Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 85.233/14

Autos n.º 1.772/14 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Indiciada: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO FUNDADO NO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO SIMPLES TENTADO (CP, ART. 155, “CAPUT”, C.C. ART. 14, II). OBJETOS MATERIAIS AVALIADOS EM R$ 140,00 (QUARENTA REAIS). INADMISSIBILIDADE. CONDUTA CONSISTENTE EM SE APODERAR DOS BENS E DEIXAR O ESTABELECIMENTO SEM PAGÁ-LOS. VIGILÂNCIA DE FUNCIONÁRIOS. TENTATIVA PUNÍVEL. DESCABIMENTO DA TESE DE QUE HOUVE ATOS MERAMENTE PREPARATÓRIOS. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     A aplicação do princípio da insignificância, disseminada na práxis jurisprudencial dos tribunais superiores, não pode olvidar bases mínimas, sob pena de desproteger bem jurídico constitucional. O Supremo Tribunal Federal determina, nesse sentido, que se observem quatro vetores para a incidência da tese excepcional: a inexpressividade da lesão ao bem jurídico; a ausência de periculosidade social da ação; a falta de reprovabilidade da conduta; a mínima ofensividade do comportamento do agente (cf. HC n. 94.931, rel. Min. Ellen Gracie).

2.     Pondere-se, ainda, que reconhecer como atípicos comportamentos deste jaez é, nas palavras do eminente Desembargador Francisco Bruno, agir como se o próprio Estado dissesse ao autor do fato: “Isto não é crime, o senhor está autorizado a fazê-lo novamente” (Apelação n. 990.10.079006-4, j. em 29.7.10, 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo).

3.     Deve-se frisar, outrossim, deu-se nitidamente início de execução, posto que a autora se apoderou dos produtos, somente não os levando consigo por circunstâncias alheias à sua vontade, consistentes na vigilância efetuada, passivamente e à distância, por funcionários do estabelecimento. Não há, menos ainda, crime impossível, porquanto o modus operandi não se revela absolutamente ineficaz, mas relativamente inapto à consumação do delito. Frise-se que inexistiu qualquer induzimento por parte do ofendido, de modo a configurar flagrante preparado ou provocado.

4.     Frise-se, por derradeiro, que os fatos constituem – em tese – infração de menor potencial ofensivo, nos termos do entendimento firmado pela Procuradoria-Geral de Justiça no julgamento do conflito de atribuições n.º 38.620/09, cuja ementa ora se transcreve: “Ementa: Conflito negativo de atribuições. Furto privilegiado tentado (CP, art. 155, §2º, c.c. art. 14, II). Infração penal de menor potencial ofensivo. Atribuição da Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal. 1. Dentre os benefícios previstos em lei para o furto privilegiado, o menos favorável ao agente consiste na substituição da pena de reclusão pela de detenção. Referida benesse, com a Reforma da Parte Geral havida em 1984, tornou-se inócua, tanto assim que não tem qualquer aplicação prática. 2. A tendência de unificação das sanções privativas de liberdade mostra-se cada vez mais evidente na legislação brasileira, podendo citar-se, como exemplo, a Lei n. 11.719/08, que deixou de considerar a espécie de pena de prisão como critério distintivo do rito processual, adotando, em seu lugar, parâmetro quantitativo (isto é, a pena máxima cominada ao delito). 3. Com a revogação tácita do benefício consistente em substituição da reclusão pela detenção, a pena máxima do furto privilegiado passa a ser de dois anos e oito meses. Na hipótese de tentativa, incidirá outra causa de redução (CP, arts. 14, II e 68, par. ún.), o que tornará o fato crime de menor potencial ofensivo. 4. A análise da jurisprudência dos tribunais superiores, ademais, recomenda que se adote, com respeito a subtrações de bens de pequeno valor, postura intermediária, até para evitar a indiscriminada aplicação do princípio da insignificância, o que deixaria sem resposta penal diversos comportamentos que, apesar de pouco expressivos economicamente, perturbam a sociedade.

Solução: designa-se o promotor de justiça oficiante no Juizado Especial Criminal competente para, na condição de “longa manus”, verificar o cabimento de transação penal ou o oferecimento de denúncia, cumprindo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à apuração da suposta prática do delito de furto simples tentado (art. 155, caput, c.c. art. 14, II, do CP) cometido, em tese, por (...).

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça requereu o arquivamento do procedimento, por entender que a conduta da autora configurou ato meramente preparatório, porquanto não chegou a ter a posse desvigiada dos objetos, além de sustentar à espécie a aplicação do princípio da insignificância (fls. 29/30).

A MM. Juíza, contudo, discordou de tal solução, determinando o envio da questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 31/32).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com a Digníssima Magistrada, com a devida vênia do Nobre Representante Ministerial; senão, vejamos.

Segundo consta dos autos, no dia 30 de março de 2014, a indiciada ingressou no estabelecimento empresarial situado à Rua Desembargador Bandeira de Mello, n.º 207, Bairro Santo Amaro, nesta Capital, e guardou quatorze embalagens de bebida energética no interior da mochila que carregava.

O funcionário (...) visualizou a conduta da agente, percebendo que saiu do local sem pagar pelas mercadorias, abordando-a do lado de fora do recinto e acionando a Polícia Militar.

