Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 78.248/11

Autos n.º 659/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Cotia

Ré: (...)

Assunto: cabimento de proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI N. 9.099/95). CP, ART. 184, §2º. PENA MÍNIMA DE DOIS ANOS DE RECLUSÃO. DECISÃO QUE RECONHECE, EM CARÁTER INCIDENTAL, A INCONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL. PRECLUSÃO. INOCORRÊNCIA. INCOMPATIBILIDADE VERTICAL COM A LEI MAIOR INEXISTENTE. PENA MÍNIMA SUPERIOR A UM ANO. DESCABIMENTO DO “SURSIS” PROCESSUAL.

1.     A medida despenalizadora requer se cuide de delito cuja pena mínima não ultrapasse um ano, configurando referido patamar óbice de caráter absoluto (STJ, HC 83.640, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 21.05.09, publicada no DJe de 15.6.09).

2.     Não há inconstitucionalidade no preceito secundário do art. 184, §2º, do CP. No que toca à readequação típica da conduta ou à modificação judicial do patamar punitivo, calha lembrar a lição de LUCIANO FELDENS, segundo a qual o princípio constitucional da proporcionalidade deve ser utilizado (cum grano salis), tão somente, quando se verificar gritante desproporção entre a sanção prevista e a gravidade concreta do ato. Com efeito, essa medida há de pressupor um excessivo e desarrazoado rigor punitivo. Como obtempera o mencionado autor: “Um tal juízo, consistente no deslocamento do fato a uma espécie normativa menos rigorosa, por implicar o afastamento, ainda que parcial e in concreto, da lei penal, não pode fazer-se sem mais. Pelo menos, conforme já aventado, não se pode fazê-lo mediante uma constatação eminentemente empírica sobre a desproporcionalidade de uma determinada medida, que nada mais seria do que uma concepção subjetiva de proporcionalidade ostentada pelo julgador. Reitere-se: apesar de não ser absoluta, a regra é, e seguirá sendo, a liberdade de configuração do legislador. Para contrarrestá-la, devemos encontrar pontos de apoio seguros. Não poderá o juiz, simplesmente, suplantar o legislador, limitando-se a dizer que tal ou qual situação é ofensiva do princípio da proporcionalidade porquanto assim lhe parece” (Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, pág. 195).

3.     Na hipótese retratada nestes autos, não parece que o princípio da proporcionalidade restou vulnerado, sobretudo quando se tem em mente sua perspectiva de proibição de proteção deficiente.

4.     Daí se infere, conforme exposto na denúncia, que o comportamento da acusada se subsume ao tipo penal descrito no art. 184, § 2.º, do CP, cuja pena mínima, repita-se, é de dois anos de reclusão.

5.     Deve-se obtemperar, ademais, que a r. decisão judicial que asseverou a suposta inconstitucionalidade da Lei n. 10.695/03 não tem caráter definitivo, daí porque se mostra irrelevante a ausência de interposição de recurso.

6.     Sabe-se que, no processo penal, vigora, ainda que com exceções, o princípio da irrecorribilidade, em separado, das interlocutórias simples.

7.     Como não se cuida de sentença, porém, a matéria não se encontra preclusa e, de certo, será objeto de impugnação ministerial, no momento oportuno.

Solução: deixo de propor a suspensão condicional do processo ou de designar promotor de justiça para fazê-lo e insisto na postura já adotada.

 

 

Cuida-se o presente feito de ação penal movida em face de (...), imputando-lhe, na peça inaugural de fls. D1-D2, o crime tipificado no art. 184, § 2.º, do CP, porquanto, no dia 07 de dezembro de 2007, foi surpreendida por policiais civis expondo à venda DVD’s aparentemente destituídos de originalidade.

A denúncia foi recebida (fls. 32 e 46), sendo regularmente citada a ré (fls. 37), a qual apresentou defesa preliminar (fls. 44/45).

Em sede de audiência de instrução, o MM. Juiz declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 1.º da Lei nº 10.695/03, na parte em que aumentou a pena mínima do tipo incriminador do §2.º do art. 184 do Código Penal para dois anos de reclusão, restabelecendo o piso anteriormente vigente, de um ano. Em razão disto, sustentou a aplicabilidade da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95) e abriu vista dos autos ao Parquet para se manifestar a respeito (fls. 71/72).

 A Douta Representante Ministerial, porém, deixou de fazê-lo, destacando haver expressa vedação legal (fls. 76).

