Código de Processo Penal Militar, Art. 397

Protocolado n.º 76.822/14

Autos n.º 69.587/13 – MM. 1.ª Auditoria Militar do Estado de São Paulo

Indiciado: (...)

Assunto: indeferimento do pedido de remessa dos autos à Vara Comum (arquivamento indireto)

 

EMENTA: CPPM, ART. 397. ARQUIVAMENTO INDIRETO. PEDIDO DE REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA COMUM, EFETUADA PELO DOUTO PROMOTOR DE JUSTIÇA MILITAR. INDEFERIMENTO JUDICIAL. CONDUTA APARENTEMENTE SUBSUMÍVEL AO ART. 311 DO CPM E AO ART. 301, §1.º, DO CP. POLICIAL MILITAR QUE FALSIFICA ATESTADOS MÉDICOS PARA ABONAR FALTAS AO SERVIÇO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS PENAIS. PREVALÊNCIA DO TIPO ESPECIAL. DELITO MILITAR CONFIGURADO. DESIGNAÇÃO DE OUTRO PROMOTOR DE JUSTIÇA PARA OFERECER DENÚNCIA.

1.     Registre-se, inicialmente, que, muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura ocorre justamente quando o representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo endereçamento do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere. Não pode o magistrado, em semelhante cenário, obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional e, além disto, o princípio da demanda.

2.     A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP (ou seu correspondente no CPPM, o art. 397).

3.     EUGÊNIO DE OLIVEIRA PACELLI e DOUGLAS FISCHER ponderam a respeito do tema que a solução, na falta de dispositivo expresso na legislação, partiu da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal: “Assentou-se, então, que o juiz, não concordando com a manifestação ministerial, deveria valer-se do disposto no art. 28 do CPP (art. 62, LC n. 75/93, no âmbito do Ministério Público Federal), submetendo a questão à instância de revisão do respectivo parquet. O entendimento ali adotado determinaria, então, ou a designação de outro membro para o oferecimento de denúncia, ou a remessa dos autos ao juiz cuja competência tenha sido apontada na manifestação do Ministério Público. Por isso, por não se tratar propriamente de um arquivamento, já que não se alega a ausência de crime e nem de provas de sua existência, cunhou-se a expressão arquivamento indireto, cujo maior mérito é, repetimos, apresentar uma solução para o então insuperável entrave na persecução penal” (Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência, São Paulo, Atlas, 2012, p. 76).

4.     A ação praticada, consistente na contrafação de atestado médico, constitui falsidade material atentatória à administração militar, consoante define o art. 311 do CPM (crime militar) e, aparentemente, falsificação de atestado médico efetuada por quem não ostenta a condição profissional necessária à sua emissão, ato subsumível ao art. 301, §1.º, do CP (crime comum).

5.     A mesma atitude, porém, não pode configurar, a um só tempo, duas infrações, sob pena de irremediável bis in idem. A solução deste conflito aparente de normas há de ser pautada pela utilização dos critérios doutrinários consubstanciados na especialidade, subsidiariedade, consunção ou alternatividade.

6.     A especialidade se caracteriza quando apresentam, entre si, relação de gênero e espécie, de tal modo que uma contenha todas as elementares de outra, acrescida de componentes especializantes. A subsidiariedade, a seu turno, pressupõe que os tipos descrevam diferentes graus de violação do mesmo bem jurídico, prevalecendo a norma primária sobre a famulativa, cuja incidência somente se dá quando a anterior, por qualquer motivo, não puder ser aplicada. A consunção ocorre quando um crime é praticado como fase normal de preparação ou execução de outro, de tal maneira que o delito-fim absorva a infração-meio. A alternatividade, por fim, se dá quando houver tipo misto alternativo e as ações forem cometidas em sequência, uma da outra, recaindo todas sobre o mesmo objeto material.

7.     No caso em tela, a relação que se destaca entre os dispositivos inicialmente apontados é de gênero e espécie. A norma especial, com efeito, revela-se como aquela descrita no art. 311 do CPM, notadamente porque a conduta perpetrada configura falsificação material de documento, de modo a atentar contra a administração militar. Os atestados médicos espúrios, deveras, visavam a abonar ausências ao serviço e foram apresentados pelo agente com esse fim.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

                             

 

Cuida-se de inquérito policial militar instaurado visando à apuração da suposta prática da infração descrita no art. 311 do CPM (combinado com o art. 9.º, II, “e”, do mesmo Diploma) cometida, em tese, por (...).

Isto porque, no dia 17 de setembro de 2013, o agente teria apresentado na Unidade Integrada de Saúde atestados médicos de autenticidade duvidosa, objetivando substitui-los e validá-los para justificar suas faltas ao serviço.

A Douta Representante do Ministério Público oficiante na esfera da Justiça Castrense, recebendo o procedimento, ponderou que o Código Penal Militar não prevê a conduta daquele que falsifica materialmente atestado médico sem ter a competência para emaná-lo.

O comportamento perpetrado pelo suspeito, assim, se subsumiria ao tipo penal previsto no art. 301, §1.º, do CP, e o uso dos documentos espúrios configuraria o delito disciplinado pelo art. 304 do CP, requerendo, em consequência, o envio do expediente ao MM. Juízo Comum (fls. 85/88).

