Código de Processo Penal, art. 28       

Protocolado n.º 77.896/11

Autos n.º 59/09 – MM. Juízo da Vara Judicial da Comarca de Santo Anastácio

Querelante: (...)

Querelada: (...)

Assunto: análise de proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. TRANSAÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ARTS. 76 E 89 DA LEI N. 9.099/95). APLICABILIDADE DO INSTITUTO AOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE EXISTA ANUÊNCIA DO QUERELANTE E A PROPOSTA SEJA FORMULADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1.     A aplicação da transação penal e da suspensão condicional do processo às infrações que se processam mediante queixa, em que pese haja dissídio doutrinário e jurisprudencial a respeito, parece-nos viável, conquanto se preserve a titularidade do Ministério Público para análise e formulação da respectiva proposta. Nesse sentido, inclusive, o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (RHC n. 17.061, rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6ª Turma, julgado em 30/05/2006, DJE de 26/06/2006, p. 199).

2.     Ocorre, entretanto, que a confecção da proposta pressupõe, além disso, a anuência do querelante. Calha a pena citar, neste diapasão, texto da lavra de LUIS ANTÔNIO DE SOUZA, que chega a conclusão semelhante à que ora se propugna:  “A doutrina, vacilante de início, acabou por admitir a aplicação, por analogia, do disposto na primeira parte do art. 76, para incidir também nas infrações mediante queixa. Também assim em relação à suspensão do processo. Atualmente é corrente o entendimento do cabimento da suspensão aos crimes de ação penal privada (exclusivamente privada ou personalíssima). (...) Como se vê, o STJ admitiu a proposta de transação penal por parte do Ministério Público em não havendo formal oposição do querelante, donde concluir que este tem primazia na decisão pela proposta ou não. E o mesmo raciocínio pode-se aplicar à suspensão do processo, a qual poderá ser formulada pelo parquet, nos crimes de ação penal privada, desde que não se oponha o querelante” (“in”, Revista Jus Vigilantibus http://jusvi.com/artigos/14573; acesso em 26 de janeiro de 2011).

3.     Na hipótese vertente, a autora manifestou expressamente sua discordância com qualquer medida despenalizadora em favor da ré.

Solução: deixo de propor a transação penal ou a suspensão condicional do processo, ou mesmo de designar outro promotor de justiça para fazê-lo, e insisto no prosseguimento do feito.

 

 

Cuida-se de queixa-crime movida por (...) em face de (...), imputando-lhe a prática, em tese, de difamação agravada (CP, art. 139 c.c. 141, II).

A petição inicial foi recebida, após restar infrutífera tentativa de conciliação (fls. 36/37). Encerrada a instrução, em sede de alegações finais, as partes apresentaram memoriais escritos (fls. 75/78, 80/82 e 84/94).

A MM. Juíza proferiu sentença, julgando parcialmente procedente a demanda (fls. 96/102), interpondo a querelada recurso de apelação (fls. 107/115), devidamente contrarrazoado (fls. 118/125 e 127/130).

O inconformismo foi devidamente processado, tendo o Douto Membro do Parquet ofertado parecer (fls. 134/137), ao qual se seguiu o v. acórdão prolatado pelo Colégio Recursal da 28.ª Circunscrição Judiciária de Presidente Venceslau, o qual anulou a decisão, para que fosse suscitada a manifestação do Ministério Público sobre a possibilidade de transação penal ou suspensão condicional do processo (fls. 139/143).

Baixados os autos, designou-se a respectiva audiência (fls. 151), tendo a querelante manifestado sua discordância quanto ao oferecimento dos benefícios à ré.

O Ilustre Representante Ministerial, diante desse quadro, deixou de propor à agente as medidas previstas nos arts. 76 e 89 da Lei nº 9.099/95 (fls. 158/160), o que motivou a Digna Magistrada a remeter o procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls.159).

Eis a síntese do necessário.

Com respeito ao envio da questão a este Órgão, deve-se destacar que esta se deu em observância aos ditames constitucionais. O art. 129, inc. I, da CF, atribui ao MINISTÉRIO PÚBLICO a titularidade exclusiva da ação penal pública. Deveras, tratando-se do dominus litis, ao Parquet incumbe verificar a conveniência das medidas despenalizadoras contidas na Lei n. 9.099/95, notadamente da suspensão condicional do processo. Nesse sentido, a Súmula 696 do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

No que pertine à aplicação dos institutos às infrações que se processam mediante queixa, em que pese haver dissídio doutrinário e jurisprudencial a respeito, parece-nos correta a tese favorável ao seu cabimento, conquanto se preserve a titularidade do Ministério Público para análise e formulação da respectiva proposta. Nesse sentido, inclusive, o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A HONRA. LEI DE IMPRENSA. AÇÃO PENAL PRIVADA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. LEGITIMIDADE PARA O SEU OFERECIMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 89, DA LEI N.º 9.099/1995.

1. O benefício processual previsto no art. 89, da Lei n.º 9.099/1995, mediante a aplicação da analogia in bonam partem, prevista no art. 3.º, do Código de Processo Penal, é cabível também nos casos de crimes de ação penal privada. Precedentes do STJ.

