Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.
54.349/13
Autos n. 204/13
– MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Santos
Indiciados: (...)
e (...)
Assunto: revisão de pedido de arquivamento de peças
de informação
EMENTA: CPP, ART. 28.
FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299 DO CP). APRESENTAÇÃO, EM PROCESSO JUDICIAL, DE
DECLARAÇÕES DE POBREZA DESTITUÍDAS DE VERACIDADE. CONDUTA PENALMENTE ATÍPICA,
POR POSSUÍREM MENCIONADOS DOCUMENTOS PRESUNÇÃO RELATIVA, ADMITINDO PROVA EM
CONTRÁRIO. ARQUIVAMENTO DO CASO SE MOSTRA, PORTANTO, COMO A SOLUÇÃO ADEQUADA. PRECEDENTES
DO STF E STJ.
1. Segundo os elementos de
informação coligidos, os suspeitos teriam
apresentado em processo judicial declarações de pobreza destituídas de veracidade,
configurando-se, no entender do MM. Juiz, o crime descrito no art. 299 do CP
(falsidade ideológica).
2. O comportamento narrado, contudo, mostra-se penalmente atípico. Isto porque declarações sujeitas à comprovação
judicial não podem ser objeto material de falso, notadamente por se cuidar de
afirmação para a qual há presunção relativa de veracidade. Significa, em
consequência, não existir base adequada para se deflagrar a persecutio criminis in judicio.
3. Nesse sentido, o entendimento de nossos Tribunais Superiores, os
quais enfatizam a irrelevante penal do ato (v.
HC 218.570/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6.ª TURMA, julgado
em 16/02/2012, DJe de 05/03/2012; HC
n. 105.592, rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, DJe de 19/04/2010; STJ, R.Esp. n. 1.102.008, rel. Min. JORGE MUSSI,
5.ª TURMA, DJe de 01/06/2009; STJ,
RHC n. 23.121, rel. Ministro FELIX
FISCHER, 5.ª TURMA, DJe de
10/11/2008; STF, HC n. 85.976, rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, DJU de 24/02/2006).
Solução: conhece-se da presente remessa, deixando-se de oferecer
denúncia ou designar outro membro ministerial para fazê-lo, insistindo-se no
arquivamento, nos termos em que proposto.
Trata-se de procedimento originado a partir do envio de cópias extraídas do processo n. 730/12, para apuração do comportamento perpetrado por (...) e (...), os quais teriam apresentado no mencionado feito declarações de pobreza destituídas de veracidade, configurando-se, assim, em tese, o crime descrito no art. 299 do CP (falsidade ideológica).
O Douto Promotor de Justiça, não vislumbrando no caso materialidade delitiva, já que os documentos em questão possuem presunção relativa, pois passíveis de prova em contrário, e buscavam apenas obter os benefícios da gratuidade, não abalando a fé pública, postulou o arquivamento do expediente (fls. 27/29).
O MM. Juiz, contudo, discordando de tal posicionamento, enviou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 33).
Eis a síntese do necessário.
Com a devida vênia do Digníssimo Magistrado, parece-nos que a solução aventada não se mostra escorreita.
Muito embora o ofício encaminhado ao Parquet visasse levar o ato ao conhecimento ministerial, instaurando-se, a partir daí, a necessária investigação criminal, o comportamento narrado nos documentos que o acompanharam mostra-se penalmente atípico.
Significa, portanto, que, em consequência, também não há base adequada para se deflagrar, eventualmente, a respectiva ação judicial. Se o Ministério Público assim o fizesse, cometeria, segundo entendimento seguro de nossos Tribunais Superiores, irrefragável constrangimento ilegal.
Deve-se destacar, por oportuno, o teor das decisões proferidas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o qual, reiteradamente, reconheceu que o ato noticiado constitui irrelevante penal. Nesse sentido, assim discorreu o mencionado Sodalício:
“HABEAS CORPUS. ARTIGOS 299 E 304 DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DECLARAÇÃO DE POBREZA FALSA. OBJETIVO DE OBTENÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTAS ATÍPICAS. ORDEM CONCEDIDA.
1. Somente se configura o crime de falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade.
2. Esta Corte já decidiu ser atípica a conduta de firmar ou usar declaração de pobreza falsa em juízo, com a finalidade de obter os benefícios da gratuidade de justiça, tendo em vista a presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário.
3. Ordem concedida para trancar a ação penal.”
(HC 218.570/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6.ª TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe de 05/03/2012)
“HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE POBREZA PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDUTA ATÍPICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, somente deve ser acolhido se restar demonstrado, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, ou a atipicidade da conduta.
3. Assim, a conduta de quem se declara falsamente pobre visando aludida benesse não se subsume àquela descrita no art. 299 do Código Penal. Precedentes. (...)”.
(HC n. 105.592, rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, DJe de 19/04/2010)
Há, com semelhante conteúdo, diversos julgados, deste e de outros tribunais, podendo-se citar: STJ, R.Esp. n. 1.102.008, rel. Min. JORGE MUSSI, 5.ª TURMA, DJe de 01/06/2009; STJ, RHC n. 23.121, rel. Ministro FELIX FISCHER, 5.ª TURMA, DJe de 10/11/2008; STF, HC n. 85.976, rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª Turma, DJU de 24/02/2006.
Diante
do exposto, conhece-se da presente remessa, deixando-se de oferecer denúncia ou
designar outro membro ministerial para fazê-lo, insistindo-se no arquivamento,
nos termos em que proposto. Publique-se a ementa.
São Paulo, 17 de abril de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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