O Digno Magistrado, ressaltando que não houve interposição de recurso contra a r. decisão proferida, encaminhou o procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP, aplicável à espécie por analogia (fls. 78).

Eis a síntese do necessário.

Em que pese os criteriosos argumentos desenvolvidos pelo MM. Julgador, cremos que não lhe socorre razão.

         Isto porque se mostra peremptoriamente descabida a concessão do benefício quando o piso punitivo excede um ano de prisão. Cite-se, a título de ilustração, o seguinte julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE USO DE DOCUMENTO FALSO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. CONCURSO MATERIAL. SOMATÓRIO DAS PENAS EM ABSTRATO SUPERIOR A 1 (UM) ANO. SÚMULA 243/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ORDEM DENEGADA.

1. Conquanto a Lei 10.259/01 tenha ampliado o conceito de crimes de menor potencial ofensivo também no âmbito da Justiça Estadual, derrogando o art. 61 da Lei 9.099/95, não houve alteração no patamar previsto para o instituto da suspensão condicional do processo, disciplinado no art. 89 da referida lei, que continua sendo aplicado apenas aos crimes cuja pena mínima não seja superior a 1 (um) ano.

2. No caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de oferecimento do sursis processual será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos. Precedentes do STJ.

3. Ordem denegada.”

(STJ, HC 83.640, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 21.05.09, publicada no DJe de 15.6.09; grifo nosso).

 

Com relação à profligada inconstitucionalidade da elevação da pena mínima ao delito imputado à agente, parece-nos que melhor sorte não assiste ao MM. Juiz.

Calha lembrar, nesse aspecto, a lição de LUCIANO FELDENS, segundo a qual o princípio constitucional da proporcionalidade deve ser sempre utilizado (cum grano salis) para promover a readequação típica de eventuais comportamentos, quando se verificar gritante desproporção entre a sanção prevista e a gravidade concreta da conduta. Com efeito, essa medida há de pressupor um excessivo e desarrazoado rigor punitivo.

Como obtempera o mencionado autor: “Um tal juízo, consistente no deslocamento do fato a uma espécie normativa menos rigorosa, por implicar o afastamento, ainda que parcial e in concreto, da lei penal, não pode fazer-se sem mais. Pelo menos, conforme já aventado, não se pode fazê-lo mediante uma constatação eminentemente empírica sobre a desproporcionalidade de uma determinada medida, que nada mais seria do que uma concepção subjetiva de proporcionalidade ostentada pelo julgador. Reitere-se: apesar de não ser absoluta, a regra é, e seguirá sendo, a liberdade de configuração do legislador. Para contrarrestá-la, devemos encontrar pontos de apoio seguros. Não poderá o juiz, simplesmente, suplantar o legislador, limitando-se a dizer que tal ou qual situação é ofensiva do princípio da proporcionalidade porquanto assim lhe parece” (Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, pág. 195).

Na hipótese retratada nestes autos, não parece que o princípio da proporcionalidade restou vulnerado, sobretudo quando se tem em mente sua perspectiva de proibição de proteção deficiente.

Daí se infere, conforme exposto na denúncia, que o comportamento da acusada se subsume ao tipo penal descrito no art. 184, § 2.º, do CP, cuja pena mínima, repita-se, é de dois anos de reclusão.

Deve-se obtemperar, ademais, que a r. decisão judicial que asseverou a suposta inconstitucionalidade da Lei n. 10.695/03 não tem caráter definitivo, daí porque se mostra irrelevante a ausência de interposição de recurso.

Sabe-se que, no processo penal, vigora, ainda que com exceções, o princípio da irrecorribilidade, em separado, das interlocutórias simples.

Caso se tratasse de decisão definitiva ou com força de definitiva, outra seria a conclusão, podendo se falar até mesmo em preclusão do reconhecimento da incompatibilidade vertical do Texto Legal suso citado.

Como não se cuida de sentença, porém, a matéria não se encontra preclusa e, de certo, será objeto de impugnação ministerial, no momento oportuno.

A propositura da suspensão condicional do processo afigurar-se-ia, diante de semelhante contexto, patentemente ilegal.

Destarte, deixo de propô-la ou de designar promotor de justiça para fazê-lo e insisto na postura já adotada, pugnando pelo prosseguimento regular do feito.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 17 de junho de 2011.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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