Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 70.475/15

Autos n.º 0026507-97.2014.8.26.0554 – MM. Juízo da Vara do Júri de Santo André

Indiciados: JOSE WEVERSON DE MEDEIROS PAZ, REGINALDO RAIMUNDO LEAL e FABRÍCIO FERNANDES DA SILVA

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28. REVISÃO DE PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO PENAL INSTAURADA VISANDO À APURAÇÃO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, §2.º, INCISOS I E IV), OCULTAÇÃO E VILIPÊNDIO A CADÁVER (CP, ARTS. 211 E 212). DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE EM FACE DE UM DOS INDICIADOS, NO TOCANTE AO DELITO HEDIONDO. REQUISIÇÃO DE DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES PARA APROFUNDAMENTO DA INVESTIGAÇÃO COM RELAÇÃO AOS DEMAIS SUSPEITOS. INDEFERIMENTO JUDICIAL. ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE OFERTAR DENÚNCIA E, AO MESMO TEMPO, PROPUGNAR POR DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES. INSISTÊNCIA MINISTERIAL. REMESSA À PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA.

1.     Concluídas as diligências de Polícia Judiciária, o Douto Promotor de Justiça denunciou somente um dos increpados pelo homicídio qualificado e vilipêndio ao cadáver. A Digníssima Magistrada, contudo, abriu nova vista ao Ministério Público, destacando que não seria possível propor a ação penal e, ao mesmo tempo, postular diligências complementares. O Douto Promotor de Justiça, entendendo que a juntada do laudo de reprodução simulada dos fatos seria essencial para formar sua convicção acerca da participação dos demais, diante da postura judicial, requereu o arquivamento do inquérito em relação a tais fatos. A MM. Juíza julgou de modo diverso e, aplicou à espécie o art. 28 do CPP, remetendo os autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça.

2.     Deve-se destacar que a postura adotada pelo Nobre Promotor de Justiça, no sentido de, por um lado, propor desde logo a denúncia e, de outra parte, requerer diligências complementares para esclarecer possível envolvimento dos suspeitos no homicídio e no vilipêndio de cadáver, afigura-se perfeitamente admissível no sistema processual penal brasileiro. É farta, nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Superiores conferindo respaldo a semelhante técnica; confira-se: “HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. RAZOABILIDADE. FEITO COMPLEXO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA. (...) 5. Na ação penal pública, vigoram os princípios da obrigatoriedade e da divisibilidade da ação penal, os quais, respectivamente, preconizam que o Ministério Público não pode dispor sobre o conteúdo ou a conveniência do processo. Porém, não é necessário que todos os agentes ingressem na mesma oportunidade no pólo passivo da ação, podendo haver posterior aditamento da denúncia. (...)” (STJ, HC 179.999/PA, Rel. Ministro CELSO LIMONGI - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP- , 6.ª TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe de 01/02/2011). “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. (...) ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE PARA JUSTIFICAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL OU A MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO. INVIABILIDADE. NÃO CABIMENTO DO REFERIDO POSTULADO NA AÇÃO PENAL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (...) 4. Compete ao Ministério Público, na condição de dominus litis, avaliar se há elementos de autoria e materialidade suficientes para a propositura da ação penal pública. Se determinada pessoa não foi denunciada é porque com relação a ela não está formada a opinio delicti, cuja aferição compete, em tal caso, exclusivamente ao Parquet.  (...)” (STJ, HC 178.406/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe de 05/12/2012). “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. OFENSA. INEXISTÊNCIA. 1. O princípio da indivisibilidade não se aplica à ação penal pública. Daí a possibilidade de aditamento da denúncia quando, a partir de novas diligências, sobrevierem provas suficientes para novas acusações. 2. Ofensa ao princípio do promotor natural. Inexistência: ausência de provas de lesão ao exercício pleno e independente de suas atribuições ou de manipulação casuística e designação seletiva por parte do Procurador-Geral de Justiça. Ordem indeferida.” (STF, HC 96.700, Relator:  Min. EROS GRAU, 2.ª Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-152, publicado em 14/08/2009).

