Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 84.463/14

Autos n.º 500/12 – MM. Juízo da 3.ª Vara Judicial do Foro Distrital de Ferraz de Vasconcelos

Indiciada: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento do inquérito policial

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO (CP, ART. 342). INVERACIDADE DAS DECLARAÇÕES RECONHECIDA NA DECISÃO CONDENATÓRIA, QUANDO SE ANALISOU TODO O CONJUNTO PROBATÓRIO. MENTIRA DETECTADA PELO JULGADOR, QUE NÃO O INFLUENCIOU NA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. IRRELEVÂNCIA. DENÚNCIA.

1.      O falso testemunho (CP, art. 342) é crime formal, cuja consumação dá-se quando o sujeito fizer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, em depoimento prestado em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.

2.      O valor a que o legislador outorga proteção especial, na fattispecie considerada, reside no resguardo da administração da Justiça, com ênfase no interesse na correta apuração da verdade em processos judiciais, administrativos, inquéritos policiais e juízo arbitrais e, consequentemente, na adequada aplicação do direito.

3.      A infração pode ser cometida de três modos distintos: mediante uma afirmação falsa, negando-se a verdade ou calando-se a respeito desta. Na primeira situação, ocorre a falsidade positiva: assevera-se um fato ou informação mentirosa. Na segunda, a falsidade negativa: nega-se a verdade da qual se tem conhecimento. Na última, a reticência: silencia-se a respeito do que se sabe ou explicitamente se recusa a externar a informação.

4.      Em todas as modalidades, que são equiparadas para efeitos legais, o que justifica a incriminação não é, como dizia HUNGRIA, o contraste entre o depoimento e a realidade dos fatos, mas entre o conteúdo das declarações e a ciência da testemunha (Comentários ao Código Penal, 2.ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1959, Vol. IX, pág. 476).

5.      Repise-se, ainda, que o crime contra a administração da Justiça tem natureza formal, consumando-se no momento em que se encerrar o depoimento no qual se fez a afirmação falsa, se negou ou calou a verdade em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.

6.      Nesse sentido, há orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “A consumação do crime do art. 342 do CP ocorre no momento em que é feita a afirmação falsa, nada impedindo, portanto, o oferecimento da denúncia antes mesmo da sentença definitiva do processo principal, que obsta somente a conclusão do processo em que se apura o crime de falso testemunho diante da possibilidade de retratação, nos termos do art. 342, § 2º, do Código Penal” (STJ, HC n. 89.885, rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª TURMA, julgado em 16/03/2010, DJe de 19/04/2010).

7.      O crimen do art. 342 do CP, ademais, não exige qualquer finalidade especial a que se dirija o comportamento. Em outras palavras, trata-se de delito doloso, para o qual basta a voluntariedade do ato e a consciência por parte do agente da inveracidade das alegações.

8.      Não é necessário que as declarações induzam o julgador a erro, sendo suficiente que se mostrem potencialmente lesivas, isto é, capazes de influenciar fraudulentamente no resultado da lide. Não se deve confundir potencialidade lesiva com efetiva lesão, algo que o tipo penal não exige. Precedentes jurisprudenciais.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar crime de falso testemunho (CP, art. 342) praticado, em tese, por (...) em declarações apresentadas no bojo do processo n. 186/2009, em trâmite perante a MM. 1.ª Vara Judicial do Foro Distrital de Ferraz de Vasconcelos, no qual foi (...) denunciado como incurso no art. 214 c.c. art. 224, “a”, ambos do CP, c.c. art. 9.º da Lei n.º 8.072/90 (em redação anterior à Lei n.º 12.015/09).

A Douta Promotora de Justiça requereu o arquivamento do feito, aduzindo que não se poderia afirmar que a averiguada agiu com consciência e vontade de prestar depoimento falso, pois os genitores da vítima teriam ido até sua casa, relatando-lhe o que ela disse em Juízo (fls. 58/59).

O Nobre Juiz, contudo, discordou de tal posicionamento, endereçando a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 60/61).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia da Ilustre Representante Ministerial, assiste razão ao Digníssimo Magistrado; senão, vejamos.