(...), tanto informalmente quanto em seu interrogatório, confirmou o comportamento imputado, justificando-o por precisar de dinheiro para comprar cigarros e outros produtos, decidindo, assim, vender os bens tomados (fls. 03, 05/07).

Os objetos apreendidos foram avaliados no montante total de R$ 140,00 (cento e quarenta reais, consoante o auto encartado a fl. 14).

Pois bem.

Com a devida vênia, as teses nas quais fundamentou o competente Membro do Parquet seu pleito de arquivamento não vêm sendo aceitas por esta Procuradoria-Geral de Justiça, em que pese suas bem lançadas razões.

Com relação ao iter criminis percorrido, deu-se nitidamente início de execução, posto que a autora se apoderou dos produtos, somente não os levando por circunstâncias alheias à sua vontade, consistentes na vigilância efetuada, passivamente e à distância, por funcionários do estabelecimento.

Não há, ainda, crime impossível, porquanto o modus operandi não se revela absolutamente ineficaz, mas relativamente inapto à consumação do delito. Ademais disso, inexistiu qualquer induzimento por parte do ofendido, de modo a configurar flagrante preparado ou provocado.

No que concerne à tipicidade material do comportamento, reconhece-se que a quantia de R$ 140,00 (cento e quarenta reais) não se mostra expressiva; contudo, se aplicado o princípio da insignificância, resultando na atipicidade da conduta, estar-se-ia estimulando o cometimento de infrações patrimoniais de bens de pequeno valor.

Admitir como atípicos comportamentos desse porte é, nas palavras do eminente Desembargador Francisco Bruno, agir como se o próprio Estado dissesse ao autor do fato: “Isto não é crime, o senhor está autorizado a fazê-lo novamente” (Apelação n. 990.10.079006-4, j. em 29.7.10, 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo).

Não se ignora, outrossim, a existência de posturas jurisprudenciais favoráveis ao referido princípio.

É de ver, todavia, que o próprio Supremo Tribunal Federal tem colocado limites à sua aplicação, ao exigir o cumprimento de quatro vetores para sua incidência, a saber: a inexpressividade da lesão ao bem jurídico; a ausência de periculosidade social da ação; a falta de reprovabilidade da conduta; a mínima ofensividade do comportamento do agente (cf. HC n. 94.931, rel. Min. Ellen Gracie).

         Registre-se que há diversos julgados recentes do Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo afastando a aplicação do princípio em casos semelhantes ao presente, como se nota no julgamento das Apelações ns. 0002124-36.2010.8.26.0347 (9.ª Câmara Criminal), 0049017-06.2010.8.26.0050 (15.ª Câmara Criminal), 0000674-22.2007.8.26.0587 (11.ª Câmara Criminal), 0096660-23.2011.8.26.0050 (10.ª Câmara Criminal), 0061013-64.2011.8.26.0050 (14.ª Câmara Criminal), 0004838-16.2008.8.26.0063 (5.ª Câmara Criminal).

Frise-se, por derradeiro, que os fatos constituem – em tese – infração de menor potencial ofensivo, nos termos do entendimento firmado pela Procuradoria-Geral de Justiça no julgamento do conflito de atribuições n.º 38.620/09, cuja ementa ora se transcreve:

 

“Ementa: Conflito negativo de atribuições. Furto privilegiado tentado (CP, art. 155, §2º, c.c. art. 14, II). Infração penal de menor potencial ofensivo. Atribuição da Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal.

1. Dentre os benefícios previstos em lei para o furto privilegiado, o menos favorável ao agente consiste na substituição da pena de reclusão pela de detenção. Referida benesse, com a Reforma da Parte Geral havida em 1984, tornou-se inócua, tanto assim que não tem qualquer aplicação prática.

2. A tendência de unificação das sanções privativas de liberdade mostra-se cada vez mais evidente na legislação brasileira, podendo citar-se, como exemplo, a Lei n. 11.719/08, que deixou de considerar a espécie de pena de prisão como critério distintivo do rito processual, adotando, em seu lugar, parâmetro quantitativo (isto é, a pena máxima cominada ao delito).

3. Com a revogação tácita do benefício consistente em substituição da reclusão pela detenção, a pena máxima do furto privilegiado passa a ser de dois anos e oito meses. Na hipótese de tentativa, incidirá outra causa de redução (CP, arts. 14, II e 68, par. ún.), o que tornará o fato crime de menor potencial ofensivo.

4. A análise da jurisprudência dos tribunais superiores, ademais, recomenda que se adote, com respeito a subtrações de bens de pequeno valor, postura intermediária, até para evitar a indiscriminada aplicação do princípio da insignificância, o que deixaria sem resposta penal diversos comportamentos que, apesar de pouco expressivos economicamente, perturbam a sociedade.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao i. Suscitante, isto é, à Promotoria dos Juizados Especiais Criminais”.

 

A causa, portanto, deve ser enviada diretamente à apreciação do Representante Ministerial a quem incumbe a análise das infrações penais circunscritas na competência ratione materiae do órgão jurisdicional acima indicado.

Diante de tudo o quanto se expôs, determina-se a remessa do expediente ao Promotor de Justiça oficiante no âmbito Juizado Especial Criminal, a fim de que o Ilustre Representante do Parquet que receber os autos, o qual atuará como longa manus do Procurador-Geral de Justiça, formule proposta de transação penal ou ofereça denúncia, tendo em conta as balizas do art. 76 da Lei n.º 9.099/95.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 10 de junho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

/aeal