3.     Sob outro giro, deve-se enfatizar que a propositura da ação penal requer a presença dos pressupostos processuais, das condições da ação penal (genéricas e específicas) e de justa causa, traduzida esta no lastro probatório mínimo, isto é, na prova da existência do fato e em indícios suficientes de autoria ou participação. Com respeito à materialidade delitiva, esta resultou devidamente comprovada pelo laudo de exame necroscópico, perinecroscópico, além de corroborada pela prova oral. Há, ademais, indícios suficientes da participação dos demais indiciados nos crimes de homicídio e vilipêndio a cadáver, pois se evidenciou que, mesmo não tendo eles praticado atos materiais tendentes à consecução da morte ou à conspurcação do corpo sem vida, cientes do propósito do autor, para ele concorreram. O art. 29, caput, do CP, deveras, preceitua que quem de qualquer modo concorre para o crime (seja emprestado auxílio moral ou material) incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. O auxílio moral e material pode ser traduzido no acompanhar o executor, plenamente sabedores de sua intenção homicida (dada a prévia noção de sua desavença e do fato de que ele portava arma de fogo), ajudando-o a convencer a vítima a ingressar no automóvel, conduzindo-o ao local ermo em que o corpo foi abandonado e, ademais, prestando seu permanente incentivo à atitude do executor do crime doloso contra a vida e do vilipêndio ao cadáver.

4.     Como se sabe, nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, e, presentes os indícios de autoria, como neste caso, deve ser levado ao juiz natural, previsto pelo constituinte, isto é, o Tribunal do Júri. Cumpre sublinhar que não se trata de efetuar um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal, mesmo porque: “...não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n.º 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para aditar a peça exordial, acaso o subscritor da peça subsista no exercício do cargo, atribuindo a todos os delitos de homicídio, ocultação e vilipêndio de cadáver, devendo prosseguir nos ulteriores termos do processo.

 

 

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração dos crimes de homicídio qualificado (CP, art. 121, §2.º, incisos I e IV), ocultação e vilipêndio a cadáver (CP, arts. 211 e 212), cometidos, em tese, por JOSE WEVERSON DE MEDEIROS PAZ, REGINALDO RAIMUNDO LEAL e FABRÍCIO FERNANDES DA SILVA, contra ROBSON AZEVEDO.

Segundo consta dos autos, a vítima foi encontrada no dia 08 de novembro de 2014, já sem vida, com perfurações de arma de fogo na cabeça e um pedaço de madeira introduzido no ânus, em uma estrada de terra na Rodovia Deputado Antônio Adib Chammas, altura do quilômetro 43,5, na Comarca de Santo André.

DIEGO TABAJARA SANTOS foi ouvido na Delegacia, narrando que conheceu a vítima no dia dos fatos, no “Esquenta Bar e Pizzaria”. ROBSON teria lhe pedido seu número de telefone, porque lhe chamaria para uma festa. Afirmou que, enquanto esteve no bar, não presenciou nada de relevante, mas que soube, após os fatos, por meio de seu amigo JOSÉ HENRIQUE, que a vítima se envolveu em um briga (fls. 26/27).

ANTONIO CARLOS FERREIRA DA SILVA, dono do bar retro citado, afirmou que, na noite dos fatos, o ofendido estava presente, mas não houve qualquer discussão no local (fls. 28/29).

Foi ouvida uma testemunha protegida, “Alfa” (Prov. 32/00), que confirmou que o sujeito passivo estava no estabelecimento referido na noite dos fatos, assim como REGINALDO. No dia seguinte, viu o veículo deste estacionado na rua, com o vidro de trás danificado, tendo ouvido que ele teria desaparecido do bairro. Ouviu, ainda, que REGINALDO teria colocado a vítima no carro (fls. 52/53).

