Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 90.272/12

Autos n.º 0000702-73/2012 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal do Foro Central da Capital

Autor do fato: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de termo circunstanciado

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PORTE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL (LEI N. 11.343/06, ART. 28). PEQUENA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA (1 GRAMA2 PEDRAS DE “CRACK”). CONDUTA REVESTIDA DE TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL. ARQUIVAMENTO DESCABIDO.

1.     A quantidade de substância psicoativa encontrada m poder do agente, equivalente a aproximadamente 1 g (um grama) de cocaína, conforme laudo de exame químico-toxicológico de fls. 31, jamais pode ser considerada insignificante, eis que se mostra suficiente para satisfazer o consumo.

2.     Note-se que a ação incriminada pelo legislador consiste em adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pune-se, destarte, conduta que recaia sobre quantidade de substância ilícita suficiente para satisfazer o consumo individual, como fumar um cigarro de cânhamo ou um cachimbo contendo “crack”. Em face disto, afigura-se, com a máxima vênia, um contrassenso reputar insignificante porção de droga apta a prover o uso pessoal.

3.     Conforme decidiu o Pretório Excelso, em acórdão relatado pelo saudoso Ministro MENEZES DE DIREITO: “1. É pacífica a jurisprudência desta Corte Suprema no sentido de não ser aplicável o princípio da insignificância ou bagatela aos crimes relacionados a entorpecentes, seja qual for a qualidade do condenado.” (HC n. 91.759, rel.  Min. MENEZES DIREITO, 1.ª Turma, julgado em 09/10/2007, publicado no DJ de 30-11-2007, pág. 77). Muito embora tenha havido julgados em sentido contrário, a mais recente jurisprudência da Suprema Corte caminha no sentido da tese ora sustentada, como se nota em aresto relatado pelo eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: “PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PERICULOSI-   DADE SOCIAL DA AÇÃO. EXISTÊNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO OU PRESUMIDO. PRECEDENTES. WRIT PREJUDICADO. I - Com o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, não mais subsiste o alegado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. II – A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. III – No caso sob exame, não há falar em ausência de periculosidade social da ação, uma vez que o delito de porte de entorpecente é crime de perigo presumido. IV – É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos relacionados a entorpecentes. V – A Lei 11.343/2006, no que se refere ao usuário, optou por abrandar as penas e impor medidas de caráter educativo, tendo em vista os objetivos visados, quais sejam: a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. VI – Nesse contexto, mesmo que se trate de porte de quantidade ínfima de droga, convém que se reconheça a tipicidade material do delito para o fim de reeducar o usuário e evitar o incremento do uso indevido de substância entorpecente. VII – Habeas corpus prejudicado” (STF, HC n. 102.940, Relator:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 1.ª Turma, julgado em 15/02/2011, DJe de 05-04-2011).

4.     É de ver, ainda, que se cuida de crime de ação pública incondicionada, não cabendo ao Parquet, diante da presença de prova da materialidade e indícios de autoria, postular o encerramento da persecutio criminis.

Solução: afasta-se o fundamento invocado para o arquivamento deduzido, designando-se outro promotor de justiça para analisar o cabimento de transação penal ou, acaso inviável, oferecer a peça inaugural e prosseguir nos ulteriores termos da causa.

 

Cuida-se de termo circunstanciado instaurado para apurar o cometimento, em tese, do crime tipificado no art. 28 da Lei n. 11.343/06, supostamente perpetrado por (...), surpreendido com duas pedras de “crack” em seu poder, destinada ao consumo próprio.

Concluídas as providências de polícia judiciária, a Douta Representante Ministerial pugnou pelo arquivamento do feito, invocando o princípio da insignificância (fls. 23/25).

O MM. Juiz, todavia, julgou improcedentes as razões invocadas e enviou o caso a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 26/28).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia da Ilustre Representante Ministerial, não lhe assiste razão.

A quantidade de substância psicoativa encontrada em poder do agente, equivalente a aproximadamente 1,0 g (um grama) de cocaína, conforme laudo de exame químico-toxicológico de fls. 31, jamais pode ser considerada insignificante, eis que se mostra suficiente para satisfazer o consumo.

