Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 56.035/10

Autos n.º 285/09 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal do Foro Regional de Pinheiros (Comarca da Capital)

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. CRIMES CONTRA A HONRA (CP, ARTS. 138 A 140). OFENSAS IRROGADAS A PROMOTORES DE JUSTIÇA, JUÍZA DE DIREITO, DELEGADOS DE POLÍCIA E ESCRIVÃES, TODOS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE VERIFICADA. FATOS OCORRIDOS APÓS A EXTINÇÃO DO PROCESSO. INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE PREVISTA NO CP, ART. 142, I. IMUNIDADE JUDICIÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDE IMPUNIDADE JUDICIÁRIA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     A conduta do agente configura, inequívoca e cristalinamente, delito contra a honra, de vez que imputou falsamente fato definido como crime aos ofendidos, outros lesivos à sua reputação, além de expressões atentatórias à sua dignidade.

2.     Como se tratam os sujeitos passivos de funcionários públicos, os quais se viram assacados em sua honra objetiva no exercício de suas funções, as infrações contra eles cometidas se processam mediante ação penal pública condicionada à representação, ex vi do art. 145, par. ún., do CP (tendo mencionada condição de procedibilidade sido devidamente ofertada pelos interessados).

3.     O comportamento do autor não se encontra acobertado pela causa de exclusão de antijuridicidade prevista no art. 142, inc. I, do CP. O Estatuto Repressivo estabelece, no dispositivo epigrafado, que não constituem injúria ou difamação punível, entre outras, a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador (inc. I). Referida excludente, como se extrai de sua literalidade, não se estende à calúnia. Enfatize-se que o suspeito atribui ao Promotor de Justiça e à Juíza de Direito crime de prevaricação. Além disso, no caso em tela, o processo já havia sido declarado extinto. De mais a ver, a imunidade judiciária não se confunde com impunidade judiciária. O legislador penal não pretendeu, jamais, conferir um bill de indenidade, escudando qualquer agressão à reputação de terceiros.

Solução: diante do exposto, designo outro membro do Ministério Público para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se o presente de inquérito policial instaurado visando à apuração de crime contra a honra, cometido, em tese, pelo indiciado acima epigrafado contra (...), (...), (...), (...), (...), (...), (...) e (...) (única vítima que não ofertou representação – fls. 167).

Ao término das investigações, entendeu por bem o Douto Promotor de Justiça requerer o arquivamento dos autos, por lhe parecer aplicável a causa de exclusão de antijuridicidade prevista no art. 142, inc. I, do CP (fls. 291).

A MM. Juíza, contudo, discordou do requerimento e aplicou o art. 28 do CPP, remetendo a questão para análise desta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 292/295).

Eis a síntese do necessário.

 

Dos fatos

Pelo que se verifica dos autos, a senhora (...) requereu a instauração de investigação penal em face de (...), imputando-lhe ilícito subsumível à Lei n. 11.340/06.

No dia 24 de setembro de 2008, na sala de audiências do MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal do Foro Regional de Pinheiros, a ofendida retratou-se da representação que oferecera em face do agente, em razão de acordo celebrado e judicialmente homologado (fls. 04/05).

O feito, então, foi declarado extinto e, a partir daí, o increpado passou a tecer reiteradas ofensas contra a honra da magistrada que presidiu o ato, bem como dos promotores de justiça que intervieram na ação, sem falar das autoridades policiais e funcionários da polícia civil envolvidos na apuração do caso.

Merece registro, na esteira do quanto se destacou na r. decisão de fls. 253, que as petições foram apresentadas após o encerramento do processo.

 

Da relevância penal do comportamento do agente

A conduta do agente configura, inequívoca e cristalinamente, crime contra a honra. O sujeito, deveras, imputou falsamente fato definido como delito aos ofendidos, outros lesivos à sua reputação, além de expressões ofensivas à sua dignidade.

Como se tratam os sujeitos passivos de funcionários públicos, os quais se viram assacados em sua reputação no exercício de suas funções, as infrações contra eles cometidas se processam mediante ação penal pública condicionada à representação, ex vi do art. 145, par. ún., do CP.

Deve-se destacar, neste diapasão, que a mencionada condição de procedibilidade foi ofertada pelos servidores atingidos, como se nota a fls. 22, 101/102, 103, 143, 277, 279 e 284.

 

Da inexistência da causa de imunidade judiciária prevista no art. 142 do CP

O Estatuto Repressivo estabelece, no dispositivo epigrafado, que não constituem injúria ou difamação punível, entre outras, a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador (inc. I).

Referida excludente, como se extrai de sua literalidade, não se estende à calúnia. Enfatize-se que o suspeito atribui ao Promotor de Justiça e à Juíza de Direito crime de prevaricação.

No caso em tela, porém, o processo já havia sido declarado extinto.

De mais a ver, a imunidade judiciária não se confunde com impunidade judiciária. O legislador penal não pretendeu, jamais, conferir um bill de indenidade, escudando qualquer agressão à reputação de terceiros.

Não é outra a lição que se colhe nos manuais:

 

“Referida causa de exclusão da ilicitude, todavia, não pode se converter em licença para ofender, gratuitamente, a honra das pessoas envolvidas no litígio. É fundamental, destarte, que a conduta tenha estrita vinculação com a discussão da causa.

Assim, por exemplo, se o advogado do autor, ao oferecer a réplica em ação civil, chama de “adúltero” o advogado do réu, comete injúria.

Em tais casos, deve-se lembrar, tem grande importância a teoria dos animi; vale dizer, há que se analisar o elemento subjetivo do injusto, de modo a verificar se houve animus injuriandi vel diffamandi.

Anote-se, por derradeiro, que a imunidade dos profissionais da Justiça não se esgota na disposição contida no art. 142, I, do CP, existindo outras normas que cuidam do assunto, a seguir examinadas”

(ESTEFAM, André. Direito Penal. Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2010. Vol. 2 – no prelo).

 

Nossos tribunais, do mesmo modo, reconhecem que:

 

“Não está acobertado pelas causas de exclusão da ilicitude do estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito, nos termos do art. 23, III, do CP, o advogado que, através de petição, assaca ofensas caluniosas contra o magistrado da causa, pois os poderes do causídico na sua esfera de atuação profissional não são absolutos e incontestáveis, devendo ser puníveis os eventuais excessos e abusos cometidos pelo profissional” (STJ, RT 798/559).

 

As atitudes do increpado extrapolaram os limites razoáveis do inconformismo, e, diante da representação inequívoca manifestada pelas pessoas atingidas, sob hipótese alguma poderiam gerar o arquivamento da investigação.

 

Conclusão

Em face do exposto, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 03 de maio de 2010.

 

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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