As declarações prestadas pela indiciada, em sede inquisitorial e durante a instrução da ação penal acima citada, mostraram-se falsas, divorciando-se de outros depoimentos colhidos.

O MM. Julgador, ao proferir sentença condenatória, anuindo com requerimento do Parquet, o qual constatou a perpetração, em tese, do delito aqui tratado, requisitou sua cabal apuração à autoridade policial (fls. 17/20).

Deve-se acentuar que o valor a que o legislador outorga proteção especial, na fattispecie considerada, reside no resguardo da administração da Justiça, com ênfase no interesse na correta apuração da verdade em processos judiciais, administrativos, inquéritos policiais e juízo arbitrais e, consequentemente, na adequada aplicação do direito.

O falso testemunho pode ser cometido de três modos distintos: mediante uma afirmação falsa, negando-se a verdade ou calando-se a respeito desta. Na primeira situação, ocorre a falsidade positiva: assevera-se um fato ou informação mentirosa. Na segunda, a falsidade negativa: nega-se a verdade da qual se tem conhecimento. Na última, a reticência: silencia-se a respeito do que se sabe ou explicitamente se recusa a externar a informação.

Em todas as modalidades, equiparadas para efeitos legais, o que justifica a incriminação não é, como dizia HUNGRIA, o contraste entre o depoimento e a realidade dos fatos, mas entre o conteúdo das declarações e a ciência da testemunha[1].

Note-se, ainda, que o crime contra a administração da Justiça tem natureza formal, consumando-se no momento em que se encerrar o depoimento no qual se fez a afirmação falsa, se negou ou calou a verdade em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.

Nesse sentido, há orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“A consumação do crime do art. 342 do CP ocorre no momento em que é feita a afirmação falsa, nada impedindo, portanto, o oferecimento da denúncia antes mesmo da sentença definitiva do processo principal, que obsta somente a conclusão do processo em que se apura o crime de falso testemunho diante da possibilidade de retratação, nos termos do art. 342, § 2º, do Código Penal” (STJ, HC n. 89.885, rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª TURMA, julgado em 16/03/2010, DJe de 19/04/2010).

 

PROCESSUAL PENAL. FALSO TESTEMUNHO. POTENCIAL LESIVO. PARTICIPAÇÃO. ADVOGADO. POSSIBILIDADE.

1. Para a configuração do delito de falso testemunho basta a verificação do efetivo potencial lesivo da conduta, não sendo necessária a demonstração do prejuízo.

2. Ante o cometimento do falso testemunho, a instigação ou induzimento que ensejou a prática do crime passa a ser penalmente relevante, como participação. Precedentes.

                                3.  Habeas Corpus conhecido, pedido indeferido”.

(STJ, HC n. 14.717, rel. Ministro EDSON VIDIGAL, DJ de 09/04/2001, p. 373).

 

“PENAL. HABEAS-CORPUS. FALSO TESTEMUNHO. CRIME FORMAL, DE SIMPLES ATIVIDADE, QUE INDEPENDE DO RESULTADO. RECURSO ORDINARIO IMPROVIDO”.

(STJ, RHC n. 4.343, rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJ de 03/03/1997, p. 4.707).

Vide, ainda, TRF 4.ª Região, RT, 815/731; TJSP, RT, 777/592.

 

O crimen do art. 342 do CP, ademais, não exige qualquer finalidade especial a que se dirija o comportamento. Em outras palavras, trata-se de crime doloso, para o qual basta a voluntariedade do ato e a consciência por parte do agente da inveracidade das alegações.

In casu, repise-se, o depoimento judicial da investigada foi inverídico, sendo inegável sua potencialidade lesiva. Anote-se que “potencialidade lesiva” não se confunde com “efetiva lesão”. O testemunho da suspeita não provocou dano (porquanto não se mostrou suficiente para enganar o juízo), mas possuía inequívoco potencial de fazê-lo, já que descaracterizaria a autoria delitiva.

Nesse quadro, a deflagração da persecutio criminis in judicio é medida que se impõe.

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 09 de junho de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

                 Procurador-Geral de Justiça

/aeal



[1] Comentários ao Código Penal. 2.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1959. Vol. IX. pág. 476.