Protocolado nº 75.600/08 – art. 28 do CPP
Inquérito policial nº 85/06 – MM. Juízo Criminal da Comarca de Cafelândia
Indiciados: (...) E (...)
Cuida-se
de inquérito policial instaurado para apurar crime de dano qualificado (CP,
art. 163, par. ún., inc. III), que teria sido cometido pelos indiciados, detentos
da Cadeia Pública de Cafelândia, no dia 07 de novembro de 2006, por volta das 09
horas e 30 minutos.
A Douta Promotora de
Justiça oficiante requereu o arquivamento do feito, alegando que o crime não se
perfaz quando a intenção do agente é a de alcançar fuga (fls. 85/86).
Discordando da
manifestação, o MM. Juiz aplicou a regra do art. 28 do CPP, e remeteu os autos
a esta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 87/93).
É
o relatório.
O
presente protocolado aborda clássica divergência doutrinária e jurisprudencial,
consistente em saber se o preso que destrói patrimônio público, visando à fuga,
incorre no crime do art. 163, par. ún., inc. III, do CP.
A
discussão gravita em torno da existência (ou não) de elemento subjetivo
específico no tipo penal em questão.
Pois
bem. As elementares contidas na cabeça do artigo contém elementos de ordem
puramente objetiva: destruir, inutilizar
ou deteriorar coisa alheia.
Daí
já se nota que, com a devida vênia da tese abraçada pela competente Promotora
de Justiça oficiante, atribuir ao tipo requisitos não exigidos no texto legal é
criar embaraços inexistentes à correta aplicação da lei penal.
Cuida-se
o dano de crime doloso, para o qual basta a consciência e vontade de destruir
etc. coisa alheia. A lei não especifica qualquer finalidade ulterior, de modo a
se diferenciar entre dano (doloso) punível ou impunível e, onde a lei não
distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo.
Acrescente-se,
ainda, que o parágrafo único, ao dispor a respeito do dano qualificado,
determina a imposição de pena mais severa, v.g.,
quando o delito é cometido por motivo egoístico (inc. IV, primeira figura). Eis
aí um elemento subjetivo específico. Ora, se o propósito do agente se traduz na
satisfação de um desejo egoístico, incorre na citada qualificadora, sendo outra
sua finalidade (caso dos autos), comete dano simples (salvo se presente outra
exasperante).
DAMÁSIO
DE JESUS leciona que “o elemento subjetivo
do tipo do crime de dano é simplesmente o dolo, a vontade de destruir,
inutilizar ou deteriorar coisa alheia. O tipo não exige qualquer outro elemento
subjetivo ulterior” (Código Penal
Anotado. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pág. 621-622).
GUILHERME NUCCI, de sua parte, pondera
que “não se exige, no tipo penal,
qualquer elemento subjetivo específico, consitente na intenção de causar
prejuízo. Logo, se destruir ou deteriorar
a cela para escapar, merece responder pelo que fez” (Código Penal Comentado. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2003. pág. 555).
Nossos
tribunais possuem precedentes nesse sentido:
“EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS
CORPUS". CRIME DE DANO. PRESO QUE DANIFICA A CELA PARA FUGIR. EXIGÊNCIA
APENAS DO DOLO GENÉRICO. CP, art. 163, paragrafo único, III.
I. - Comete o crime de dano qualificado o
preso que, para fugir, danifica a cela do estabelecimento prisional em que esta
recolhido. Cod. Penal, art. 163, parag. único, III.
II. - O crime de dano exige, para a sua configuração,
apenas o dolo genérico.
III. - H.C. indeferido.
STF, H.C. n. 73189, rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJU de 29-03-1996, pág. 9.346).
Vide, ainda, TAMG, RT 708/345 e
740/676-7; TACrimSP, RT 683/331 e
754/650.
É relevante anotar que, in casu, o comportamento dos agentes
resultou em danos materiais ao patrimônio público, sendo o fundamento político
criminal da maior punibilidade do ato a natureza dos bens lesados, que
constituem res publicae, de modo que
toda a sociedade arca com sua reparação.
Não se pode deixar de
registrar, por derradeiro, dois aspectos destacados pelo i. magistrado. A
Cadeia Pública alvo da ação predatória dos indiciados passara por recente
reforma, que visou a recuperá-la das destruições anteriores provocadas pelos
próprios detentos. Além disso, a finalidade de fuga não ficou plenamente
caracterizada nos autos, notadamente em face das declarações dos próprios
increpados, os quais negaram dita intenção (v. fls. 10 e 45).
Diante do exposto,
designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia, bem como para
prosseguir no feito em seus ulteriores termos. Expeça-se portaria.
São
Paulo, 20 de junho de 2008.
FERNANDO
GRELLA VIEIRA
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA