Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 83.832/09

Processo n.º 913/03 – MM. Juízo da 9.ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Capital

Ré: (...)

Assunto: revisão de recusa de aditamento da denúncia (CPP, art. 384, §1.º)

 

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA NA FASE DO ART. 384 DO CPP. RECUSA MINISTERIAL. DIVERGÊNCIA QUE TOCA SOMENTE AO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS. INAPLICABILIDADE DO ART. 384 DO CPP. CASO DE “EMENDATIO LIBELLI”. INTELIGÊNCIA DO ART. 383 DO CPP.

1.      A recusa em aditar a denúncia efetuada pelo Representante do Ministério Público não impede a prolação de sentença quando a descrição da peça acusatória encontra-se em conformidade com as provas produzidas.

2.      Se a controvérsia se limita à adequada definição jurídica do ato, não há falar-se em “mutatio libelli”. O réu, como é cediço, defende-se dos fatos que lhe são atribuídos, e não de seu enquadramento legal.

3.      Quando se trata de correção da tipificação legal, portanto, não se faz necessário o aditamento, uma vez que a sistemática contida no art. 384 do CPP visa à observância do princípio da correlação entre os fatos descritos na exordial e aqueles apreciados na sentença. Suposto defeito na classificação jurídica pode ser corrigido quando do julgamento, a teor do art. 383 do CPP.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

 

 

A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face da ré, imputando-lhe crimes de apropriação indébita agravada, em continuidade delitiva (CP, art. 168, §1º, III, por cinco vezes, na forma do art. 71, caput).

Ao cabo da instrução processual, o MM. Juiz entendeu que a prova indicava a ocorrência de crime diverso do capitulado na inicial, motivo por que determinou fosse a denúncia aditada, nos termos do art. 384 do CPP (fls. 403/404).

A Ilustre Promotora de Justiça, contudo, não vislumbrou a necessidade de fazê-lo, pois o delito ocorrido teria sido exatamente aquele narrado na exordial (fls. 418).

O d. Magistrado, destarte, aplicou à espécie o art. 28 do CPP e encaminhou o feito a esta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 420).

É o relatório.

A controvérsia estabelecida neste expediente refere-se fundamentalmente a respeito da classificação jurídica adequada ao comportamento delitivo praticado pela ré.

Nesse sentido, é preciso enfatizar que tanto os Membros do Parquet oficiantes quanto o MM. Juiz, ao que se depreende dos autos, são acordes quanto à dinâmica dos fatos. Não há dúvida de que a conduta imputada é exatamente aquela narrada na inicial acusatória, a qual formou a base da persecutio criminis in juditio e, ademais, o fundamento balizador do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório (CF, art. 5º, LV).

A divergência, portanto, refere-se exclusivamente ao enquadramento legal da ação praticada.

No entender da diligente Promotora de Justiça, trata-se de apropriações indébitas agravadas. Ressalte-se que a peça inaugural deixa claro o modo como procedeu a denunciada, que, na condição de funcionária contratada por empresa de publicidade, apoderou-se de importâncias pagas por cliente para a contratação dos serviços da pessoa jurídica que representava.

Para o i. Magistrado, no entanto, cuidar-se-ia de estelionato. É o que se depreende do r. despacho de fls. 403:

 

“Encerrada a instrução, diante dos depoimentos colhidos nos autos e da própria ‘notitia criminis’ encaminhada por (...) ao delegado de polícia, vislumbro a possibilidade de definir o fato narrado não como apropriação, mas, em tese, como estelionato, pelo que determino seja a denúncia aditada no prazo de cinco dias...”

 

Ora, não resta dúvida alguma, que a controvérsia não diz respeito à dinâmica dos fatos, minuciosamente descritos na exordial, mas tão-somente à sua definição típica.

Conclui-se, por conseguinte, que a hipótese deve ser regida pelo art. 383 do CPP, e não pelo art. 384, com a devida vênia do mui digno Julgador.

Cumpre assinalar que o art. 384 do Estatuto Processual Penal disciplina a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação (ou congruência) entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia (ou da queixa-subsidiária), visam à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

É de ver, ainda, que o princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e no princípio da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pelos fatos que foram objeto da acusação e sobre os quais pode elaborar sua defesa.

No caso dos autos, independentemente da discussão meritória (se houve apropriação indébita ou estelionato), mostra-se descabida a aplicação do art. 384 do CPP.

Significa afirmar que, se ao juiz parece ter ocorrido crime diverso, deve proferir decisão desclassificatória, sem a necessidade do aditamento, a teor do que determina o art. 383 do CPP (emendatio libelli).

Diante do exposto, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo. Publique-se a ementa.

São Paulo, 14 de julho de 2009.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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