A testemunha FERNANDO OLIVEIRA DE GODOY, por sua vez, narrou que trabalha com REGINALDO, e que esse, no dia do crime, apareceu no serviço com o carro danificado. Indagado, respondeu que um indivíduo de alcunha “Gordinho” (REGINALDO) teria efetuado um disparo de arma de fogo dentro do veículo, vindo a matar uma pessoa (fls. 54/55).

Em virtude das informações obtidas, a autoridade policial representou pela prisão temporária de REGINALDO, JOSÉ WEVERSON e FABRÍCIO FERNANDES (fls. 61/64), indeferida pela MM. Juíza (fls. 69), em concordância com o parecer ministerial (fls. 67/68).

JOSE WEVERSON DE MEDEIROS (fls. 70/71) afirmou que estavam no bar, quando REGINALDO passou a questionar a vítima por ter paquerado uma namorada daquele. Iniciou-se uma discussão e ROBSON xingou REGINALDO, arremessou uma garrafa de cerveja no chão, e deixou o bar, logo em seguida.

Afirma JOSE WEVERSON que REGINALDO pediu-lhe que o acompanhasse em seu carro, e que FABRICIO dirigisse o veículo, para oferecerem carona à vítima. Indagado do porque de tal carona, REGINALDO mostrou uma arma de fogo, dando a entender que mataria ROBSON.

FABRÍCIO aproximou o veículo de ROBSON, e este entrou no carro, após convite de REGINALDO, sentando-se ao seu lado no banco traseiro. Após breve percurso, REGINALDO desferiu um disparo sem qualquer aviso, atingindo a cabeça da vítima, que caiu de lado. Em seguida, mais dois disparos foram efetuados.

Segundo JOSE WEVERSON, REGINALDO retirou sozinho o corpo da vítima do carro, desferiu o quarto disparo, e voltou para o carro, tendo todos os três envolvidos retornado ao bar.

O indiciado afirma, por fim, que REGINALDO teria lhe confirmado não ser essa a primeira vez que cometia um homicídio deixando o corpo no mesmo local.

REGINALDO RAIMUNDO LEAL (fls. 86/88) narrou que não conhecia a vítima até o dia dos fatos, e que estava no bar quando JOSE WEVERSON o chamou para acompanhá-lo até um veículo marca “Volkswagen”, modelo “Gol”, para assumir o volante. No veículo estava, ainda, FABRÍCIO, no carona, e WEVERSON sentou-se atrás.

Afirmou que dirigiu por alguns metros, quando WEVERSON chamou a vítima, que entrou no carro. Após alguns instantes, ouviu um disparo, e, quando parou o carro, viu a vítima sendo retirada do veículo por WEVERSON, e sendo alvejada por mais dois disparos na cabeça.

Segundo REGINALDO, JOSÉ WEVERSON disse que tinha matado ROBSON porque este estaria roubando na região. Após os fatos, os três retornaram ao bar.

JOSÉ WEVERSON foi novamente auscultado, ratificando seu depoimento anterior, e informando ter visto REGINALDO novamente com a arma utilizada no crime (fls. 103/104).

Laudo perinecroscópico e do veículo apreendido foram juntados aos autos (fls. 106/109 e 110/119).

         Ouvido novamente, REGINALDO afirmou que foi agredido por quatro pessoas a mando de WEVERSON, para coagi-lo a não mais testemunhar contra ele na Delegacia. Negou portar arma de fogo, afirmando que WEVERSON era quem costumava andar com um revólver (fls. 122/123).

A autoridade policial representou novamente pela prisão temporária dos três envolvidos (fls. 128/131), e, após parecer ministerial (fls. 133/135), a MM. Juíza decretou a medida cautelar (fls. 136 e verso).

FABRICIO FERNANDES (fls. 184/186) confirmou ter presenciado o crime. Segundo ele, estavam todos em um bar na noite dos fatos, e o interrogado apenas pediu carona a JOSE WEVERSON e REGINALDO. Este último dirigia o veículo, FABRICIO estava no carona, e JOSE WEVERSON estava no banco de trás.

