Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 68.316/10

Autos n.º 050.09.075027-6 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Investigado: a apurar

Assunto: revisão de pedido de arquivamento indireto

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO INDIRETO DE INQUÉRITO POLICIAL. REQUERIMENTO MINISTERIAL VISANDO A REMESSA DO EXPEDIENTE À JUSTIÇA COMUM FEDERAL. SUPOSTO CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO (ART. 19 DA LEI N. 7.492/86). FRAUDE PARA OBTENÇÃO DE CRÉDITO EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA DE LESÃO AO SISTEMA FINANCEIRO. OBJETIVIDADE JURÍDICA: PATRIMÔNIO. ESTELIONATO CONFIGURADO (CP, ART. 171).

1.     O Douto Promotor de Justiça declinou de sua atribuição em favor do Ministério Público Federal, pugnando pela remessa do procedimento à Justiça que reputou competente. Cuida-se, portanto, de arquivamento indireto. No dizer de EDÍLSON MOUGENOT BONFIM: “A manifestação do promotor público pela competência da Justiça Federal em razão da natureza do delito caracteriza pedido indireto de arquivamento em face do magistrado que se deu por competente, cuja decisão é irrecorrível (art. 581, inc. II, do CPP), devendo ser o impasse solucionado pela aplicação do art. 28 do CPP (remessa dos autos ao procurador-geral), tendo em vista a preservação da titularidade da ação pública” (Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 82).

2.     A conduta do investigado consistente em levar a erro instituição financeira, mediante apresentação de documentos falsos, caracteriza o delito de estelionato e não se subsume ao tipo penal previsto no art. 19 da Lei 7.492/86. É preciso sublinhar que o fim colimado era lesar o patrimônio alheio, obtendo ilícita vantagem em prejuízo de outrem. Os demais atos foram meios para a consecução do crime-fim. Nessa linha vem decidindo o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (vide CC n. 93.596/RJ, rel. Min. OG FERNANDES, 3.ª Seção, julgado em 25/03/2009, DJe de 24/04/2009).

Solução: designo outro representante ministerial para prosseguir no feito, acompanhando a investigação até sua conclusão para, ao final, adotar a providência que entender necessária, com absoluta independência funcional (promover o arquivamento, requerer novas diligências ou oferecer denúncia).

 

O presente inquérito policial foi instaurado para apurar a prática, em tese, de crime de estelionato, que teria sido perpetrado contra o “CONSÓRCIO NACIONAL VOLKSWAGEN”.

O Douto Representante Ministerial, ratificando os termos da representação oferecida pelo Delegado de Polícia, no sentido de estar configurado crime federal (art. 19 da Lei n. 7.492/86), declinou de sua atribuição e requereu a remessa do feito ao Juízo que reputou competente (fls. 43/44).

A d. Magistrada, entendendo que os autos deveriam permanecer em trâmite junto à Justiça Estadual, invocou os termos do art. 28 do CPP para encaminhá-los a esta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 46).

Eis a síntese do necessário.

Deve-se considerar, preliminarmente, que no procedimento sub examen não houve pedido formal de arquivamento dos autos. De ver-se, contudo, que ocorreu o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO declina de sua atribuição e requer a remessa dos autos a outro juízo supostamente competente e o magistrado, discordando do requerimento, indefere a remessa.

Deveras, não pode o juiz simplesmente obrigar o membro do Parquet a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar não só o princípio da independência funcional, mas sobretudo o princípio da demanda.

A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

Nestes termos, a lição de EDÍLSON MOUGENOT BONFIM:

 

 “A manifestação do promotor público pela competência da Justiça Federal em razão da natureza do delito caracteriza pedido indireto de arquivamento em face do magistrado que se deu por competente, cuja decisão é irrecorrível (art. 581, inc. II, do CPP), devendo ser o impasse solucionado pela aplicação do art. 28 do CPP (remessa dos autos ao procurador-geral), tendo em vista a preservação da titularidade da ação pública” (Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 82).

 

 

Admitida, destarte, a intervenção desta Procuradoria-Geral de Justiça, incumbe analisar o mérito.

Pela narrativa constante dos autos, (...) teria recebido de (...), através de cessão, os direitos creditórios referentes a cota consorcial contemplada que estava em seu nome.

Com tal instrumento, o primeiro teria adquirido o veículo marca “Volkswagen”, modelo “Gol CL Atlanta 1.6”, de placas CGO/6567, não efetuando o pagamento das parcelas.

A partir daí a instituição, iniciando uma investigação a respeito, averiguou que os documentos apresentados possuiriam indícios de falsificação, verificando, assim, a ocorrência de fraude.

O ponto controvertido neste expediente, portanto, consiste em saber qual a natureza do delito cometido.

Nota-se pelo contexto dos elementos até aqui coligidos, que o suposto agente, que se identificou como (...), apresentou documentos falsificados, visando a obter financiamento de veículo automotor.

É preciso sublinhar que o fim colimado era lesar o patrimônio alheio, obtendo ilícita vantagem em prejuízo de outrem. Os demais atos foram meios para a consecução do crime-fim – o estelionato.

De aplicar-se à hipótese, assim, o princípio da consunção ou absorção.

No dizer de CÉZAR ROBERTO BITENCOURT:

 

“pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta”. Acrescenta o eminente penalista, ainda, que: “Não convence o argumento de que é impossível a absorção quando se tratar de bens jurídicos distintos. (...). Não é, por conseguinte, a diferença dos bens jurídicos tutelados, e tampouco a disparidade de sanções cominadas, mas a razoável inserção da linha causal do crime final, com o esgotamento do dano social no último e desejado crime, que faz as condutas serem tidas como únicas (consunção) e punindo-se somente o crime último da cadeia causal, que efetivamente orientou a conduta do agente.” (Tratado de Direito Penal. Vol. 1. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. pág. 201-202).

 

Em face disto, com a devida vênia do diligente Membro do Parquet, afigura-se-nos que o crime é de competência da Justiça Estadual.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, atualmente, entende não configurado o delito federal em casos como o retratado neste procedimento; confira-se:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. ESTELIONATO. INEXISTÊNCIA DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. A conduta dos investigados consistente em levar a erro instituição financeira visando obter crédito pessoal consignado, sem destinação específica, à revelia dos supostos beneficiários, caracteriza o delito de estelionato e não se subsume ao tipo penal previsto no art. 19 da Lei 7.492/86.

2. Conflito conhecido para determinar competente o suscitado, Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Ilha do Governador –  RJ”.

(CC 93.596/RJ, Rel. Min. OG FERNANDES, 3.ª Seção, julgado em 25/03/2009, DJe de 24/04/2009)

 

Diante do exposto, designo outro representante ministerial para prosseguir no feito, acompanhando a investigação até sua conclusão para, ao final, adotar a providência que entender necessária, com absoluta independência funcional (promover o arquivamento, requerer novas diligências ou oferecer denúncia).

Faculta-se ao Promotor de Justiça observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

São Paulo, 28 de maio de 2010.

 

  Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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