Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 77.356/12

Autos n.º 233/11 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal do Foro Distrital de Bastos

Autor do fato: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de termo circunstanciado

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. DIREÇÃO PERIGOSA (LCP, ART. 34). ARQUIVAMENTO FUNDADO NA ATIPICIDADE DECORRENTE DA AB-ROGAÇÃO DA CONDUTA PELO CTB. DESCABIMENTO. SUBSISTÊNCIA DO DISPOSITIVO LEGAL MENCIONADO, O QUAL FOI DERROGADO SOMENTE NO TOCANTE AOS COMPORTAMENTOS DEFINIDOS NO ARTS. 306, 308, 309 E 311 DO CTB. SUBSISTÊNCIA NO QUE TANGE ÀS DEMAIS HIPÓTESES DE CONDUÇÃO PERIGOSA. PROSSEGUIMENTO DO TERMO CIRCUNSTANCIADO.

1.     Deve-se registrar que com a edição da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), o art. 34 da Lei das Contravenções Penais foi parcialmente revogado, subsistindo a contravenção quanto à direção perigosa de indivíduo habilitado, afora os casos previstos nos arts. 306 e 311 do CTB.

2.     Há, na espécie, antinomia aparente (solucionável mediante subsunção), própria (entre normas jurídicas), de primeiro grau, em que operam, na solução do conflito, dois critérios: o temporal e o da especialidade, cumprindo estabelecer que, em situações como a que se afigura, convivem harmonicamente ambos os tipos penais, desde que se entenda conter o crime anão o tipo geral e os delitos de trânsito, os especiais.

3.     Nesse sentido, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, como se poder conferir, entre outros, no julgamento do RSE n. 0005548-76.2012.8.26.0318, rel. Des. Damião Cogan.

4.     Pondere-se, ademais, que descabe falar em bis in idem decorrente da caracterização de infração administrativa, isto porque o art. 256, § 1.°, do CTB estabelece: “A aplicação das penalidades previstas neste Código não elidem as publicações originárias de ilícitos penais decorrentes de crime de trânsito, conforme disposições de lei”.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para prosseguir no expediente e verificar o cabimento de transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/95).

 

O presente termo circunstanciado foi instaurado para apurar a suposta prática da contravenção penal de direção perigosa (LCP, art. 34) perpetrada, em tese, por (...).

O Douto Promotor de Justiça, ao término da investigação, postulou o arquivamento do feito, justificando-o por considerar atípica a conduta atribuída ao agente (fls. 31/34).

O MM. Juiz, discordando do posicionamento ministerial, determinou sua remessa a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 36/37).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial, não cremos que lhe assista razão.

Deve-se frisar que, segundo os elementos de informação colhidos, no dia 20 de fevereiro de 2011, no período vespertino, policiais militares presenciaram o sujeito conduzindo veículo automotor e, depois de efetuarem a ordem de parada para inspeção, notaram que desobedeceu ao comando emanado e se evadiu em alta velocidade, colocando em perigo a vida dos demais motoristas e pedestres.

Nesse sentido as declarações do miliciano, colhidas a fls. 09/10.

O genitor do investigado alegou que seu filho assim procedeu porque, embora habilitado (conforme se demonstrou a fls. 23), ainda não portava o documento, atribuindo sua conduta à inexperiência (fls. 11).

O suspeito admitiu ter desobedecido à ordem de parada (fls. 12).

Pois bem.

O conjunto probatório acima sintetizado demonstra que (...) dirigiu veículo em via pública pondo em perigo a segurança alheia.

Com relação à vigência da norma incriminadora insculpida no art. 34 da Lei de Contravenções Penais, é preciso anotar que, no confronto entre tal dispositivo e aqueles definidos no Código de Trânsito, percebe-se que não há total incompatibilidade.

Isto porque as condutas incriminadas pela Lei n. 9.503/97, relacionadas com a condução anormal do automóvel, gerando ou não perigo de dano, possuem natureza especial em relação à contravenção. É o que se infere pelo escrutínio dos tipos contidos nos arts. 306, 308, 309 e 311 do CTB.

Há, na espécie, antinomia aparente (solucionável mediante subsunção), própria (entre normas jurídicas), de primeiro grau, em que operam, na solução do conflito, dois critérios: o temporal e o da especialidade, cumprindo estabelecer que, em situações como a que se afigura, convivem harmonicamente ambas as normas penais, desde que se entenda conter o crime anão o tipo geral e os delitos de trânsito, os especiais.

Nessa linha, o pensamento de José Marcos Marrone,

 

“Quanto às outras formas de direção perigosa (fazer ziguezague pela pista, realizar cavalo-de-pau com automóvel, dar fechada proposital, empinar motocicleta em praça pública), aplica-se o art. 34 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei n° 3.688, de 3-10-41), que não foi revogado.

No mencionado encontro realizado pela Escola Superior do Ministério Público, em 3 de abril de 1998, foi aprovada uma conclusão nessa esteira:

[O art. 34 da LCP foi apenas parcialmente revogado, uma vez que a ocorrência de condutas de dirigir embriagado ou imprimir velocidade incompatível enseja a incidência dos art. 306 ou 311 do CTB, ao passo que as demais formas de direção perigosa acarretam o reconhecimento da norma constitucional.] (conclusão publicada no DOE, Poder Executivo, seção I, de 9-4-98, p. 34)” (Delitos de Trânsito: aspectos penais e processuais do código de trânsito brasileiro: Lei n° 9.503/97, São Paulo, Atlas, 1998, p. 68).

 

No mesmo sentido, o sempre abalizado escólio de Damásio de Jesus (in Crimes de Trânsito, Saraiva, 1998, pág. 207).

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu nessa mesma linha, como se pode conferir, entre outros, no julgamento do R.S.E. n. 0005548-76.2012.8.26.0318, rel. Des. Damião Cogan, cujo trecho do acórdão ora se transcreve:

 

“... Além disso, ficaria a contravenção do artigo 34 da Lei das Contravenções Penais (direção perigosa de veículo) necessariamente integrada ao tipo penal do ‘crime de direção inabilitada’? É lógico que tal fato foge ao bom senso.

A contravenção de direção perigosa de veículo permanece como ‘contravenção residual’ quando o agente não pratica as condutas do artigo 306 (...), 308 (...) e 311 (...)”.

 

Pondere-se, ademais, que descabe falar em bis in idem decorrente da caracterização de infração administrativa, isto porque o art. 256, § 1.°, do CTB estabelece:

 

“A aplicação das penalidades previstas neste Código não elidem as publicações originárias de ilícitos penais decorrentes de crime de trânsito, conforme disposições de lei”.

 

De acordo com Ruy Carlos de Barros Monteiro,

 

“É preciso não esquecer que a satisfação da multa administrativa, imposta por autoridade de trânsito, não impede a cominação da sanção pecuniária penal: em outras palavras, a aplicação de ambas não caracteriza o bis in idem” (Crimes de Trânsito e a aplicação da Lei n° 9.099, de 26.09.1995, e a responsabilidade civil: jurisprudência do STF e do STJ, atualizada até 29 de junho de 1998, São Paulo, Editora Juarez de Oliveira: grifos do autor).

 

Diante disso, conhece-se da presente remessa para designar outro promotor de justiça para oficiar nos autos, propondo transação penal ou oferecendo denúncia (nos termos do art. 76 da Lei n. 9.099/95), bem como prosseguir no feito em seus ulteriores termos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

 

São Paulo, 29 de maio de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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