Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 72.585/14

Autos n.º 258/14 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Conchas

Autores do fato: (...)

Assunto: divergência acerca da aplicação da Lei n.º 9.099/95

 

EMENTA: CPP, ART. 28. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL E, CONSEQUENTEMENTE, SOBRE O CABIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL (ART. 76 DA LEI N. 9.099/95). LESÃO CORPORAL DOLOSA LEVE (CP, ART. 129, CAPUT) OU VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA (CP, ART. 322). ATO COMETIDO POR SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL, EM PLENO DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONFIGURADO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1. Pode-se dessumir dos elementos de informação coligidos que, quanto ao servidor municipal, sua conduta se amolda ao crime contra a Administração Pública excogitado. Verifica-se, com efeito, que ele se encontrava em pleno exercício de suas funções e, nesse contexto, empregou violência contra a pessoa, de maneira evidentemente arbitrária.

2. Muito embora exista controvérsia acerca da vigência do dispositivo, em face da superveniência da Lei n.º 4.898/65, relativa aos delitos de abuso de autoridade, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já considerou em vigor o art. 322 do CP; confira-se: “Habeas corpus. Penal. Artigo 322 do Código Penal. Crime de violência arbitrária. Eventual revogação pela Lei n. 4.898/65. Inocorrência. Precedentes do STF. 1. O crime de violência arbitrária não foi revogado pelo disposto no art. 3º, alínea i, da Lei de Abuso de Autoridade. Precedentes da Suprema Corte.  2. Ordem denegada”  (STJ, HC 48.083, rel. Min. LAURITA VAZ, 5ª T., DJe 7-4-2008).  A Eminente Relatora do recurso destacou, em seu voto, que: “Com efeito, a violência arbitrária, tipificada no art. 322 do Código Penal (Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la), é entendida como aquela ilegalidade do funcionário público que, violando o Direito da Administração Pública, age arbitrariamente, isto é, sem autorização de qualquer norma legal que lhe justifique a conduta, contra o cidadão. E, por sua vez, não está compreendida no ‘atentado à incolumidade física do indivíduo’, previsto na alínea i, do art. 3º, da Lei n. 4.898/65, norma referente ao abuso de autoridade ou exercício arbitrário de poder, pela qual o funcionário, ao executar sua atividade, excede-se no Poder Discricionário, que facultaria a escolha livre do método de execução, ou desvia, ou foge da sua finalidade, descrita na norma legal que autorizava o Ato Administrativo, ocorrendo aí uma lesão de direito que no campo penal toma forma de abuso de poder ou exercício arbitrário de poder”.

3. A disposição legal sub examen pune o servidor que, encontrando-se no exercício de sua função ou a pretexto de exercê-la, emprega violência, entendida como agressão física. Assim, incorreu na disposição, em tese, o autor do fato quando lesionou fisicamente o particular. Sua ação, ademais, deu-se de modo arbitrário, ou seja, sem motivo legítimo. O delito previsto no art. 322 do CP, dada sua pena máxima, não é de pequeno potencial ofensivo, descabendo, portanto, a transação penal.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos e oferecer denúncia, cabendo-lhe prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada para apurar a suposta prática dos crimes de lesão corporal (CP, art. 129, caput) cometidos, em tese, por (...), reciprocamente.

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça requereu a designação de audiência preliminar, nos termos da Lei n.º 9.099/95 (fl. 24).

O MM. Juiz, contudo, abriu nova vista dos autos ao Parquet, com o fim de se manifestar acerca de eventual caracterização do delito descrito no art. 322 do CPP, o qual afastaria a aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais (fl. 25).

O Ilustre Representante Ministerial, então, ponderou que dos elementos coligidos no procedimento se poderia inferir que a desavença entre as partes ocorreu por motivo de ordem particular, não se vislumbrando indícios de que (...) tivesse a intenção de lesar a imagem da Administração Pública; manteve, assim, seu entendimento (fls. 27/29).

O Digníssimo Magistrado discordou de tal posicionamento, encaminhando a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fl. 30).

Eis a síntese do necessário.

A razão assiste ao MM. Juiz, com a máxima vênia do Nobre Membro do Parquet; senão, vejamos.

Consta do feito que, no dia 17 de janeiro de 2014, (...), Auxiliar de Fiscal da Prefeitura Municipal de Pereiras, recebeu uma denúncia informando a realização de comércio irregular no imóvel situado à Rua Vereador Pedro de Moraes Lima, n.º 102, Bairro Vila do Cruzeiro.

No local, viu um cartaz indicando a venda de guaraná, chamando a proprietária da residência.

Nesse momento, (...), que moraria nos fundos da casa, ouviu uma altercação e presenciou o sujeito discutindo com sua genitora em tom alterado, perguntando-lhe o motivo da discórdia.

Este respondeu que havia uma notícia inominada acerca da mercancia ilegal e que “a conversa não era com ele”.

Iniciou-se, a partir daí, um desentendimento entre ambos, durante o qual (...) o agrediu e ele revidou, entrando as partes em embate corporal, a qual cessou com a intervenção de terceiros.

(...) e (...) não presenciaram o início da discórdia, mas o segundo avistou (...) golpeando (...)(fls. 06 e 08/09).

(...), entretanto, visualizou (...) dando um murro no rosto de (...) este buscando se defender (fl. 07).

