessa para designar outro promotor de justiça para oferecer a denúncia, devendo prosseguir nos ulteriores termos da causa.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante visando à apuração da suposta prática do crime de tráfico ilícito de drogas (Lei n.º 11.343/06, art. 33) cometido, em tese, por (...).

O Ilustre Promotor de Justiça Criminal, não vislumbrando qualquer elemento de informação sugestivo de ato destinado à difusão ou comercialização do objeto material, entendeu configurado o delito tipificado no art. 28 da Lei Antidrogas e requereu a remessa do procedimento ao Juizado Especial Criminal da Comarca (fls. 34).

O MM. Juiz, discordando de tal posicionamento, encaminhou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 35/36).

Eis a síntese do necessário.

Pondere-se, de início, que a situação retratada nos autos configura o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO declina de sua atribuição e requer o envio dos autos a outro juízo supostamente competente e o magistrado, discordando do requerimento, o indefere.

         Deveras, não pode o Julgador simplesmente obrigar o Membro do Ministério Público a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar não só o princípio da independência funcional, mas sobretudo o princípio da demanda.

         A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

         Nestes termos, a lição de EDÍLSON MOUGENOT BONFIM:

 

“A manifestação do promotor público pela competência da Justiça Federal em razão da natureza do delito caracteriza pedido indireto de arquivamento em face do magistrado que se deu por competente, cuja decisão é irrecorrível (art. 581, inc. II, do CPP), devendo ser o impasse solucionado pela aplicação do art. 28 do CPP (remessa dos autos ao procurador-geral), tendo em vista a preservação da titularidade da ação pública” (Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 82).

 

         Admitida, destarte, a intervenção desta Procuradoria-Geral de Justiça, incumbe analisar o mérito.

Pois bem.

Conforme se apurou, no dia 11 de junho de 2011, os guardas metropolitanos (...) e (...), realizando patrulhamento, observaram que o indiciado, o qual se aproximava de um grupo de pessoas, ao vê-los, derrubou ao chão objetos que portava, motivo por que o abordaram e, verificando a natureza psicoativa da coisa dispensada, o prenderam em flagrante.

Esclareceram os servidores, ademais, reconhecer o indivíduo pela alcunha de (...), o qual seria conhecido nos meios policiais por se dedicar ao comércio ilegal de tóxicos (fls. 04 e 05).

Em seu interrogatório, o increpado negou ser proprietário da droga e alegou ter visto quando os agentes públicos a encontraram no meio do mato, embaixo de um tanque (fls. 06).

Os exames periciais levados a efeito no material apreendido (fls. 23 e 29) constataram tratar-se de Cannabis sativa L (uma porção com 3,330 g) e cocaína (treze microtubos plásticos pesando o total de 4,140 g).

Nota-se, em face do exposto, que a prova carreada confere o necessário respaldo à imputação excogitada em sede policial, com a devida vênia do entendimento esposado pelo competente Promotor de Justiça.

Isto porque se verifica que se trata de quantidade razoável de substâncias psicoativas de origem plúrima (cânhamo e cocaína), acondicionada de tal modo que se encontravam dispostas à imediata tradição. O local e o horário da abordagem, acrescente-se, sugerem atividade de mercancia. O suspeito, ademais, negou a propriedade da droga no interrogatório policial, o que, senão impede, não autoriza, particularmente nesta fase da persecução penal, concluir que se trata de simples usuário. Isto sem falar que, segundo os agentes públicos responsáveis pela prisão, cuida-se de pessoa conhecida nos meios policiais por dedicar-se ao crime equiparado a hediondo multicitado.

Deve-se ponderar, outrossim, que em casos como o presente, no qual se debate a capitulação jurídica da conduta, deve-se aplicar o princípio in dubio pro societate, como se pode inferir do seguinte julgado:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do “in dubio pro societate”.

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio “in dubio pro societate” que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do “animus necandi” não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida.

3. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos. (...)”

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

 

Lembre-se, por derradeiro, que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura no que toca ao tráfico, mas apenas de se constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal. Não é outro, aliás, o entendimento de nossos tribunais:

 

“não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza”

(STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

 

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Em face do exposto, reconhece esta Procuradoria-Geral de Justiça que há elementos para se propor a ação penal em face do investigado.

Diante do exposto, conhece-se da presente remessa para designar outro promotor de justiça para oferecer a denúncia, devendo prosseguir nos ulteriores termos da causa.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Cumpra-se. Publique-se a ementa.

           

São Paulo, 12 de abril de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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