Pararam em outro bar, e JOSE WEVERSON retornou ao carro já com a vítima, e, após breve percurso, efetuou um disparo contra a cabeça de ROBSON. REGINALDO e o interrogado se surpreenderam, pois não sabiam de nada. JOSE WEVERSON retirou sozinho o corpo do carro, e foi deixado na estrada.

O interrogado afirmou que, dias depois, JOSE WEVERSON lhe disse que matou ROBSON porque ele estaria “mexendo com sua irmã”, e, após breve discussão no veículo, decidiu tirar sua vida.

JOSE WEVERSON, ouvido em aditamento (fls. 189/191), alterou sua versão inicialmente apresentada, narrando que, de fato, a vítima teria mexido com sua irmã, e ofendido sua mãe. No dia dos fatos, estavam todos no bar, quando viu ROBSON ir embora.

Pediu carona para REGINALDO e FABRÍCIO e, no meio do caminho, pediu que aquele parasse em outro bar, no qual desceu para abordar a vítima e interpelá-la acerca dos fatos. Após se entenderem, ROBSON pediu carona até o “trevo”, e entraram os quatro no veículo de REGINALDO.

Durante o trajeto, o interrogado passou novamente a questionar a vítima, e lhe desferiu um tapa, momento em que esta sacou uma arma de fogo. JOSE WEVERSON teria reagido e tomado o revólver de ROBSON, efetuando um disparo em sua cabeça, para espanto dos dois outros indiciados.

JOSE WEVERSON afirma que retirou o corpo do carro sozinho e o arrastou até uma estrada de terra, efetuando mais três disparos na cabeça da vítima, enquanto os dois outros envolvidos fugiram.

REGINALDO, em aditamento (fls. 194/195), ratificou o depoimento prestado anteriormente, afirmando, contudo, que JOSE WEVERSON lhe disse que matou a vítima em virtude dos entreveros relativos à sua irmã e sua mãe.

LUZENILDA BARBOSA DE MEDEIROS (fls. 231/232), genitora de JOSE WEVERSON, confirmou que a vítima mexeu com sua filha e discutiu com ela. No dia dos fatos, apontou ROBSON a JOSE WEVERSON no bar, apenas para que este pedisse àquele que parasse de incomodar. JOSE WEVERSON, porém, não lhe contou o que ocorreu.

EVELLYN CAROLINA DE MEDEIROS PAZ (fls. 233/234), irmã de JOSE WEVERSON, confirmou as investidas amorosas da vítima, que chegou a tentar agarrá-la à força, e também o xingamento que essa fez a LUZENILDA. Segundo EVELLYN, JOSE WEVERSON lhe confirmou ter matado ROBSON, após tê-lo interpelado, juntamente com seus amigos REGINALDO e FABRÍCIO, e lhe dado carona.

O laudo de exame necroscópico foi juntado a fls. 240/242.

Concluídas as diligências de Polícia Judiciária, o Douto Promotor de Justiça denunciou JOSE WEVERSON pelo homicídio qualificado e vilipêndio ao cadáver, e os três indiciados pela ocultação de cadáver, e requereu diligências (fls. 259/263).

A Digníssima Magistrada, contudo, abriu nova vista ao Ministério Público, destacando que não seria possível propor a ação penal e, ao mesmo tempo, requerer diligências complementares (fls. 265 e verso).

Foi juntado o depoimento das testemunhas “Alfa” (fls. 289/293) e “Bravo” (fls. 294/295).

A primeira ratificou o depoimento prestado anteriormente, adicionando que desde seu primeiro depoimento tem sofrido ameaças. Afirma que REGINALDO lhe disse que JOSE WEVERSON pretendia se vingar em virtude de seu depoimento na Delegacia. A testemunha afirma que indagou JOSE WEVERSON, na presença de REGINALDO, e este negou ter lhe ameaçado. Afirma, por fim, que sua irmã, RAFAELA, lhe disse que REGINALDO estaria prometendo lhe matar.