Note-se que a ação incriminada pelo legislador consiste em “adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Pune-se, destarte, conduta que recaia sobre quantidade de substância ilícita suficiente para satisfazer o consumo individual, ainda que isto se dê em um único ato, como fumar um cigarro de cânhamo ou um cachimbo contendo crack.

Em face disto, afigura-se, com a máxima vênia, um contrassenso reputar insignificante porção de droga apta a prover o uso pessoal.

A prevalecer o entendimento acolhido pela nobre Membro do Parquet, ademais, jamais seria possível atribuir a quem quer que seja o delito capitulado no art. 28 da Lei n. 11.343/06, quando a quantidade apreendida fosse correspondente a poucas doses para emprego próprio.

É de ver, assim, que a tese em que fundamentou seu pensamento mostra-se, assim, inaceitável.

Conforme decidiu o Pretório Excelso, em acórdão relatado pelo saudoso Ministro MENEZES DE DIREITO:

 

Habeas corpus. Constitucional. Penal Militar e Processual Penal Militar. Porte de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar (art. 290 do CPM). Não-aplicação do princípio da insignificância aos crimes relacionados a entorpecentes. Precedentes. Inconstitucionalidade e revogação tácita do art. 290 do Código Penal Militar. Não-ocorrência. Precedentes. Habeas corpus denegado. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte Suprema no sentido de não ser aplicável o princípio da insignificância ou bagatela aos crimes relacionados a entorpecentes, seja qual for a qualidade do condenado. 2. Não há relevância na argüição de inconstitucionalidade considerando o princípio da especialidade, aplicável, no caso, diante da jurisprudência da Corte. 3. Não houve revogação tácita do artigo 290 do Código Penal Militar pela Lei nº 11.343/06, que estabeleceu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, bem como normas de prevenção ao consumo e repressão à produção e ao tráfico de entorpecentes, com destaque para o art. 28, que afasta a imposição de pena privativa de liberdade ao usuário. Aplica-se à espécie o princípio da especialidade, não havendo razão para se cogitar de retroatividade da lei penal mais benéfica. 4. Habeas corpus denegado e liminar cassada”.

(HC n. 91.759, rel.  Min. MENEZES DIREITO, 1.ª Turma, julgado em 09/10/2007, publicado no DJ de 30-11-2007, pág. 77).

 

Não discrepa, ainda, a mais recente jurisprudência da Suprema Corte, como se nota em aresto relatado pelo eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI:

 

“PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO. EXISTÊNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO OU PRESUMIDO. PRECEDENTES. WRIT PREJUDICADO. I - Com o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, não mais subsiste o alegado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. II – A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. III – No caso sob exame, não há falar em ausência de periculosidade social da ação, uma vez que o delito de porte de entorpecente é crime de perigo presumido. IV – É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos relacionados a entorpecentes. V – A Lei 11.343/2006, no que se refere ao usuário, optou por abrandar as penas e impor medidas de caráter educativo, tendo em vista os objetivos visados, quais sejam: a prevenção do uso indevido de drogas, a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. VI – Nesse contexto, mesmo que se trate de porte de quantidade ínfima de droga, convém que se reconheça a tipicidade material do delito para o fim de reeducar o usuário e evitar o incremento do uso indevido de substância entorpecente. VII – Habeas corpus prejudicado”.

(STF, HC n. 102.940, Relator:  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 1.ª Turma, julgado em 15/02/2011, DJe de 05-04-2011)

 

O comportamento ilícito, destarte, deve se subsumir à infração penal de menor potencial ofensivo prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/06.

É de ver, ainda, que se cuida de crime de ação pública, não cabendo ao Parquet, diante da presença de prova da materialidade e indícios de autoria, postular o encerramento da persecutio criminis.

Diante do exposto, afasta-se o fundamento invocado para o arquivamento originariamente deduzido, designando-se outro promotor de justiça para analisar o cabimento de transação penal ou, caso inviável, oferecer a peça inaugural e prosseguir nos ulteriores termos da causa.

Faculta-se-lhe, outrossim, observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria, designando-se o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 21 de junho de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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