(...), por sua vez, asseverou que o indiciado principiou a contenda (fls. 10/11).

Os envolvidos submeteram-se a exame médico, constatando-se a produção de lesões corporais de natureza leve em ambos (fls. 13 e 15).

Pois bem.

Pode-se dessumir dos elementos de informação coligidos que, quanto a (...), sua conduta se amolda ao crime contra a Administração Pública excogitado.

Verifica-se, com efeito, que ele se encontrava em pleno exercício de suas funções e, nesse contexto, empregou violência contra a pessoa, de maneira evidentemente arbitrária.

Conforme pondera André Estefam,

 

“há controvérsia na doutrina acerca da vigência do dispositivo. Isso porque a Lei n.º 4.898/65, relativa aos crimes de abuso de autoridade, descreve entre o extenso rol de condutas delitivas, o ato de atentar contra a incolumidade física do indivíduo (art. 3.º, i), apenado com detenção, de dez dias a seis meses.

O entendimento predominante em doutrina é no sentido da insubsistência do art. 322 em face da Lei especial mencionada. É o que pensam, entre outros, Fragoso, Damásio, Nucci e Rogério Greco. No sentido da vigência do art. 322 do CP, a doutrina de Noronha e Delmanto.

A nós parece que o dispositivo do Código subsiste, porque o art. 3.º da Lei dos Crimes de Abuso de Autoridade, em função da obscuridade de sua descrição típica, configura tipo penal vago, atentatório ao princípio da taxatividade da lei penal. É imperativo do princípio constitucional da legalidade (art. 5º, XXXIX), reproduzido no art. 1º do CP, que o crime se encontre descrito em lei no sentido formal (lege scripta), anterior à conduta (lege praevia) e, além disso, que possua conteúdo determinado (lege certa). A última característica é justamente aquela ausente no art. 3.º da Lei n. 4.898/65. A norma incriminadora há de possuir moldura típica, ou seja, limites que permitam estabelecer suas fronteiras, seu exato alcance, ainda que este se mostre abrangente (caso dos tipos penais abertos); não se admite, porém, uma norma sem moldura, ou seja, um tipo penal cuja extensão não possa ser previamente definida. Nesses casos, viola-se o mandato de certeza inerente ao tipo penal, característica fundamental para fornecer a indispensável segurança jurídica que o nullum crimen, nulla poena sine praevia lege pretende garantir. O dispositivo citado declara que “constitui abuso de autoridade qualquer atentado: (...) à incolumidade física do indivíduo”. Com esses dizeres, não estamos diante de um tipo aberto (aquele que possui conteúdo determinado, embora tenha amplo alcance), mas de verdadeiro tipo vago (cujo conteúdo é indeterminado). Por essa razão, filiamo-nos à corrente de pensamento que apregoa a vigência do art. 322 do Código, o qual, ademais, pune de maneira muito mais adequada e proporcional esse grave desvio de poder cometido por alguns funcionários públicos que, no desempenho de seus misteres (ou a pretexto de assim o fazer), praticam arbitrariamente violência contra as pessoas” (Direito Penal, Parte Especial, São Paulo, Saraiva, Vol. 4, pág. 264-265).

 

Assinale-se, ainda, que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já proclamou a vigência do art. 322 do CP; confira-se:

 

Habeas corpus. Penal. Artigo 322 do Código Penal. Crime de violência arbitrária. Eventual revogação pela Lei n. 4.898/65. Inocorrência. Precedentes do STF.

1. O crime de violência arbitrária não foi revogado pelo disposto no art. 3º, alínea i, da Lei de Abuso de Autoridade. Precedentes da Suprema Corte.

2. Ordem denegada”

(STJ, HC 48.083, rel. Min. LAURITA VAZ, 5ª T., DJe 7-4-2008).

 

A Eminente Relatora do recurso destacou, em seu voto, que:

 

“Com efeito, a violência arbitrária, tipificada no art. 322 do Código Penal (Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la), é entendida como aquela ilegalidade do funcionário público que, violando o Direito da Administração Pública, age arbitrariamente, isto é, sem autorização de qualquer norma legal que lhe justifique a conduta, contra o cidadão. E, por sua vez, não está compreendida no ‘atentado à incolumidade física do indivíduo’, previsto na alínea i, do art. 3º, da Lei n. 4.898/65, norma referente ao abuso de autoridade ou exercício arbitrário de poder, pela qual o funcionário, ao executar sua atividade, excede-se no Poder Discricionário, que facultaria a escolha livre do método de execução, ou desvia, ou foge da sua finalidade, descrita na norma legal que autorizava o Ato Administrativo, ocorrendo aí uma lesão de direito que no campo penal toma forma de abuso de poder ou exercício arbitrário de poder”.

 

A disposição legal sub examen pune o servidor que, encontrando-se no exercício de sua função ou a pretexto de exercê-la, emprega violência, entendida como agressão física.

Assim, incorreu na disposição, em tese, o autor do fato quando lesionou fisicamente (...).

Sua ação, ademais, deu-se de modo arbitrário, ou seja, sem motivo legítimo.

O delito previsto no art. 322 do CP, dada sua pena máxima, não é de pequeno potencial ofensivo, descabendo, portanto, a transação penal.

Em face do exposto, designa-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos e oferecer denúncia em face de (...), sem prejuízo de propor a medida despenalizadora mencionada a (...), cumprindo-lhe prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 21 de maio de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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