Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 83.542/09

Inquérito Policial n.º 351/08 – MM. Juízo da 2ª Vara Judicial de Espírito Santo do Pinhal

Investigado: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. CALÚNIA CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. RETRATAÇÃO. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE “ANIMUS CALUMNIANDI”. ARQUIVAMENTO MANTIDO.

1.      Os crimes contra a honra de funcionário público, por fato relativo ao exercício de suas funções, se processam por ação penal de iniciativa pública (condicionada à representação do ofendido) ou privada, conforme opção do sujeito passivo (Súmula 714 do STF).

2.      Na hipótese dos autos, houve representação expressa e tempestivamente retratada, o que impede o oferecimento de denúncia.

3.      Não se pode confundir a retratação da calúnia, que somente produz a extinção da punibilidade em delitos de ação penal privada, ex vi do art. 143 do CP, com a retratação da representação.

4.      Além disso, os envolvidos (sujeitos ativo e passivo) revelaram claramente que não houve animus calumniandi, não passando de excesso de linguagem no exercício da advocacia. Os delitos contra a honra, como é cediço, exigem elemento subjetivo do injusto consistente na intenção de assacar a reputação (honra objetiva) ou a autoestima da vítima (honra subjetiva). No caso em análise, isto não ocorreu.

Solução: deixo de oferecer denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo e insisto no arquivamento do inquérito policial.

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar suposto crime de calúnia contra funcionário público, por fato relacionado com o exercício de suas funções (CP, art. 138, c.c. art. 141, II).

O Douto Promotor de Justiça entendeu por bem requerer o arquivamento da investigação, posto lhe parecer ausente o animus calumniandi (fls. 148/150).

O MM. Juiz, todavia, vislumbrou presentes os requisitos para a propositura da ação penal, motivo por que aplicou à espécie o art. 28 do CPP (fls. 151).

É o relatório.

Com a devida vênia do d. Magistrado, cremos que se mostra inviável o ajuizamento da demanda.

Da análise dos autos nota-se que o suposto autor da ofensa à honra teria imputado à vítima, falsamente, a prática de infração penal. Consta que (...), na condição de advogado, atribuíra à oficiala de cartório extrajudicial, (...), a indevida cobrança de emolumentos referentes à expedição de certidão.

Houve procedimento administrativo para apurar a suposta irregularidade, constatando-se que esta nunca ocorrera.

Os interessados foram auscultados e, de relevante, (...) alegou ter se excedido nas expressões utilizadas exercendo seu direito de defesa. (...), de sua parte, afirmou não vislumbrar no ato a intenção deliberada de ofendê-la em sua honra objetiva, considerando que ocorreu exagero de linguagem. Deve-se acrescentar que a ofendida retratou-se da representação oferecida anteriormente.

Eis os fatos.

É mister frisar, de início, que os delitos contra a honra de funcionário público por fato relativo ao exercício de suas funções se procedem por ação privada ou pública condicionada à representação, nos termos da Súmula 714 do Egrégio STF:

“É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.

 

A necessária condição de procedibilidade foi exercida tempestivamente. Ocorre que houve expressa e inequívoca retratação.

Aplica-se, destarte, o art. 25 do CPP, o qual proclama ser a representação retratável até o oferecimento de denúncia.

Foi justamente o que se verificou nos autos.

Como bem ponderaram as ilustres autoridades oficiantes, não tem incidência à espécie o art. 143 do CP, o qual disciplina a retratação da calúnia. Referida causa extintiva da punibilidade somente se aplica aos delitos de ação penal privada. Deve-se ressaltar, todavia, que não estamos diante da retratação da ofensa, mas sim da representação.

Com a ineficácia da manifestação inicial da vítima, que autorizava a deflagração da persecutio criminis, a propositura da demanda penal configurará irremediável constrangimento ilegal. Não é por outra razão que o art. 395, II, do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/08, proclama que:

A denúncia ou queixa será rejeitada quando:  (...)        II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal” (grifo nosso).

 

Não fosse a ausência de lastro para a inicial acusatória pelo motivo acima indicado, há que se considerar, ainda, a inocorrência do elemento subjetivo do injusto.

Deveras, é entendimento corrente em doutrina e jurisprudência que as infrações penais descritas nos arts. 138 a 140 do CP exigem, além do dolo (voluntariedade e consciência do ato), o animus diffamandi vel injuriandi.

Com base nisso, aliás, desenvolveu-se a conhecida teoria dos animi, a qual contempla situações de ausência do mencionado elemento. Não há crime, destarte, quando o sujeito é movido por:

(i) animus jocandi: intenção jocosa, de fazer uma brincadeira, desde que não tenha caráter humilhante;

 (ii) animus corrigendi, instruendi, docendi, emendandi: intenção de instruir, educar, informar, repreendendo ou admoestando;

 (iii) animus narrandi: intuito de relatar uma informação;

 (iv) animus defendendi: é o que se verifica quando a ofensa é irrogada em juízo ou fora dele, na discussão de causa ou questão jurídica;

 (v) animus consulendi: intenção de aconselhar, advertir, de maneira espontânea ou provocada, isto é, por iniciativa própria ou a pedido de alguém.

Os sujeitos deixaram extreme de dúvidas que houve excesso de linguagem no exercício do direito de defesa, isto é, animus defendendi.

Calha à pena citar, nesse diapasão, o seguinte julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“(...). CRIME CONTRA A HONRA. CALÚNIA. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. QUEIXA REJEITADA. O dolo específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do delito de calúnia” (Apn. 473, rel. Min. GILSON DIPP, DJe de 08/09/2008).

 

Diante do exposto, deixo de oferecer denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo e insisto no arquivamento promovido pelo Órgão do Ministério Público. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 14 de julho de 2009.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

/aeal