Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 83.443/12

Autos n.º 31/12 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto

Investigado: (...)

Assunto: controvérsia acerca da atribuição para oficiar em procedimento investigatório que apura crime de desobediência envolvendo o descumprimento de medidas protetivas estipuladas no âmbito da Lei Maria da Penha

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO INDIRETO. DETERMINAÇÃO JUDICIAL NO SENTIDO DE QUE O PROMOTOR OFICIANTE, QUE DECLINOU DE SUA ATRIBUIÇÃO, OFERECESSE DENÚNCIA. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE REMESSA À PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, EM RESPEITO AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS FIXADAS NO ÂMBITO DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06). CRIME DE DANO (CP, ART. 163, CAPUT) E DESOBEDIÊNCIA (CP, ART. 330). QUEIXA-CRIME AJUIZADA. PEDIDO DE ENVIO AO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL QUANTO AO DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. DESCABIMENTO. ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA ATUANTE NA ESFERA DO JUÍZO CRIMINAL. DESIGNAÇÃO DE OUTRO MEMBRO MINISTERIAL.

1.     No caso sub examen não houve pedido formal de arquivamento dos autos. De ver-se, contudo, que ocorreu o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e postula o envio do expediente a outro juízo supostamente competente e o magistrado, dissentindo do requerimento, o indefere.  Em tais situações, não pode o juiz obrigar o Promotor de Justiça a oferecer denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional. A solução viável em semelhantes situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

2.     Cuida-se o fato analisado do descumprimento de medidas protetivas impostas com base na Lei Maria da Penha, resultando na prática de crimes de dano e desobediência. Quanto ao último, deve o comportamento ser examinado na esfera do Juízo Comum, competente para os feitos relacionados com a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei n. 11.340/06. Sublinhe-se que o art. 14 da Lei Maria da Penha é expresso ao determinar: "Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher". Note-se que compete ao referido órgão judicial e, consequentemente, ao membro ministerial perante ele atuante, cuidar de toda e qualquer causa decorrente da multicitada forma de violência contra pessoas do sexo feminino. De mais a ver, o art. 41 do Diploma mencionado prescreve que: "Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

3.     Ainda que assim não fosse, a permanência do caso sob os cuidados do Juízo Criminal se justificaria pela presença da conexão, porquanto a comprovação do crime de ação privada, objeto da queixa, interfere na demonstração do delito contra a Administração da Justiça (e assim reciprocamente). Como se sabe, dá-se a conexão, hipótese de prorrogação legal de competência, quando a prova de uma infração puder influenciar na de outra. Trata-se da chamada conexão instrumental ou probatória, prevista no art. 76, III, do CPP. Reconhecendo-se o vínculo, torna-se imperiosa a reunião de processos para julgamento conjunto, de modo a se permitir uma visão ampla do julgador, abrangente de todo o quadro probatório; além disso, promove-se a celeridade e a economia processual; evita-se, por fim, que decisões conflitantes sejam prolatadas. Nesse sentido, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF, RSE n. 0005578-24.2009.807.0012, 1ª Turma Criminal, rel. Des.: GEORGE LOPES LEITE, julgado em 17/11/2010, publicado no DJe de 23/11/2010).

Solução: a atribuição para formar a opinião delitiva incumbe mesmo ao Douto Promotor de Justiça Criminal oficiante; porém, em respeito à independência funcional do Ilustre Representante do Parquet atuante na causa, designa-se outro membro ministerial para oferecer denúncia, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

Cuida-se a presente de investigação criminal destinada a apurar a responsabilidade de (...) por supostos delitos de dano (CP, art. 163, caput) e desobediência (CP, art. 330).

Segundo consta, o suspeito teria descumprido reiteradamente a determinação imposta pelo MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal local, consistente em não se aproximar da ofendida ou estabelecer com ela qualquer contato.

O agente a abordou no dia 6 de janeiro de 2012 e a constrangeu a desistir das providências judiciais contra ele impostas, empregando, ainda, violência contra o portão principal da residência, danificando-o, além de proferir ameaças e injúrias.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça requereu o envio do caso ao Juizado Especial Criminal no que tange à infração de menor potencial ofensivo e, com respeito ao delito de ação privada, pugnou pelo aguardo da provocação do sujeito passivo ou transcurso do prazo decadencial (fls. 63/64).

A MM. Magistrada deferiu em parte o pedido, no que atine à espera de manifestação do ofendido quanto ao dano; indeferiu, contudo, o pleito de remessa ao JECrim, por lhe parecer aplicável à espécie a Lei Maria da Penha, determinando, nesse aspecto, o retorno dos autos ao Parquet para oferecimento de denúncia (fls. 65/66).

O Ilustre Representante Ministerial, de sua parte, reiterou sua manifestação (fls. 63/64 e 84), motivo por que o Digníssimo Magistrado ordenou a remessa do procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 85).

Registre-se, por não menos relevante, que a vítima propôs a queixa-crime (fls. 86/87).

Eis a síntese do necessário.