A testemunha protegida “Bravo”, namorada de REGINALDO, afirmou nunca ter visto este portar arma de fogo, mas que JOSE WEVERSON sim. Alega que REGINALDO nega ter sido o autor do homicídio, dizendo que apenas ouviu o disparo, enquanto dirigia o carro. Segundo “Bravo”, os três investigados continuam amigos após os fatos.

O Douto Promotor de Justiça, entendendo que a juntada do laudo de reprodução simulada dos fatos seria essencial para formar sua convicção acerca da participação de REGINALDO e FABRÍCIO no homicídio e no vilipêndio ao cadáver, requereu o arquivamento do inquérito em relação a tais fatos (fls. 297).

A MM. Juíza julgou de modo diverso e, aplicou à espécie o art. 28 do CPP, remetendo os autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 298).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do mui competente Representante Ministerial, o destino processual por ele aventado não se mostrou adequado; senão, vejamos.

Deve-se destacar, por primeiro, que a postura adotada pelo Nobre Promotor de Justiça, a fls. 259/263, no sentido de, por um lado, propor desde logo a denúncia e, de outra parte, requerer diligências complementares para esclarecer possível envolvimento dos suspeitos no homicídio e no vilipêndio de cadáver, afigura-se perfeitamente admissível no sistema processual penal brasileiro.

É farta, nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Superiores conferindo respaldo a semelhante técnica; confira-se:

 

“HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO.

FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. RAZOABILIDADE. FEITO COMPLEXO.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA.

(...)

5. Na ação penal pública, vigoram os princípios da obrigatoriedade e da divisibilidade da ação penal, os quais, respectivamente, preconizam que o Ministério Público não pode dispor sobre o conteúdo ou a conveniência do processo. Porém, não é necessário que todos os agentes ingressem na mesma oportunidade no pólo passivo da ação, podendo haver posterior aditamento da denúncia.

(...)”

(STJ, HC 179.999/PA, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe de 01/02/2011)

 

“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO.

COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO STJ, EM CONSONÂNCIA COM O DO STF. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE PARA JUSTIFICAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL OU A MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO. INVIABILIDADE. NÃO CABIMENTO DO REFERIDO POSTULADO NA AÇÃO PENAL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

(...)

4. Compete ao Ministério Público, na condição de dominus litis, avaliar se há elementos de autoria e materialidade suficientes para a propositura da ação penal pública. Se determinada pessoa não foi denunciada é porque com relação a ela não está formada a opinio delicti, cuja aferição compete, em tal caso, exclusivamente ao Parquet.

(...)”

(STJ, HC 178.406/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 05/12/2012)

 

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. OFENSA. INEXISTÊNCIA. 1. O princípio da indivisibilidade não se aplica à ação penal pública. Daí a possibilidade de aditamento da denúncia quando, a partir de novas diligências, sobrevierem provas suficientes para novas acusações. 2. Ofensa ao princípio do promotor natural. Inexistência: ausência de provas de lesão ao exercício pleno e independente de suas atribuições ou de manipulação casuística e designação seletiva por parte do Procurador-Geral de Justiça. Ordem indeferida.”

(STF, HC 96700, Relator:  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-152, publicado em 14/08/2009)

 

Sob outro giro, deve-se enfatizar que a propositura da ação penal requer a presença dos pressupostos processuais, das condições da ação penal (genéricas e específicas) e de justa causa, traduzida esta no lastro probatório mínimo, isto é, na prova da existência do fato e em indícios suficientes de autoria ou participação.

Com respeito à materialidade delitiva, esta resultou devidamente comprovada pelo laudo de exame necroscópico, perinecroscópico, além de corroborada pela prova oral.

