Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 60.296/10

Inquérito Policial n.º 050.06.090964-1 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Indiciados: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO LASTREADO NA “PRESCRIÇÃO ANTECIPADA”. INADMISSIBILIDADE POR FALTA DE AMPARO LEGAL. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA (CPP, ART. 24). SÚMULA N. 438 DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     A tese invocada pelo nobre Representante do Ministério Público para propor o arquivamento dos autos, qual seja, a da prescrição pela pena em perspectiva, não pode, com a devida vênia, ser acolhida. Isto porque, como é cediço, atividade do Ministério Público na persecução penal (em delitos de ação penal pública) rege-se pelo princípio da obrigatoriedade ou legalidade (CPP, art. 24).

2.     A prescrição “antecipada” ou “virtual” lastreia-se na prescrição retroativa (notadamente no período anterior ao recebimento da denúncia ou queixa). Tal modalidade de prescrição constitui criação brasileira e se mostra única em todo o Mundo. Sua insubsistência, inclusive, vinha sendo sustentada pelo Colendo Colégio Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, o qual manifestara expresso apoio e auxílio técnico ao Projeto de Lei n. 1.383/2003, do Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia, que visava à supressão de dita modalidade de causa extintiva da punibilidade e que veio a ser aprovado, transformando-se na Lei n. 12.234, de 05 de maio de 2010.

3.     Diversos são os defeitos da prescrição retroativa, principalmente antes do início do processo penal, dentre os quais se destacam: (i) a violação aos fundamentos do instituto da prescrição, que objetiva à punição da inércia do Estado, inexistente nesta modalidade de causa extintiva do ius puniendi estatal; (ii) a ofensa aos princípios da certeza, da irredutibilidade e da utilidade dos prazos, porquanto lapsos temporais cumpridos a seu tempo são desprezados, por conta de uma futura redução e recontagem que se produz; (iii) a violação aos fundamentos das causas interruptivas do prazo prescricional, os quais, uma vez verificados, encerram um período que não mais deveria ser reaberto; (iv) ofensa à lógica formal, porquanto ela se baseia numa sentença condenatória e, uma vez reconhecida, a invalida, isto é, a sentença penal só é válida para declarar que não tem validade.

4.     Registre-se, por derradeiro, que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal” (Súmula n. 438).

Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a prática, em tese, dos delitos tipificados no art. 313-A do CP (inserção de dados falsos em sistema de informações) e art. 333 do CP (corrupção ativa), que teriam sido perpetrados por (...).

O Douto Representante do Parquet, vislumbrando a ocorrência de “prescrição antecipada”, pugnou pelo arquivamento do feito (fls. 388/390).

O MM. Juiz, discordando do requerimento ministerial e aplicando à espécie o art. 28 do CPP, o remeteu a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 398).

É o relatório.

Com a devida vênia do diligente Promotor de Justiça, a tese na qual se apoiou seu requerimento não vem sendo abraçada por esta Procuradoria Geral de Justiça.

É preciso destacar que o exercício da ação penal pública é regido pelo princípio da legalidade ou da obrigatoriedade (CPP, art. 24), de modo que, uma vez preenchidos os requisitos legais, notadamente a prova da materialidade e os indícios de autoria, cumpre ao membro do Parquet oferecer denúncia (ou, quando for o caso, propor a transação penal).

Não procede, outrosssim, eventual argumento de que a imposição de pena, no futuro, provocará o reconhecimento da prescrição retroativa (CP, art. 110, §2.º, com a redação anterior à Lei n. 12.234/10). 

Isto porque se trata de hipótese sujeita a diversas contingências, entre as quais não se pode excluir a possibilidade de que ocorra uma modificação na descrição típica, ensejadora de crime mais grave (mutatio libelli – art. 384 do CPP).

Não é só. A prescrição “antecipada” ou “virtual” lastreia-se, como se ponderou acima, na prescrição retroativa. Tal modalidade de prescrição constitui criação brasileira e se mostra única em todo o Mundo. Sua insubsistência, inclusive, vinha sendo sustentada pelo Colendo Colégio Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, o qual manifestara expresso apoio e auxílio técnico ao Projeto de Lei n. 1.383/2003, do Deputado Federal Antônio Carlos Biscaia, que visava à supressão de dita modalidade de causa extintiva da punibilidade e que veio a ser aprovado, transformando-se na Lei n. 12.234, de 05 de maio de 2010.

Diversos são os defeitos da prescrição retroativa, dentre os quais se destacam: (i) a violação aos fundamentos do instituto da prescrição, que objetiva à punição da inércia do Estado, inexistente nesta modalidade de causa extintiva do ius puniendi estatal; (ii) a ofensa aos princípios da certeza, da irredutibilidade e da utilidade dos prazos, porquanto lapsos temporais cumpridos a seu tempo são desprezados, por conta de uma futura redução e recontagem que se produz; (iii) a violação aos fundamentos das causas interruptivas do prazo prescricional, os quais, uma vez verificados, encerram um período que não mais deveria ser reaberto; (iv) ofensa à lógica formal, porquanto ela se baseia numa sentença condenatória e, uma vez reconhecida, a invalida, isto é, a sentença penal só é válida para declarar que não tem validade...[1]

Daí se vê que esta Procuradoria Geral de Justiça não poderia, por razões de Política Criminal, prestigiar fundamento jurídico embasado na prescrição retroativa, como é o caso da chamada prescrição “virtual” ou “antecipada”.

Não se pode olvidar, por derradeiro, que a jurisprudência é firme ao rechaçar o instituto acima, como se nota no seguinte julgado, prolatado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. 1. RÉ PRIMÁRIA E DE BONS ANTECEDENTES. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 2. EXISTÊNCIA DE EXECUÇÃO FISCAL EM TRÂMITE. IRRELEVÂNCIA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEFINITIVAMENTE CONSTITUÍDO. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 3. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de previsão legal. Trata-se, ademais, de instituto repudiado pela jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção de inocência e da individualização da pena a ser eventualmente aplicada.

2. O fato de ainda encontrar-se em trâmite processo de execução fiscal para a satisfação do crédito tributário é irrelevante para os fins penais, uma vez que já houve o lançamento definitivo do crédito tributário em questão.

3. Recurso a que se nega provimento.”

(STJ, RHC n. 18.569, rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 13/10/2008).

 

 

 

No mesmo sentido, ademais, a recente Súmula 438 do STJ:

 

“É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

 

Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria, designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 11 de maio de 2010.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador Geral de Justiça

                

 

   

 

/aeal



[1] Argumentos de Guaragni, Fábio André. Prescrição penal e impunidade. Curitiba: Juruá, 2000, p. 117 e seguintes.