Protocolado nº 77.211/08 – CPP, art. 28

Autos nº 081/07 -  MM. Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Aguaí

Indiciado: (...)

 

 

 

 

 

                                     O presente inquérito policial foi instaurado para apurar a prática, em tese, de crime previsto do art. 28 da Lei n. 11.343/06 por parte do investigado (...).

 

                                      O Douto Promotor de Justiça requereu o arquivamento dos autos, sustentando a atipicidade da conduta atribuída ao agente (fls. 40/41).

 

                                     A MM. Juíza, discordando da manifestação, remeteu os autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com fundamento no art. 28 do CPP (fls. 42/43).

 

                                     É o relatório.

 

                                      No caso sub examen, policiais militares flagraram o agente portando cigarro de “maconha” (Cannabis sativa L).

 

                                      Cuida-se versão uníssona (fls. 03 e 04).

 

                                      A substância foi apreendida (fls. 07) e periciada (fls. 29), confirmando-se sua natureza psicoativa.

 

                                      No mérito, a tese abraçada pelo competente Promotor de Justiça mostra-se, com a devida vênia e respeitada (obviamente) sua independência funcional, inaceitável.

 

                                      O art. 28 da Lei n. 11.343/06, em que pese não imponha pena privativa de liberdade, consubstancia, sem sombra de dúvidas, infração penal. O vetusto art. 1º da LICP (D.L. 3.914/41), pelo qual os ilícitos penais são sancionados com reclusão, detenção ou prisão simples, não pode servir como vetor de interpretação para normas jurídicas promulgadas no século XXI, sob outro regime constitucional.

 

                                      É induvidoso que o Texto Maior autoriza a existência de crime sem a cominação de pena privativa de liberdade, seja pelo que expressamente dispõe o art. 5º, inc. XLVI, seja por contemplar a responsabilidade penal da pessoa jurídica (arts. 173, § 5º e 225, § 3º).

 

                                      Ademais, o art. 28 da Lei de Drogas encontra-se no Capítulo intitulado “Dos crimes e das penas” e, na esteira do precedente do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, “seria presumir o excepcional se a interpretação da L. 11.343/06 partisse de um pressuposto desapreço do legislador pelo ‘rigor técnico’, que o teria levado – inadvertidamente – a incluir as infrações relativas ao usuário em um capítulo denominado ‘Dos Crimes e das Penas’” (trecho do voto proferido na Questão de Ordem no RExt. n. 430.105, j. 13.02.2007, DJU 27.04.2007, p. 69).

 

                                      O fato de as penas cominadas não admitirem a conversão em privativa de liberdade, da mesma forma, não altera a conclusão, vez que tal proibição já existe em nosso ordenamento penal desde a promulgação da Lei n. 9.268/96.

 

                                      O dispositivo em exame, também do ponto de vista material, traduz infração penal. De notar que a conduta descrita (na Lei e neste caso concreto) ofende o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, a saber, a saúde pública. É relevante sublinhar que a Lei não tipifica o simples uso ou consumo, mas o ato de adquirir, guardar, etc. drogas, visando ao consumo pessoal, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

 

                            No sentido de que o fato constitui infração penal encontra-se a melhor doutrina: Vicente Greco Filho e João Daniel Rossi, Lei de Drogas Anotada – Lei n. 11.343/06. 1ª ed., 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2007. pp. 43 e segs.; Fernando Capez, Curso de Direito Penal, vol. 4. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 689 e segs.; Guilherme Souza Nucci, Leis penais e processuais penais comentadas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 303; Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio, Legislação Penal Especial. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 100; Rômulo de Andrade Moreira. A Nova Lei de Tóxicos: Aspectos Procedimentais. Revista Magister, n. 14, pág. 97; Júlio Victor dos Santos Moreira, A posse ou porte de drogas e a nova Lei Antitóxico. Revista Prática Jurídica, ano VI, n. 58, pág. 40; João José Leal. Nova Lei n. 11.343/2006: Descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas? Boletim do IBCCrim n. 169, pág. 02.

  

                                      Diante do exposto, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia ou propor transação penal em face do agente, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria.

 

                                     São Paulo, 25 de junho de 2008

 

                                     FERNANDO GRELLA VIEIRA

                                     Procurador-Geral de Justiça