Há, ademais, indícios suficientes da participação dos indiciados REGINALDO e FABRICIO nos crimes de homicídio e vilipêndio a cadáver, pois se evidenciou que, mesmo não tendo eles praticado atos materiais tendentes à consecução da morte, cientes do propósito de JOSÉ WEVERSON, para ele concorreram.

O art. 29, caput, do CP, deveras, preceitua que quem de qualquer modo concorre para o crime (seja emprestando auxílio moral ou material) incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

O auxílio moral e material pode ser traduzido no acompanhar JOSÉ, sabedores de sua intenção homicida, ajudando-o a convencer a vítima a ingressar no automóvel, conduzindo-o ao local ermo em que o corpo foi abandonado e, ademais, prestando seu permanente incentivo à atitude do executor do crime doloso contra a vida e do vilipêndio ao cadáver.

Como se sabe, nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, e, presentes os indícios de autoria, como neste caso, deve ser levado ao juiz natural, previsto pelo constituinte, isto é, o Tribunal do Júri.

Calha frisar que JOSE WEVERSON, inicialmente, atribuiu a autoria do crime a REGINALDO, que teria executado a vítima por uma discussão acerca de uma namorada. Os três indiciados estariam no veículo, e retornaram ao bar após o crime. Posteriormente, ratificou sua versão, e somente na terceira oportunidade em que foi interrogado a alterou, narrando que efetuou o disparo após um entrevero dentro do carro, no qual tomou a arma de fogo da vítima. Nesta última versão, os dois outros investigados não tinham conhecimento de nada.

REGINALDO, por sua vez, imputou o disparo a JOSE WEVERSON, negando (de maneira pouco convincente) ter conhecimento de sua intenção homicida. Ratificou seu depoimento, adicionando ter sido agredido por pessoas a mando daquele, para que parasse de depor em seu desfavor.

FABRÍCIO, por sua vez, também negou (sem a necessária verossimilhança) ter conhecimento da intenção de JOSE WEVERSON, que trouxe a vítima ao veículo onde estava com REGINALDO, o qual também desconheceria o plano de JOSE WEVERSON.

Em que pese a divergência das versões prestadas pelos indiciados e as alterações de suas narrativas, o fato é que os três confirmam que estavam juntos no bar e foram atrás da vítima em um carro, bem como estavam presentes no veículo no momento do disparo, efetuado por JOSE WEVERSON.

A propósito, a testemunha protegida “Bravo”, namorada de REGINALDO, confirmou que os três envolvidos continuam amigos, o que torna muito pouco crível a hipótese de que não estavam conluiados para o crime de homicídio.

A testemunha “Alfa”, por sua vez, narrou que ouviu ter sido REGINALDO quem atraiu a vítima para o carro, e a testemunha EVELLYN, irmã de JOSE WEVERSON, informou que este lhe narrou que os três interpelaram a vítima, lhe deram carona e discutiram no carro.

Ora, tais depoimentos demonstram, de forma suficiente, que os três mantinham relação de amizade, antes e depois dos crimes, que estavam juntos no bar e no carro, quando a vítima foi ludibriada a nele entrar, e também no momento dos disparos, sendo suficientes tais informações, a princípio, para o oferecimento da inicial acusatória.

Há indícios, ainda, de que deixaram o local juntos após os fatos, o que se verifica em depoimentos prestados pelos próprios investigados JOSE WEVERSON e REGINALDO, autorizando a conclusão, pelo menos nesta fase processual, de que os três anuíram também ao crime de vilipêndio a cadáver.

Cumpre sublinhar que não se trata de efetuar um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal, mesmo porque:

 

“...não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n.º 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

 

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para aditar a peça exordial, acaso o subscritor da peça subsista no exercício do cargo, atribuindo a todos os delitos de homicídio, ocultação e vilipêndio de cadáver, devendo prosseguir nos ulteriores termos do processo.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se, se necessário, portaria, designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 27 de maio de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

/aeal