Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 60.233/12

Autos n.º 197/11 – MM. Juízo da Vara Judicial da Comarca de São Pedro

Investigado: (...)

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL FUNDADO EM EXCLUDENTE DE ILICITUDE. POSSIBILIDADE, DESDE QUE A CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO ENCONTRE-SE EXTREME DE DÚVIDAS. PROVA TESTEMUNHAL APONTANDO VERSÃO DISTOANTE DAQUELA SUSTENTADA PELO INDICIADO. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DESCABIDO.

1. O arquivamento de inquérito policial somente pode se lastrear em excludente de ilicitude (real ou putativa) quando referida causa encontre-se cabalmente demonstrada. Na hipótese vertente, onde se cogita de possível legítima defesa (CP, art. 25), tal não se pode afirmar.

2. Isto porque a versão apresentada pelo indiciado, no sentido de que efetuara disparos de arma de fogo para se defender de agressão iminente a direito próprio, embora verossímil, não resultou incontroversa, diante da discordância apresentada pelas declarações dos ocupantes da residência onde se desenrolaram os fatos. Não se pode afirmar, com razoável grau de certeza, ter o sujeito atuado em legítima defesa. De outra parte, nesta fase da persecução penal, eventuais dúvidas, se existentes, hão de ser dirimidas em favor da sociedade. Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (vide STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

3. Cumpre salientar, por derradeiro, que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de se constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração de suposta prática de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2.º, II) cometido, em tese, por (...) em face de (...).

Encerradas as providências de polícia judiciária, o Ilustre Promotor de Justiça pugnou pelo arquivamento do expediente, entendendo caracterizada a legítima defesa (fls. 204/212).

O MM. Juiz, todavia, discordou de tal posicionamento, encaminhando a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 213/216).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Douto Representante Ministerial, parece-nos que, por ora, não lhe assiste razão.

Isto porque a versão apresentada pelo indiciado, no sentido de que efetuara disparo de arma de fogo para se defender de agressão iminente a direito próprio, embora verossímil, não resultou incontroversa.

Pelo apurado, no dia 28 de maio de 2011, o averiguado dirigiu-se a um imóvel próximo à sua residência, em que indivíduos se dedicariam à prática de tráfico ilícito de drogas, visando reclamar do barulho que produziam.

Chegando ao local, iniciou-se uma discussão entre ele e uma das pessoas, logo transmudada para embate corporal, tendo sido deflagrados, nesse contexto, três tiros contra (...), o qual revidou e atingiu mortalmente (...).

Essa dinâmica, não obstante, foi infirmada pelas declarações dos ocupantes da residência, (...) (fls. 05/06), (...) (fls. 08/09), (...) (fls. 13/14) e (...) (fls. 15/16), para os quais somente (...) estava armado e agredira (...), o qual teria compleição física menos avantajada em relação ao agente.

Ressalte-se que no curso da instrução inquisitorial foram juntados, a fls. 32, auto de exibição e apreensão de uma pistola calibre .40 e uma .45 e, a fls. 33, a apreensão de cinco munições, duas cal. 40 deflagradas, duas cal. 45 também deflagradas, uma cal. 45 intacta, dois projéteis de chumbo e três fragmentos de jaquetas de projétil.

A fls. 69/75 encartou-se fotos do lugar dos fatos, onde se constata o encontro dos cartuchos e pistolas, além de marcas de tiros.

(...), (...), (...), (...), (...), (...) e (...), todos policiais militares, compareceram ao local depois dos disparos. Encontraram os instrumentos bélicos enterrados ao lado do muro de uma construção, na rua próxima à ocorrência, já que receberam denúncia anônima nesse sentido, além da notícia de que no imóvel haveria intensa movimentação relacionada ao tráfico de drogas. 

Para (...), (...) e (...), o indiciado narrou a dinâmica dos acontecimentos, mostrando-se preocupado com o destino das pistolas.

Os depoimentos dos milicianos encontram-se a fls. 76/87 e 92/93.

Os antecedentes de (...) (fls. 98/102), (...) (fls. 103/107) e (...) (fls. 111/113), acusam procedimentos relacionados à Lei Antidrogas, inclusive com condenações.

Os laudos levados a efeito em (...) estão a fls. 120 e 172, constatando “cicatriz de braço a direita com exploração cirúrgica face interna e cicatriz de sutura em face posterior de braço a direita. Cicatriz cirúrgica de raiz de coxa a direita com edema de 1º e 2º dedo de mão a direita, cicatriz de escoriação da face anterior de coxa a direita”, causadas por agente pérfuro-contundente.

Foram também juntados os trabalhos periciais realizados no imóvel (fls. 122/136), em um dos projéteis (munição 40S&W, fls. 138/139) e nas armas, apresentando ambas vestígios produzidos por disparos (fls. 140/143).

O exame necroscópico referente a (...) concluiu ter sido seu óbito causado por projétil de instrumento bélico (um tiro), ressaltando-se que sua altura seria 1,70 m, e não aquela descrita pelas testemunhas.

O laudo de balística acostado a fls. 185/191, relativo a dois projéteis, constatou que um deles apresentaria indicação de ter sido disparado por arma do calibre .45 e outro deflagrado por instrumento calibre .40.

Os exames de residuografia, objetivando detectar e identificar partículas metálicas produzidas por detonação de arma de fogo restaram negativos tanto para (...) quanto para (...) (fls. 193/195 e 196/198).

Pois bem.

A síntese acima exposta revela que não se pode afirmar, com razoável grau de certeza, ter o sujeito atuado sob o amparo da invocada excludente de ilicitude.

Como é cediço, o arquivamento de investigação criminal fundado em causas de justificação somente pode ter lugar quando incontroversa a prova, de tal modo a não pairar dúvida a respeito de sua verificação.

Nesta fase da persecução penal, como bem ressaltou o MM. Juiz, eventuais dúvidas, se existentes, hão de ser dirimidas em favor da sociedade. Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (vide STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

Os elementos já apontados, portanto, são suficientes para se concluir, com a devida vênia do Promotor de Justiça oficiante, pela viabilidade do prosseguimento da persecução penal.

Cumpre salientar que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de se constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal. Não é outro, aliás, o entendimento de nossos tribunais:

 

“não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza”

(STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

 

Nada impede, por óbvio, que em juízo se confirme a veracidade da versão do imputado, operando-se, quiçá, sua absolvição sumária (CPP, art. 415). É mister, porém, que a ação penal seja proposta e, em cognição judicial ampla, se conheçam os fatos em sua integralidade.

Diante disso, designa-se outro representante ministerial para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 27 de abril de 2012.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

                                                                                 

 

 

 

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