O Digníssimo Magistrado, contudo, discordou de tal posicionamento, por vislumbrar sua competência para conduzir o caso, encaminhando-o a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 397 do CPPM (fls. 90/96).

Eis a síntese do necessário.

Registre-se, inicialmente, que, muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura ocorre justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo endereçamento do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere.

Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional, mas, sobretudo, o princípio da demanda.

A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

EUGÊNIO DE OLIVEIRA PACELLI e DOUGLAS FISCHER ponderam a respeito do tema que a solução, na falta de dispositivo expresso na legislação, partiu da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal:

“Assentou-se, então, que o juiz, não concordando com a manifestação ministerial, deveria valer-se do disposto no art. 28 do CPP (art. 62, LC n. 75/93, no âmbito do Ministério Público Federal), submetendo a questão à instância de revisão do respectivo parquet. O entendimento ali adotado determinaria, então, ou a designação de outro membro para o oferecimento de denúncia, ou a remessa dos autos ao juiz cuja competência tenha sido apontada na manifestação do Ministério Público. Por isso, por não se tratar propriamente de um arquivamento, já que não se alega a ausência de crime e nem de provas de sua existência, cunhou-se a expressão arquivamento indireto, cujo maior mérito é, repetimos, apresentar uma solução para o então insuperável entrave na persecução penal” (Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência, São Paulo, Atlas, 2012, p. 76).

 

Pois bem. A razão se encontra com o MM. Juiz, com a máxima vênia do Ilustre Membro Ministerial; senão, vejamos.

 

Dos fatos

Consta do feito, em breve resumo, que o suspeito, encontrando-se de folga no dia 17 de setembro de 2013, se apresentou à Unidade Integrada de Saúde para substituição e validação de três atestados médicos emitidos pelo Hospital Regional de Itapetininga, referentes aos dias 11 e 25 de agosto e 07 de setembro de 2013, visando a justificar ausências ao serviço.

A Soldado PM (...) devolveu ao indiciado os dois primeiros, pois o prazo para entrega havia se expirado, e sua permuta só poderia ser feita mediante apresentação de um ofício de seu Comandante justificando o motivo pelo qual não fora realizada no tempo devido.

Esta remeteu o atestado ao 1.º Tenente PM (...), a qual suspeitou de sua autenticidade, solicitando os outros dois ao investigado; examinando-os, duvidou de sua validade.

(...), ao ser interrogado, permaneceu em silêncio (fls. 05/07).

O nosocômio informou constar de seus registros o atendimento do averiguado nos dias 12 e 25 de agosto e 07 de setembro de 2013 (fl. 67).

Os atestados foram objeto de análise técnica, concluindo o laudo pericial encartado a fls. 68/74 que os documentos datados de 25 de agosto e 07 de setembro seriam produtos de contrafação efetivada por processo eletrônico.

O 1.º Tenente PM encarregado do IPM entendeu presentes indícios de crime militar, capitulado no art. 311 do CPM (fls. 75/78), com o que concordou o Tenente Coronel PM Comandante (fls. 79/82).

 

Do enquadramento típico da conduta

O fato cometido pelo indiciado se amolda, em tese, aos tipos penais excogitados tanto pelo Digníssimo Magistrado quanto pela Douta Promotora de Justiça.

A ação, com efeito, constitui falsidade material atentatória à administração militar, consoante define o art. 311 do CPM e, aparentemente, falsificação de atestado médico efetuada por quem não ostenta a condição profissional necessária à sua emissão, ato subsumível ao art. 301, §1.º, do CP.

A mesma atitude, porém, não pode configurar, a um só tempo, duas infrações, sob pena de irremediável bis in idem.

A solução deste conflito aparente de normas há de ser pautada pela utilização dos critérios doutrinários consubstanciados na especialidade, subsidiariedade, consunção ou alternatividade.

A especialidade se caracteriza quando apresentam, entre si, relação de gênero e espécie, de tal modo que uma contenha todas as elementares de outra, acrescida de componentes especializantes.

A subsidiariedade, a seu turno, pressupõe que os tipos descrevam diferentes graus de violação do mesmo bem jurídico, prevalecendo a norma primária sobre a famulativa, cuja incidência somente se dá quando a anterior, por qualquer motivo, não puder ser aplicada.

A consunção ocorre quando um crime é praticado como fase normal de preparação ou execução de outro, de tal maneira que o delito-fim absorva a infração-meio.

A alternatividade, por fim, se dá quando houver tipo misto alternativo e as ações forem cometidas em sequência, uma da outra, recaindo todas sobre o mesmo objeto material.

No caso em tela, a relação que se destaca entre os dispositivos inicialmente apontados é de gênero e espécie.

A norma especial, com efeito, revela-se como aquela descrita no art. 311 do CPM, notadamente porque a conduta perpetrada configura falsificação material de documento, de modo a atentar contra a administração militar.

Os atestados médicos espúrios, com efeito, visavam a abonar ausências ao serviço.

Em face do exposto, conhece-se da presente remessa, designando-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos e, considerando a existência de delito militar, oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 28 de maio de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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