Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º
64.871/09
Autos n.º 232/08 – Juizado Especial Criminal da Comarca de Itapira
Investigados: (...)
e (...)
Assunto:
arquivamento implícito de inquérito policial
EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO DE INQUÉRITO POLICIAL. DESCABIMENTO.
1. Não se pode admitir como válida a figura do arquivamento implícito do inquérito policial, sob pena de corroborar postura que constitui violação de dever funcional.
2. A necessidade de manifestação expressa por parte do MINISTÉRIO PÚBLICO, com a exposição dos fundamentos fáticos e jurídicos de suas razões, extrai-se dos arts. 129, inc. VIII, da CF, 43, inc. III, da Lei n. 8.625/93 e 169, inc. VII, da Lei Complementar Paulista n. 734/93.
3. Como
assinala GUILHERME SOUZA NUCCI, “É indispensável que o promotor se manifeste
claramente a respeito de cada um dos indiciados, fazendo o mesmo no que
concerne a cada um dos delitos imputados a eles durante o inquérito. Assim, não
pode, igualmente, denunciar por um crime e calar quanto a outro ou outros”. (Código de Processo Penal Comentado, 3ª
edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 126-127). Nesse
sentido, há diversos precedentes doutrinários e jurisprudenciais, notadamente
no âmbito do STF (HC n. 92.445, rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe de
4. Na hipótese de omissão ministerial, cumpre ao juiz determinar o encaminhamento dos autos ao Parquet, a fim de que se colha sua expressa manifestação a respeito dos demais investigados ou delitos atribuídos ao(s) agente(s) no curso da fase inquisitiva. Cumprida esta providência, caso haja discordância judicial quanto a eventual arquivamento solicitado, somente então se deve aplicar o art. 28 do CPP.
Solução: determino o retorno dos autos à origem para que se colha a manifestação do Promotor Natural.
Cuida-se de ação penal movida pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO, imputando a (...) o crime de condução de veículo automotor, sem
habilitação, gerando perigo de dano, ou seja, aquele definido no art. 309 do
CTB.
Consta do procedimento investigatório que embasou a
denúncia que, no dia dos fatos, encontrava-se o acusado conduzindo motocicleta
e levando, na garupa, sua namorada (...). Apurou-se que esta era a proprietária
do biciclo e, mesmo sabendo que o agente não possuía habilitação, entregou para
ele o veículo a fim de que o conduzisse.
O MM. Juiz recebeu a denúncia e, verificando que
havia nos autos indícios de que (...) também cometera infração de trânsito, sem
que existisse, todavia, qualquer requerimento ministerial a respeito, determinou
o encaminhamento do expediente ao Parquet
para que se manifestasse a respeito (fls. 52).
O Ilustre Representante Ministerial, todavia,
entendeu ter ocorrido arquivamento implícito e, por tal motivo, instou o Juiz a
aplicar à espécie o art. 28 do CPP, como de fato ocorreu (fls. 53).
É o relatório.
Deve-se registrar, de início, que a figura do
arquivamento implícito, embora reconhecida por parte da doutrina, não conta com
respaldo do ordenamento jurídico pátrio.
Explica-se: entende-se por arquivamento implícito
aquele em que o Membro do MINISTÉRIO PÚBLICO deixa de denunciar algum dos
indiciados, mas não pugna expressamente pelo arquivamento do inquérito
policial, ou, ainda, quando se atribui mais de um crime ao increpado, mas a
exordial apenas descreve alguns destes, sem qualquer manifestação com respeito
aos demais.
Ora, o mencionado instituto dá-se quando o órgão
acusatório descumpre dever funcional expresso.
É de lembrar-se que o MINISTÉRIO PÚBLICO, enquanto Instituição essencial à função jurisdicional do Estado, tem o dever de manifestar-se, judicial e extrajudicialmente, de modo fundamentado. É o que decorre dos arts. 129, inc. VIII, da CF, 43, inc. III, da Lei n. 8.625/93 e 169, inc. VII, da Lei Complementar Paulista n. 734/93.
