Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º 71.910/14
Autos n.º 9.987/13 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal do Foro Central da Comarca da Capital
Vítima: (...)
Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial
EMENTA: CPP, ART. 28. CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR EMERGENCIAL (CP, ART. 135-A). EXIGÊNCIA DE ENTREGA DE CHEQUE-CAUÇÃO DURANTE O TRATAMENTO EFETIVADO EM CARÁTER DE URGÊNCIA. ACOMPANHANTE INSTADA A FORNECER A CÁRTULA ENQUANTO O PACIENTE ENCONTRAVA-SE INTERNADO EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA. CONDUTA FORMAL E MATERIALMENTE TÍPICA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA OU FORMULAÇÃO DE PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL QUE SE IMPÕEM.
1. Deve-se ponderar que não há controvérsia acerca de como os fatos se desenrolaram. A dúvida reside em saber se a exigência efetuada depois de iniciado o atendimento hospitalar consubstancia a infração descrita no art. 135-A do CP. A resposta nos parece afirmativa.
2. Pune-se o ato de exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o tratamento médico. Percebe-se, da leitura do texto normativo, que somente em se tratando de formulários administrativos que se deve cuidar de exigência efetuada ex ante.
3. O dispositivo legal, sublinhe-se, não impõe seja a determinação anterior ao início do tratamento, quando houver a imposição de entrega de cheque-caução ou nota promissória, também podendo se admitir como delituosa a ação referente à semelhante imposição efetuada durante o atendimento. Com efeito, a ratio da incriminação das ações é a mesma. Incorre no tipo penal tanto o sujeito que impõe o fornecimento do cheque-caução (nota promissória) desde o princípio, quanto aquele que o faz quando a terapêutica hospitalar está em andamento.
4. Ambos os atos são suficientemente reprováveis, porquanto se aproveitam do estado de aflição ou até mesmo desespero dos familiares e/ou conhecidos do paciente, os quais, receando tanto a não realização do tratamento quanto sua interrupção, cedem à pressão empregada.
5. A conduta revela-se, destarte, formal e materialmente típica.
Solução: designa-se outro promotor de justiça para oficiar na causa e oferecer denúncia ou propor transação penal, devendo nela prosseguir em seus ulteriores termos.
Cuida-se de investigação penal instaurada para apurar o crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (art. 135-A do CP).
Segundo a notitia criminis, (...) foi acometido de um mal súbito e necessitou de pronto tratamento, sendo internado no “Hospital Samaritano”.
O paciente recebeu o devido cuidado, permanecendo na Unidade de Terapia Intensiva, quando, ali estando há algumas horas, sua acompanhante foi instada a assinar cheque-caução e preencher formulários administrativos.
Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça requereu o arquivamento do expediente, pois, em sua ótica, a conduta perpetrada não configurou a infração retro descrita ou mesmo delito contra o consumidor (art. 71 da Lei n.º 8.078/90), pois o ofendido passou por adequada terapêutica, sem que a exigência fosse imposta como elemento condicionante dos serviços médicos emergenciais (fls. 139/140).
O Digníssimo Magistrado, contudo, ponderou que se cuida de crime formal, e a entrega antecipada da cártula e o preenchimento de termos de responsabilidade pelas despesas preencheria o tipo penal, notadamente porque a imposição se deu enquanto o paciente encontrava-se na UTI e antes mesmo de se apurar o valor total do tratamento na instituição de saúde; em consequência, encaminhou a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CP (fls. 142/143).
Eis a síntese do necessário.
Assiste razão ao Meritíssimo Juiz, com a máxima vênia do Ilustre Representante Ministerial; senão, vejamos.
Deve-se ponderar que não há controvérsia acerca de como os fatos se desenrolaram. A dúvida reside em saber se a determinação efetivada depois de iniciado o atendimento médico consubstancia a infração descrita no art. 135-A do CP.
A resposta nos parece afirmativa.
Pune-se o ato de exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial.
O dispositivo legal, sublinhe-se, não impõe seja a exigência apenas anterior ao início do tratamento, quando houver a determinação de entrega de cheque-caução ou nota promissória, também podendo se admitir como delituosa a ação referente à semelhante imposição efetuada durante a terapêutica.
Com efeito, a ratio da incriminação das ações é a mesma.
Incorre no dispositivo tanto o sujeito que impõe o fornecimento de cheque-caução (nota promissória) desde o princípio, quanto aquele que o faz quando o tratamento hospitalar está em andamento.
Ambos os atos são suficientemente reprováveis, porquanto se aproveitam do estado de aflição ou até mesmo desespero dos familiares e/ou conhecidos do paciente, os quais, receando tanto a não realização do tratamento quanto sua interrupção, cedem à pressão empregada.
A conduta revela-se, destarte, formal e materialmente típica.
A persecução penal deve, portanto, prosseguir.
Cumpre sublinhar, derradeiramente, que não se trata de efetuar um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal, até porque:
“...não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).
O oferecimento de denúncia ou a proposta de transação penal, conforme o caso (art. 76 da Lei n.º 9.099/95), destarte, é a medida que se impõe.
Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para propor a peça exordial ou conceder a medida despenalizadora, devendo prosseguir nos ulteriores termos do processo.
Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria designando o substituto automático.
Publique-se a ementa.
São Paulo, 19 de maio de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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