2. Recurso provido”.

(STJ, RHC n. 17.061, rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6ª Turma, julgado em 30/05/2006, DJE de 26/06/2006, p. 199)

 

Ocorre, entretanto, que a confecção das propostas pressupõe, além disso, a anuência do querelante.

Calha a pena citar, neste diapasão, texto da lavra de ANDRÉ ESTEFAM e LUIS ANTÔNIO DE SOUZA, que chegam a conclusão semelhante à que ora se propugna:

“A doutrina, vacilante de início, acabou por admitir a aplicação, por analogia, do disposto na primeira parte do art. 76, para incidir também nas infrações mediante queixa. Também assim em relação à suspensão do processo. Atualmente é corrente o entendimento do cabimento da suspensão aos crimes de ação penal privada (exclusivamente privada ou personalíssima).

A jurisprudência brasileira comunga esse mesmo entendimento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela sua 5.ª T., no HC n. 13.337/RJ, rel. Min. Felix Fischer, j. em 15.5.2001, DJ de 13.8.2001, p. 181, proclamou que “A Lei n. 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada”. Mais recentemente, a 5.ª T. se pronunciou novamente, no HC n. 34.085/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 8.6.2004, DJ de 2.8.2004, p. 457, deixando estabelecido que “A Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou o entendimento no sentido de que, preenchidos os requisitos autorizadores, a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos crimes sujeitos a ritos especiais, inclusive aqueles apurados mediante ação penal exclusivamente privada. Ressalte-se que tal aplicação se estende, até mesmo, aos institutos da transação penal e da suspensão do processo”. Ainda nesse sentido o HC n. 33.929/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 19.8.2004, DJ de 20.9.2004, p. 312: “A Lei dos Juizados Especiais incide nos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais exclusivamente privadas”.

Tendo em conta que a lei só se refere à possibilidade de transação e suspensão propostas pelo Ministério Público, quem teria legitimidade para fazê-lo em se tratando de ação penal privada?

A doutrina que se manifesta a respeito diz que em razão da aplicação analógica do art. 76 à ação penal privada, deve-se permitir “que a faculdade de transacionar, em matéria penal, se estenda ao ofendido, titular da queixa-crime (...)”, isso porque “Como somente deste é a legitimidade ativa à ação, ainda que a título de substituição processual, somente a ele caberia transacionar em matéria penal, devendo o Ministério Público, nesses casos, limitar-se a opinar” (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 142-143).

Identicamente ocorre em relação à suspensão do processo. Admitido o instituto, previsto no art. 89, aos crimes de ação penal privada, caberia ao querelante formular a proposta.

Cabe, todavia, uma consideração. A transação penal e a suspensão do processo, atualmente, não são tidas como direito público subjetivo do autor do fato e do acusado. No tocante ao Ministério Público, vigora o princípio da discricionariedade regrada, devendo guiar-nos o contido na Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal (STF), aplicável a ambas as situações: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão do Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.

No tocante à vítima, porém, tratando-se de infrações de ação penal privada, outros princípios vigoram. Imperam os princípios da discricionariedade e da disponibilidade, daí porque, entendendo-se que a transação e a suspensão não são direito público subjetivo do autor do fato e do acusado, a sua formulação fica na estrita conveniência do ofendido, que, ao se recusar a formulá-las, inviabilizará a transação e a suspensão.

Nesse sentido, inclusive, decidiu o Egrégio STJ (quanto à transação penal). A Colenda 6.ª T., no RHC n. 8.123/AP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 16.4.1999, DJ de 21.6.1999, p. 202, deixou assentado que “Na ação penal de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo Juiz, é definitiva e irretratável”.

Como se vê, o STJ admitiu a proposta de transação penal por parte do Ministério Público em não havendo formal oposição do querelante, donde concluir que este tem primazia na decisão pela proposta ou não. E o mesmo raciocínio pode-se aplicar à suspensão do processo, a qual poderá ser formulada pelo parquet, nos crimes de ação penal privada, desde que não se oponha o querelante.

Enfim, é a conclusão, as infrações de ação penal privada admitem os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, os quais podem ser propostos pelo Ministério Público, desde que não haja discordância da vítima ou seu representante legal, o que impõe considerar que o ofendido é quem detém discricionariedade para a propositura”[1].

Admitida, em tese, a análise do benefício, cumpre verificar seus requisitos legais.

Ocorre que, conforme se nota pelo teor da ata de fls. 158/160, não houve a indispensável anuência da querelante acerca da medida, o que inviabiliza por completo sua formulação.

Incabíveis, destarte, o sursis processual e a transação penal. Por tal motivo, deixo de propô-los, ou mesmo de designar outro promotor de justiça para fazê-lo, e insisto no prosseguimento do feito.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 17 de junho de 2011.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

/aeal



[1] Em Revista Jus Vigilantibus (http://jusvi.com/artigos/14573); acesso em 26 de janeiro de 2011.