Protocolado nº 0078912/09 – Artigo 28 do Código de Processo Penal

Autos nº 268.01.2008.006297-2 – 4ª Vara Judicial de Itapecerica da Serra.

Indiciado: (...)

 

 

 

         A análise da incidência do Princípio da Insignificância requer comedimento, posto que compete ao Poder Legislativo a eleição dos bens jurídicos passíveis de proteção, não podendo o intérprete, de maneira aleatória e indiscriminada, simplesmente ignorar condutas lesivas. A proposta do Princípio da Insignificância não é ignorar a ação legislativa, mas avaliar a extensão do dano efetivado e concluir pela necessidade ou não de punição.

        Para que se possa cogitar da aplicação do Princípio em apreço deve ser demonstrada à saciedade a mínima ofensividade da conduta do agente; a inexpressividade da lesão provocada; a inexistência de periculosidade social da ação; e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta, sob pena de o aplicador da lei usurpar funções próprias do legislador.

 

 

 

                                      Cuida o presente expediente de inquérito policial instaurado em face de (...), por suposta prática de crime previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003.

 

                                      Segundo o apurado, no dia 28 de maio de 2008, por volta das 16 h 30, ao cumprirem mandado de busca e apreensão no sítio localizado na Estrada do Quimina nº 3.860, São Lourenço da Serra, Comarca de Itapecerica da Serra, policiais civis apreenderam 11 (onze) estojos para cartuchos de caça, calibre “28”, vazios; 03 (três) cartuchos de caça, calibre “28”, intactos; 01 (um) cartucho de caça, calibre “32”, intacto; 01 (um) cartucho de caça, calibre “36”, intacto; e 01 (um) cartucho, calibre “38”, intacto.

 

                                      A casa, objeto da diligência policial, pertence à (...), suspeito de ter participado de um homicídio qualificado.

 

                                      Encerrado o inquérito policial, depois de provada autoria e materialidade da infração, o órgão do Ministério Público de 1º Grau requereu o arquivamento dos autos, sustentando a aplicação in casu do princípio da insignificância.

 

                                      Discordando da fundamentação lançada e entendendo presentes os requisitos necessários ao oferecimento da competente denúncia, a insigne magistrada de 1º Grau determinou o encaminhamento dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, com fundamento no artigo 28 do Código de Processo Penal.

 

                                      É a síntese do necessário.

 

                                      Hans Welzel, considerado como um dos principais expoentes da Teoria da Ação Finalista, desenvolveu o princípio da adequação social, partindo da concepção de que as lesões insignificantes seriam excluídas do raio de incidência do Direito Penal. Buscando aperfeiçoar a aludida premissa, Claus Roxin, na tarefa de determinar o injusto penal,  desenvolveu o princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos penais, excluir as condutas de irrelevante importância.

 

                                      Inspirado no velho adágio latino minima non curat praetor, o princípio da insignificância ou bagatela atua como causa de exclusão da tipicidade penal, todas as vezes em que, apesar de determinadas condutas se amoldarem perfeitamente ao tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentarem qualquer relevância material, colocando em xeque a própria lesão ao bem jurídico que o legislador  procura proteger.

 

                                      “A análise de tal princípio requer comedimento e responsabilidade, posto que compete ao Poder Legislativo a eleição dos bens jurídicos passíveis de proteção, não podendo o intérprete, de maneira aleatória e indiscriminada, simplesmente ignorar condutas lesivas. A proposta do princípio da insignificância não é ignorar a ação legislativa, mas avaliar a extensão do dano efetivado e concluir pela necessidade ou não da punição”[1].

 

                                      Para que se possa cogitar da aplicação do princípio em apreço deve ser demonstrada à saciedade a mínima ofensividade da conduta do agente; a inexpressividade da lesão jurídica provocada; a inexistência de periculosidade social da ação; e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta[2]. Nenhum desses requisitos encontram-se presentes na hipótese versada nos autos.

 

                                      Pelo que se depreende da prova haurida na fase inquisitorial, o indiciado é suspeito de ter participado de um homicídio qualificado praticado por seu filho, (...), em face de (...), vulgo “(...)”. O apontado delito foi cometido com a utilização de uma espingarda, não localizada. Diante da fundada suspeita de participação do increpado, o r. Juízo da 1ª Vara Judicial de Itapecerica da Serra, nos autos nº 485/2007, expediu mandado de busca e apreensão junto ao local declinado, aonde foi apreendida a variada munição relacionado no laudo de p. 40/42.

 

                                      Confirmam tal versão acerca do ocorrido, os depoimentos de (...) (p. 11), (...) (p. 32), (...) (p. 33) e (...) (p. 34).

 

                                      Os elementos coligidos são suficientes ao oferecimento da competente denúncia, não havendo que se cogitar de eventual aplicação do princípio da insignificância, mormente em relação ao delito em apreço, relacionado a outro de indiscutível gravidade.

                                                        

                                     Diante do exposto, havendo elementos suficientes ao oferecimento da competente denúncia em face do indiciado, por violação ao disposto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003, designo outro Promotor de Justiça para a concretização de tal ato e prosseguimento nos ulteriores termos da ação penal. Expeça-se a competente Portaria. Publique-se.

 

 

                                     São Paulo, 03 de julho de 2009.

 

 

                                         Fernando Grella Vieira

                                Procurador-Geral de Justiça



[1] PONTE, Antonio Carlos da. Crimes Eleitorais. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 79.

[2] STF – HC 84.412-SP – rel. Min. Celso de Mello – 2ª T. – J. 19.10.2004. RTJ 192/964.