Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 58.658/11

Autos n.º 3545-9/2011 – MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Limeira

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO FUNDADO NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO TENTADO (CP, ART. 155, CAPUT, C.C. ART. 14, INC. II). INDICIADO REINCIDENTE. INADMISSIBILIDADE.

1.     A aplicação do princípio da insignificância, disseminada na práxis jurisprudencial dos tribunais superiores, não pode olvidar bases mínimas, sob pena de desproteger bem jurídico constitucional. O Supremo Tribunal Federal determina, nesse sentido, que se observem quatro vetores para a incidência da tese excepcional: a inexpressividade da lesão ao bem jurídico; a ausência de periculosidade social da ação; a falta de reprovabilidade da conduta; a mínima ofensividade do comportamento do agente (cf. HC n. 94.931, rel. Min. Ellen Gracie).

2.     Na hipótese vertente, deve-se levar em conta que se trata de indiciado reincidente, característica que agrava significativamente a reprovabilidade do comportamento e inviabiliza a incidência do princípio da bagatela (cf. HC n. 97.007, Relator  Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma, julgado em 01/02/2011, DJe de 31-03-2011).

3.     Pondere-se, por derradeiro, que reconhecer como atípicos comportamentos deste jaez é, nas palavras do eminente Desembargador Francisco Bruno, agir como se o próprio Estado dissesse ao autor do fato: “Isto não é crime, o senhor está autorizado a fazê-lo novamente” (Apelação n. 990.10.079006-4, j. em 29.7.10, 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo).

Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

O presente inquérito policial foi instaurado a partir de auto de prisão em flagrante, visando à apuração do crime de furto simples tentado (art. 155, caput, c.c. art. 14, II, do CP), que teria sido praticado, em tese, por (...).

Ao término das investigações, o Douto Promotor de Justiça requereu o arquivamento do procedimento, por entender que à espécie dever-se-ia aplicar o princípio da insignificância (fls. 31/34 e 39/40).

A MM. Juíza, discordando de tal posicionamento, remeteu os autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP (fls. 41).

Eis a síntese do necessário.

Segundo se apurou na fase inquisitiva, no dia 19 de fevereiro de 2011, por volta de 18 horas e 40 minutos, (...), sócia do estabelecimento comercial situado à Rua José de C. Camargo, n. 750, Jardim São Francisco, Comarca de Limeira, percebeu quando o indiciado retirou quatro pacotes de chocolate, colocando-os sob suas vestes.

Avisou, então, (...) e (...), que o abordaram, momento em que o investigado dispensou os produtos; a Guarda Municipal foi acionada, conduzindo o agente ao Distrito Policial.

Os depoimentos foram acostados a fls. 03, 05/07.

Ao ser interrogado, (...) confirmou a subtração, embora alegando que tomara para si duas embalagens em vez de quatro (fls. 08).

As rei furtivae foram apreendidas (fls. 22) e avaliadas no montante total de R$ 13,56 (treze reais e cinquenta e seis centavos, conforme o auto de fls. 23).

Pois bem.

A tese abraçada pelo competente Representante Ministerial, com a devida vênia, não pode ser aceita, em que pese suas bem lançadas razões.

Os objetos subtraídos, repise-se, foram avaliados em R$ 13,56 (treze reais e cinquenta e seis centavos). Reconhece-se que tal valor não é expressivo, mas daí a dizê-lo insignificante, não nos parece correto; a se aplicar o princípio mencionado, resultando na atipicidade material da conduta, estar-se-ia estimulando o cometimento de infrações patrimoniais de objetos de pequeno valor.

Reconhecer como atípicos comportamentos desse porte é, nas palavras do eminente Desembargador Francisco Bruno, agir como se o próprio Estado dissesse ao autor do fato: “Isto não é crime, o senhor está autorizado a fazê-lo novamente” (Apelação n. 990.10.079006-4, j. em 29.7.10, 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo).

Não se ignora, outrossim, a existência de posturas jurisprudenciais favoráveis ao referido princípio.

É de ver, todavia, que o próprio Supremo Tribunal Federal tem colocado limites à sua aplicação, ao exigir o cumprimento de quatro vetores para sua incidência, a saber: a inexpressividade da lesão ao bem jurídico; a ausência de periculosidade social da ação; a falta de reprovabilidade da conduta; a mínima ofensividade do comportamento do agente (cf. HC n. 94.931, rel. Min. Ellen Gracie).

Nossa Suprema Corte, ademais, não tem admitido o reconhecimento da tese exposta no arquivamento ministerial em casos de reiteração delitiva, como o presente:

 

“‘Habeas Corpus’. Penal e Processual Penal. Furto. Incidência do princípio da insignificância. Inviabilidade. Reincidência e habitualidade delitiva comprovadas. Ordem denegada. Reconhecidas a reincidência e a habitualidade da prática delituosa, a reprovabilidade do comportamento do agente é significativamente agravada, sendo suficiente para inviabilizar a incidência do princípio da insignificância. Precedentes. Ordem denegada”.
(HC n. 97.007, Relator  Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma, julgado em 01/02/2011, DJe de 31-03-2011; grifo nosso)

 

Registre-se que há diversos julgados recentes do Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo afastando a aplicação do princípio em casos semelhantes ao presente, como se nota no julgamento das apelações criminais de número 0000957-80.2007.8.26.0058 (3.ª Câmara de Direito Criminal), 0007291-04.2010.8.26.0066 (2.ª Câmara de Direito Criminal), 0600191-71.2007.8.26.0512 (8.ª Câmara de Direito Criminal), 0014508-54.2007.8.26.0050 (16.ª Câmara de Direito Criminal), 0020840-23.2009.8.26.0032 (10.ª Câmara de Direito Criminal) e 002656-93.2009.8.26.0072 (9.ª Câmara de Direito Criminal).

Descabe, portanto, o pedido de arquivamento, concessa venia.

Ressalte-se, por fim, que o indiciado já foi condenado por delito anterior, além de ter contra si instaurados outros procedimentos (apenso de antecedentes), o que afasta a incidência da figura privilegiada insculpida no art. 155, §2º, do CP.

Diante de tudo o quanto se expôs, designo outro Promotor de Justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 09 de maio de 2011.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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