Deve-se considerar, preliminarmente, que no caso sub examen não houve pedido formal de arquivamento.

De ver-se, contudo, que ocorreu o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e postula o envio do expediente a outro juízo supostamente competente e o magistrado, dissentindo do requerimento, o indefere.

Deveras, não pode o juiz simplesmente obrigar o Promotor de Justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar não só o princípio da independência funcional, mas sobretudo o princípio da demanda.

A solução viável em semelhantes situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

Nestes termos, a lição de EDÍLSON MOUGENOT BONFIM:

 

“A manifestação do promotor público pela competência da Justiça Federal em razão da natureza do delito caracteriza pedido indireto de arquivamento em face do magistrado que se deu por competente, cuja decisão é irrecorrível (art. 581, inc. II, do CPP), devendo ser o impasse solucionado pela aplicação do art. 28 do CPP (remessa dos autos ao procurador-geral), tendo em vista a preservação da titularidade da ação pública” (Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 82).

 

Admitida, destarte, a intervenção desta Procuradoria-Geral de Justiça, incumbe analisar o mérito.

Pois bem.

A razão se encontra com a MM. Juíza, com a devida vênia do Ilustre Promotor de Justiça.

O comportamento perpetrado deve ser analisado na esfera do Juízo Comum, competente para os feitos relacionados com a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei n. 11.340/06.

Sublinhe-se que o art. 14 da Lei Maria da Penha é expresso ao determinar:

 

"Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher".

Note-se que compete ao referido órgão judicial e, consequentemente, ao membro ministerial perante ele atuante, cuidar de toda e qualquer causa decorrente da multicitada forma de violência contra pessoas do sexo feminino.

De mais a ver, o art. 41 do Diploma mencionado prescreve que:

 

"Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

 

Ainda que assim não fosse, a permanência do caso sob os cuidados do Juízo Criminal se justificaria pela presença da conexão, porquanto a comprovação do crime de ação privada, objeto da queixa, interfere na demonstração do delito contra a Administração da Justiça (e assim reciprocamente).

Como se sabe, dá-se a conexão, hipótese de prorrogação legal de competência, quando a prova de uma infração puder influenciar na de outra. Trata-se da chamada conexão instrumental ou probatória, prevista no art. 76, III, do CPP.

Reconhecendo-se o vínculo, torna-se imperiosa a reunião de processos para julgamento conjunto, de modo a se permitir uma visão ampla do julgador, abrangente de todo o quadro probatório; além disso, promove-se a celeridade e a economia processual; evita-se, por fim, que decisões conflitantes sejam prolatadas.

É exatamente nesse sentido o escólio de JOSÉ FREDERICO MARQUES:

“O instituto da conexão, como se sabe, foi concebido para propiciar a economia processual, permitir uma visão mais abrangente dos fatos e evitar o conflito lógico entre julgados, o que, em tese, o qualifica como “fator de melhor aplicação jurisdicional do direito” (Elementos de Direito Processual Penal, vol. I, 2ª ed., Forense, 1965, n. 143, p. 272).

 

Nesse sentido, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

 

“PROCESSUAL PENAL. LEI MARIA DA PENHA. COMPETÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE O CRIME DE DESOBEDIÊNCIA E AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA.

1. O autor do fato descumpriu em ocasiões diferentes a proibição de entrar em contado com a ex-mulher, oriunda de medida protetiva de urgência deferida pelo segundo juizado de competência geral do Paranoá. Assim, cometeu o crime de desobediência objeto de termo circunstanciado lavrado na circunscrição judiciária de São Sebastião, local de onde telefonou várias vezes para aquele de quem devia manter-se afastado. Com isso atraiu a aplicação do artigo 76, inciso III, do Código de Processo Penal, que determina a competência por conexão quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias e ementares possa influir na prova de outra. Assim, a reunião dos dois processos com base na conexão probatória favorece a objetividade do julgamento porque as provas são produzidas uma só vez, instrumentalizando o magistrado para decidir com presteza, celeridade e com maior economia processual. Ainda que a prova da desobediência não possa influenciar diretamente influa na ação penal onde foi deferida a medida protetiva, é desta decorrência lógica e consequencial.

2. Correta se apresenta a decisão do juízo de São Sebastião quando determinou a redistribuição do temo circunstanciado relativo ao descumprimento de ordem judicial contida na medida de urgência ao juízo de onde emanou a proibição.

3. Recurso conhecido e desprovido”.

(TJDF, RSE n. 0005578-24.2009.807.0012, 1ª Turma Criminal, rel. Des.: GEORGE LOPES LEITE, julgado em 17/11/2010, publicado no DJe de 23/11/2010).

 

Conclui-se, portanto, que a atribuição para formar a opinião delitiva incumbe mesmo ao Douto Promotor de Justiça Criminal oficiante.

Pelo exposto, em respeito à independência funcional do Ilustre Representante do Parquet atuante na causa, designa-se outro membro ministerial para oferecer denúncia, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando-se o substituto automático.  Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 11 de junho de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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