Admitir a figura do
arquivamento implícito seria, portanto, corroborar com ato que viola
expressamente dever funcional do Parquet.
É de ressaltar-se que renomados autores comungam dessa linha de pensamento.
Como salienta GUILHERME DE SOUZA NUCCI,
“não pode haver pedido de arquivamento implícito ou tácito. É indispensável que o promotor se manifeste claramente a respeito de cada um dos indiciados, fazendo o mesmo no que concerne a cada um dos delitos imputados a eles durante o inquérito. Assim, não pode, igualmente, denunciar por um crime e calar quanto a outro ou outros”. (Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 126-127).
HERÁCLITO ANTÔNIO MOSSIN ensina, no mesmo sentido, que,
“O requerimento do Ministério Público objetivando o arquivamento do inquérito policial ou de outras peças de informação deve ser devidamente fundamentado, porquanto em termos de ação penal pública sempre se encontra em jogo o interesse coletivo, no sentido da punição do culpado ou de nenhuma coação sobre ele incidente, quando não houver razão de ordem fática ou de direito capaz de justificá-la” (Comentários ao Código de Processo Penal – à luz da doutrina e da jurisprudência, Barueri-SP, Manole, 2005, p. 74).
MARCELLUS POLASTRI LIMA assevera com propriedade que:
“...o denominado ‘arquivamento implícito’ não existe no direito pátrio, pois é forçoso reconhecer que o artigo 28 do CPP só prevê o arquivamento explícito e que tanto o artigo 18 do mesmo diploma legal como a Súmula 524 do STF também só se aplicam nos casos de arquivamentos requeridos e deferidos” (Ministério Público e Persecução Criminal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumem Iuris, 2007. p. 250).
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se manifestar a respeito do tema:
“O silêncio do Ministério Público em relação a acusados cujos nomes só aparecem depois em aditamento à denúncia não implica arquivamento quanto a eles. Só se considera arquivado o processo com o despacho da autoridade judiciária (CPP, art. 18)” (RT, 691/360).
Recentemente, o Egrégio Supremo Tribunal Federal analisou a questão:
“PRISÃO PREVENTIVA - CONCESSÃO DA ORDEM
Por tal motivo, sempre que o órgão ministerial deixar de se manifestar quanto a um ou alguns dos indiciados ou crimes investigados no âmbito do inquérito policial, cumpre ao magistrado determinar o retorno dos autos ao membro do Parquet, para que expressa e fundamentadamente requeira o que de direito (como de fato ocorreu na hipótese vertente).
Nesse sentido, o já citado GUILHERME DE SOUZA NUCCI:
“Cabe ao representante do Ministério Público oferecer razões para sustentar o seu pedido de arquivamento. Sem elas, devem os autos retornar ao promotor, a mando do juiz, para que haja regularização” (op. cit, p. 126).
Diante do exposto, é de se reconhecer que descabe a
aplicação, por ora, do art. 28 do CPP. Cumpre ao competente Promotor de Justiça
oficiante manifestar-se sobre a viabilidade de ingressar com denúncia ou propor
transação penal em face de (...), pelo crime descrito no art. 310 do CTB.
Registre-se, ademais, que não há falar-se, no caso em
tela, em violação à independência funcional, haja vista que a demanda foi
ajuizada por Promotor de Justiça Substituto e, neste momento, o feito encontra-se
sob responsabilidade do Promotor Titular.
Não estará o Membro do Parquet, deve-se sublinhar, atuando como órgão revisor, até porque
a omissão do colega que o antecedeu não pode produzir efeitos jurídicos
(consoante se procurou demonstrar acima).
Diante do exposto, determino o retorno do expediente à origem para que o Promotor Natural examine a possibilidade de adotar medidas judiciais em face de (...). Publique-se a ementa.
São Paulo,
Fernando Grella Vieira
Procurador Geral de
Justiça
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