Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 58.362/12

Autos n.º 958/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Cravinhos

Investigado: (...)

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. INQUÉRITO INSTAURADO VISANDO APURAÇÃO DO DELITO DE PECULATO (CP, art. 312). DEPOSITÁRIO INFIEL QUE NÃO ENTREGA O BEM PENHORADO. SUPERVENIÊNCIA DA SÚMULA N. 24 DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL DECLARANDO ILÍCITA A PRISÃO, QUALQUER QUE SEJA A MODALIDADE DE DEPÓSITO. ENTENDIMENTO EM OBSERVÂNCIA A TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. ARQUIVAMENTO MANTIDO.

1. Após a edição do mencionado entendimento sumular tornou-se: “ilícita a prisão do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Em face deste precedente com efeito vinculante, a tese aplicada pelo MM. Julgador, consistente em reconhecer o depositário judicial infiel como funcionário público autor de crime contra a Administração Pública, comportaria em afronta à jurisprudência consolidada do Pretório Excelso.

2. De se notar que nossa Suprema Corte tem como assente a natureza supralegal de tratados internacionais sobre direitos humanos, caso da Convenção Americana de Direitos Humanos, fundada no Pacto de San Jose da Costa Rica, que se viu ratificada no plano interno por meio do Decreto n. 678/92. Conforme salientou o eminente MINISTRO GILMAR MENDES, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 466.433, Rel. MINISTRO CEZAR PELUSO: “Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo CC (Lei 10.406/2002)." (RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009.) No mesmo sentido: HC 98.893-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-6-2009, DJE de 15-6-2009; RE 349.703, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009”.

3. Não se diga que a questão posta sob o exame deste inquérito difere do entendimento sumular, eis que um trataria da responsabilidade civil e outro da responsabilidade penal por infração funcional. A análise do caso concreto demonstra, de maneira irretorquível, que nada há de peculiar para sugerir o cometimento do delito antes ventilado; cuida-se, isto sim, de ação característica de depositário que traiu a confiança que nele repousava. Inadmite-se, em tal contexto, equiparar o devedor a funcionário público, para, em seguida, considerá-lo autor de grave delito.

4. Estar-se-ia, assim, contornando-se artificiosamente a Súmula Vinculante do Colendo Supremo Tribunal Federal. Acaso prevalecesse a exegese do órgão judicial de primeira instância, sujeitar-se-ia o caso a imediato controle pela nossa Corte Máxima, mediante reclamação.

Solução: insiste-se no arquivamento requerido pelo Douto Promotor de Justiça.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a conduta de (...), o qual foi nomeado depositário judicial do bem penhorado a fls. 09, consistente em um aparelho de televisão marca CCE, colorido, com vinte polegadas, avaliado em R$ 50,00 (cinquenta reais).

Intimado a entregar o bem ou saldar a referida dívida, entretanto, o agente não o fez, daí decorrendo a instauração do presente expediente, o qual lhe imputa possível crime de peculato (CP, art. 312).

O Douto Promotor de Justiça, concluídas as providências de polícia judiciária, em judiciosa manifestação, houve por bem requerer o arquivamento da investigação, destacando que se trata de comportamento penalmente atípico, à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos e do atual entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, que resultou, inclusive, na edição de Súmula Vinculante (n. 24) (fls. 30/32).

O MM. Juiz, de sua parte, designou data para audiência (fls. 33) onde foi concedido o prazo de quinze dias para a nomeação de bem em substituição ao anteriormente penhorado (fls. 37), o que inocorreu (fls. 39).

O Digno Julgador, então, abriu nova vista dos autos ao Parquet (fls. 40), tendo o Ilustre Representante Ministerial reiterado seu posicionamento anterior (fls. 42).

O Digníssimo Magistrado, a partir daí, vislumbrando caracterizado o delito contra a Administração Pública, aplicou o art. 28 do CPP ao caso, remetendo-o a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 43).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do MM. Juiz, parece-nos que não lhe socorre razão.

Deve-se destacar que após a edição do mencionado entendimento sumular tornou-se: “ilícita a prisão do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.

Impende ressaltar que a tese aplicada pelo Digno Julgador, com o respeito merecido, comportaria em afronta à jurisprudência consolidada do Pretório Excelso.

De se notar que nossa Suprema Corte tem como assente a natureza supralegal de tratados internacionais sobre direitos humanos, caso da Convenção Americana de Direitos Humanos, fundada no já citado Pacto, que se viu ratificada no plano interno por meio do Decreto n. 678/92.

Conforme salientou o eminente MINISTRO GILMAR MENDES, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 466.433, Rel. MINISTRO CEZAR PELUSO:

 

“Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo CC (Lei 10.406/2002)." (RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009.)

 

No mesmo sentido: HC 98.893-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-6-2009, DJE de 15-6-2009; RE 349.703, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-12-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009”.

Não se diga que a questão posta sob o exame deste inquérito difere do entendimento sumular, eis que um trataria da responsabilidade civil e outro da responsabilidade penal por crime contra a Administração Pública.

Na verdade, a análise do caso concreto demonstra, de maneira irretorquível, que nada há de peculiar para sugerir o cometimento da infração criminal antes ventilada; cuida-se, isto sim, de ação característica de depositário que traiu a confiança que nele repousava. Inadmite-se, em tal contexto, equiparar o devedor a funcionário público, para, em seguida, considerá-lo autor de grave delito.

Estar-se-ia, assim, em nosso entender, contornando-se artificiosamente a Súmula Vinculante do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Destaque-se que a presente questão, acaso prevalecesse a tese do órgão judicial de primeira instância, sujeitar-se-ia a imediato controle pela nossa Corte Máxima, mediante reclamação.

Em face do exposto, reconhece esta Chefia Institucional que a postura adotada pelo Douto Promotor de Justiça mostrou-se acertada, motivo pelo qual se insiste no arquivamento requerido.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 23 de abril de 2012.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

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