Código de Processo Penal, Art. 28

Protocolado n.º 84.976/11

Inquérito policial n.º 86/2010 – MM. Juízo da Vara do Júri de Franco da Rocha

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento indireto de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO INDIRETO DE INQUÉRITO POLICIAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO (CP, ART. 121, C.C. ART. 14. II). DÚVIDA ACERCA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. INDÍCIOS DE QUE O AGENTE ATUOU COM DOLO. CONDUTA CONSISTENTE EM VIBRAR GOLPES COM INSTRUMENTO PÉRFURO-CORTANTE EM REGIÃO VITAL. INTENSIDADE DA AGRESSÃO CONFIRMADA PELA GRAVIDADE DAS LESÕES PROVOCADAS. “ITER CRIMINIS” INTERROMPIDO PELA AÇÃO DE TERCEIROS. DENÚNCIA POR CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.

1.      A situação retratada nos autos configura o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO declina de sua atribuição e requer o envio dos autos a outro juízo supostamente competente e o magistrado, discordando do requerimento, o indefere.  Deveras, não pode o juiz simplesmente obrigar o membro do MINISTÉRIO PÚBLICO a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar não só o princípio da independência funcional, mas sobretudo o princípio da demanda. A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP. Nestes termos, a lição de EDÍLSON MOUGENOT BONFIM: “A manifestação do promotor público pela competência da Justiça Federal em razão da natureza do delito caracteriza pedido indireto de arquivamento em face do magistrado que se deu por competente, cuja decisão é irrecorrível (art. 581, inc. II, do CPP), devendo ser o impasse solucionado pela aplicação do art. 28 do CPP (remessa dos autos ao procurador-geral), tendo em vista a preservação da titularidade da ação pública” (Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 82).

2.      Com relação ao mérito, ainda que os depoimentos das testemunhas tenham sido conflitantes, dos demais elementos de informação carreados ao feito pode-se inferir a prática do crime contra a vida.

3.      O laudo de exame de corpo de delito concluiu que as lesões produzidas foram de natureza grave. 6. Muito embora tenha o increpado negado a intenção homicida, seu comportamento revela, no mínimo, ter assumido o risco de produzir a morte, sugerindo ter agido com dolus eventualis, principalmente porque o primeiro golpe foi desferido no abdome, região nobre, tanto que perfurou a alça intestinal, ocasionando hemorragia interna.

4.      Frise-se que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, impondo que eventuais dúvidas sejam dirimidas em favor da propositura da ação penal. A esse respeito, assim se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do in dubio pro societate. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio in dubio pro societate que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do animus necandi não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos. (...)”. (STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como para prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

         O presente inquérito policial foi instaurado para apurar a prática de suposto crime de tentativa de homicídio (CP, art. 121, c.c. art. 14, II) cometido, em tese, por (...) em face de (...).

         Pela narrativa constante dos autos infere-se que, no dia 17 de janeiro de 2010, durante a madrugada, a vítima foi atingida por três golpes de faca, os quais lhe provocaram as lesões descritas no laudo de fls. 23, complementado a fls. 31.

A Ilustre Promotora de Justiça oficiante junto ao Tribunal Popular, para onde foi inicialmente remetido o feito, entendendo ausente o animus necandi, requereu fosse redistribuído ao juízo singular (fls. 62/63).

O MM. Juiz, vislumbrando que a conduta poderia ter ocorrido, ao menos, com dolo eventual, ensejando a permanência do procedimento no âmbito da Vara do Júri, abriu vista dos autos ao Parquet para nova manifestação (fls. 65/66).

Diante da reiteração formulada pela Douta Representante Ministerial (fls. 68), o Digno Magistrado houve por bem remeter o expediente a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 70/71).

Eis a síntese do necessário.

Pondere-se, de início, que a situação retratada nos autos configura o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO declina de sua atribuição e requer o envio dos autos a outro juízo supostamente competente e o magistrado, discordando do requerimento, o indefere.

         Deveras, não pode o juiz simplesmente obrigar o membro do MINISTÉRIO PÚBLICO a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar não só o princípio da independência funcional, mas sobretudo o princípio da demanda.

         A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

         Nestes termos, a lição de EDÍLSON MOUGENOT BONFIM:

 

“A manifestação do promotor público pela competência da Justiça Federal em razão da natureza do delito caracteriza pedido indireto de arquivamento em face do magistrado que se deu por competente, cuja decisão é irrecorrível (art. 581, inc. II, do CPP), devendo ser o impasse solucionado pela aplicação do art. 28 do CPP (remessa dos autos ao procurador-geral), tendo em vista a preservação da titularidade da ação pública” (Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 82).

 

         Admitida, destarte, a intervenção desta Procuradoria-Geral de Justiça, incumbe analisar o mérito.

         A questão central a ser analisada consiste em verificar se os elementos de informação contidos nos autos indicam, ao menos indiciariamente, que o agente atuou com dolo, direto ou eventual, quanto ao resultado morte.

         Deve-se considerar, primeiramente, que não se ignora terem os depoimentos das testemunhas (...) (fls. 55/56) e (...) fls. 57/58, este coincidente com a narrativa do próprio agente) se mostrado dissonantes quanto à dinâmica dos acontecimentos.

Ocorre que, ainda assim, dos demais elementos de informação carreados ao feito pode-se inferir a prática do crime contra a vida.

Note-se que a vítima relatou ter discutido com o increpado, o qual retornou ao local portando uma faca, aproximou-se sem ser percebido e desferiu-lhe uma facada no abdome, caindo ambos no chão, sendo golpeado por mais duas vezes, da nádega e na mão, momento em que foram separados por populares (fls. 11).

O laudo de exame de corpo de delito concluiu que as lesões produzidas foram de natureza grave, além do que houve perigo de vida, já que as agressões atingiram vísceras, provocando hemorragia em cavidade fechada (fls. 23 e 31).

Muito embora tenha o increpado negado a intenção homicida, seu comportamento revela, no mínimo, ter assumido o risco de produzir a morte, sugerindo ter agido com dolus eventualis, principalmente porque o primeiro golpe foi desferido no abdome, região nobre, tanto que perfurou a alça intestinal, ocasionando hemorragia interna.

O contexto dos fatos, a sede e a intensidade dos golpes, e a intervenção de terceiros obstando o prosseguimento da execução, apontam para a ocorrência de crime doloso contra a vida.

Frise-se que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, impondo que eventuais dúvidas sejam dirimidas em favor da propositura da ação penal.

A esse respeito, assim se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do in dubio pro societate.

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio in dubio pro societate que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do animus necandi não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida.

3. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos.

(...)”

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

 

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Diante disso, designo outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como para prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

       São Paulo, 05 de julho de 2011.

 

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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