Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 74.621/11

Inquérito Policial n.º 050.11.031499-9 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INDEFERIDO JUDICIALMENTE. CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CP, ART. 311). SUBSTITUIÇÃO DE PEÇA EM QUE SE APOIA A PLAQUETA DE IDENTIFICAÇÃO DO CHASSI, COM SUA RECOLOCAÇÃO. BEM DE ORIGEM LÍCITA. NÚMERO ORIGINAL MANTIDO. FATO PENALMENTE ATÍPICO. ARQUIVAMENTO CONFIRMADO.

1.      A infração penal descrita no art. 311 do CP constitui delito contra a fé pública e, como tal, submete-se à presença dos elementos indispensáveis à caracterização dos crimen falsii, a saber: a) a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante (immutatio veritatis); b) a imitação da verdade (immitatio veritatis); c) a potencialidade de dano (falsum punitur licet nemini damun inferret, sufficit enim quod potuit damnum inferre); d) o dolo (animus fallendi).

2.      Cuida-se a immutatio veritatis da essência do delito, pois o que busca o falsário não é outra coisa senão alterar a verdade, modificando as condições relativas a um fato ou relação jurídica. Complementando o requisito anterior, entende-se indispensável a imitação da verdade (immitatio veritatis), ou seja, o meio executivo do qual se vale o agente deve ter como alvo a reprodução do verdadeiro, de modo a iludir as pessoas.

3.      Na hipótese dos autos, o indiciado não adulterou qualquer sinal identificador do automóvel. Apenas procedeu a reparos necessários no veículo, retirando a chapa sobre a qual se apoiava a plaqueta de identificação, com o número do chassi, que foi posteriormente recolocada sobre a parte nova.

4.      Frise-se que o número retratado no chassi confere, exatamente, com aquele constante do documento (CRVL de fls. 25), com os registros na PRODESP (fls. 22) e com o indicado pelo fabricante como original de fábrica (fls. 13).

5.      Como pontificava SYLVIO DO AMARAL: “Não se pode conceber a ideia de falsificação desacompanhada da ideia de semelhança, pois não se coaduna aquele conceito com o de dissemelhança” (Falsidade documental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1958. pág. 61).

Solução: deixo de oferecer denúncia ou de designar outro representante ministerial para fazê-lo e insisto no arquivamento promovido pelo Órgão do Ministério Público.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado com o escopo de apurar suposto crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311 do CP), que teria sido cometido, em tese, por (...).

A investigação teve início quando o suspeito compareceu à Delegacia de Polícia para a realização da vistoria em seu automóvel, visando à transferência de proprietário.

Os policiais notaram, na oportunidade, possível adulteração do chassi, motivo pelo qual apreenderam o bem e requisitaram a realização de perícia.

Apurou-se, ao final do procedimento inquisitorial, que se cuidava de veículo de origem lícita, o qual foi submetido a reparos mecânicos e de funilaria, tendo o agente, neste contexto, substituído a chapa onde se apoiava a plaqueta com o número do chassi. Este, porém, não foi alterado.

O Douto Promotor de Justiça de São Bento do Sapucaí requereu a remessa do expediente à Capital, local onde a conduta teria sido perpetrada (fls. 100/101).

A mui competente Representante Ministerial em exercício na 3ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, em judiciosa manifestação, pugnou pelo arquivamento dos autos, considerando ter havido mera infração administrativa (fls. 106/109).

O MM. Juiz, contudo, julgou improcedentes as razões invocadas e aplicou à espécie o art. 28 do CPP, ordenando o encaminhamento do inquérito a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 110).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Digno Julgador, cremos que se mostra inviável o oferecimento de denúncia.

Impende sublinhar que a infração penal descrita no art. 311 do CP constitui delito contra a fé pública e, como tal, submete-se à presença dos elementos indispensáveis à caracterização dos crimen falsii.

Conforme pontificava SYLVIO DO AMARAL, tais requisitos se consubstanciam nos seguintes:

a) a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante (immutatio veritatis);

b) a imitação da verdade (immitatio veritatis);

c) a potencialidade de dano (falsum punitur licet nemini damun inferret, sufficit enim quod potuit damnum inferre);

d) o dolo (animus fallendi).

Cuida-se a immutatio veritatis da essência do delito, pois o que busca o falsário não é outra coisa senão alterar a verdade, modificando as condições relativas a um fato ou relação jurídica.

Complementando o requisito anterior, entende-se indispensável a imitação da verdade (immitatio veritatis), ou seja, o meio executivo do qual se vale o agente deve ter como alvo a reprodução do verdadeiro, de modo a iludir as pessoas.

A immitatio veritatis e a potencialidade de dano guardam, como de resto todos os itens expostos, verdadeira interdependência.

Recorde-se, nesse sentido, que a lei penal visa tutelar a força probante dos documentos (em sentido lato), por meio do reforço à crença de sua veracidade e autenticidade. Se a falsificação for grosseira ou inverossímil, o objeto produzido ou modificado será totalmente incapaz de enganar as pessoas, de modo que o agente não lesará a fé pública ou seu consectário, a segurança no tráfico jurídico probatório.

Note-se que não se exige dano efetivo, mas possibilidade de dano (essa é justamente a diferença entre os “crimes contra a fé pública” e os delitos contra o patrimônio que têm o falso como meio executivo). “Se a ação do falsário é dirigida no sentido de modificar o documento, visando primordialmente alterar suas qualidades intrínsecas ou extrínsecas como meio de prova de fato juridicamente relevante, basta que se criem condições de perigo de alteração da verdade a dano de outrem para a perfeita integração do crime consumado de falsidade; ao contrário, sempre que a enunciação mendaz feita através da falsificação não passa de meio ardiloso de que se vale o agente para ludibriar o ofendido, isto é, de instrumento material da fraude cometida, a figura delituosa (estelionato, sob qualquer de suas formas) se terá por meramente tentada, quando o prejuízo não vier a concretizar-se”[1].

Pondere-se ainda que o prejuízo visado não precisa ser de natureza econômica, mas de qualquer ordem, conquanto possa ter o condão de macular algum bem ou direito alheio.

Exige-se, por derradeiro, ação dolosa.

Pois bem. No caso em tela, o indiciado não adulterou qualquer sinal identificador do automóvel. Apenas procedeu a reparos necessários no veículo, retirando a chapa sobre a qual se apoiava a plaqueta de identificação, com o número do chassi, que foi posteriormente recolocada sobre a parte nova.

Frise-se que o número retratado no chassi confere, exatamente, com aquele constante do documento (CRVL de fls. 25), com os registros na PRODESP (fls. 22) e com o indicado pelo fabricante como original de fábrica (fls. 13).

Inexistiu, destarte, imitação da verdade e, via de consequência, qualquer mácula à fé pública.

Como ensinava SYLVIO DO AMARAL: “Não se pode conceber a ideia de falsificação desacompanhada da ideia de semelhança, pois não se coaduna aquele conceito com o de dissemelhança[2].

Diante do exposto, deixo de oferecer denúncia ou de designar outro representante ministerial para fazê-lo e insisto no arquivamento promovido pelo Órgão do Ministério Público.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 09 de junho de 2011.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

/aeal



[1]  AMARAL, Sylvio do. Falsidade documental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1958. pág. 67.

[2] AMARAL, Sylvio do. Falsidade documental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1958. pág. 61.