Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado
n.º 9.135/11
Inquérito Policial n.º 050.07.016759-1- MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)
Indiciado: (...)
Assunto:
revisão de arquivamento de inquérito policial
EMENTA: CPP, ART. 28. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO LASTREADO NA “PRESCRIÇÃO ANTECIPADA”. INADMISSIBILIDADE POR FALTA DE AMPARO LEGAL. INTERESSE DE AGIR PRESENTE. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA (CPP, ART. 24). SÚMULA N. 438 DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.
1. A tese invocada pelo nobre Representante do Ministério Público para propor o arquivamento dos autos, qual seja, a da prescrição pela pena em perspectiva, não pode, com a devida vênia, ser acolhida. Isto porque, como é cediço, atividade do Ministério Público na persecução penal (em delitos de ação penal pública) rege-se pelo princípio da obrigatoriedade ou legalidade (CPP, art. 24).
2. A
prescrição “antecipada” ou “virtual” lastreia-se na prescrição retroativa
(notadamente no período anterior ao recebimento da denúncia ou queixa). Tal
modalidade de prescrição constitui criação brasileira e se mostra única em todo
o Mundo. Sua insubsistência, inclusive, vinha sendo sustentada pelo Colendo
Colégio Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, o qual manifestara expresso
apoio e auxílio técnico ao Projeto de Lei n. 1.383/2003, do Deputado Federal
Antônio Carlos Biscaia, que visava à supressão de dita modalidade de causa
extintiva da punibilidade e que veio a ser aprovado, transformando-se na Lei n.
12.234, de
3. Diversos eram os defeitos da prescrição retroativa, principalmente antes do início do processo penal, dentre os quais se destacam: (i) a violação aos fundamentos do instituto da prescrição, que objetiva à punição da inércia do Estado, inexistente nesta modalidade de causa extintiva do ius puniendi estatal; (ii) a ofensa aos princípios da certeza, da irredutibilidade e da utilidade dos prazos, porquanto lapsos temporais cumpridos a seu tempo são desprezados, por conta de uma futura redução e recontagem que se produz; (iii) a violação aos fundamentos das causas interruptivas do prazo prescricional, os quais, uma vez verificados, encerram um período que não mais deveria ser reaberto; (iv) ofensa à lógica formal, porquanto ela se baseia numa sentença condenatória e, uma vez reconhecida, a invalida, isto é, a sentença penal só é válida para declarar que não tem validade.
4. Registre-se, por derradeiro, que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal” (Súmula n. 438).
Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.
Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar crime de estelionato, que teria sido perpetrado, em tese, por (...) em face do “BANCO SANTANDER BANESPA S.A.”
O Douto Representante do Parquet, vislumbrando a ocorrência de “prescrição virtual”, pugnou pelo arquivamento do feito (fls. 90/91).
O MM. Juiz, discordando de tal posicionamento, o remeteu a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 92).
Eis a síntese do necessário.
Com a devida vênia do Ilustre Promotor de Justiça, a tese na qual se apoiou seu requerimento não vem sendo abraçada por esta Procuradoria-Geral de Justiça.
É preciso destacar que o exercício da ação penal pública é regido pelo princípio da legalidade ou da obrigatoriedade (CPP, art. 24), de modo que, uma vez preenchidos os requisitos legais, notadamente a prova da materialidade e os indícios de autoria, cumpre ao membro do Parquet oferecer denúncia (ou, quando for o caso, propor a transação penal).
Não procede, outrosssim, eventual argumento de que a imposição de pena, no futuro, provocará o reconhecimento da prescrição retroativa (CP, art. 110, §2.º, com a redação anterior à Lei n. 12.234/10).
Isto porque se trata de hipótese sujeita a diversas contingências, entre as quais não se pode excluir a possibilidade de que ocorra uma modificação na descrição típica, ensejadora de crime mais grave (mutatio libelli – art. 384 do CPP).
Não é só. A prescrição “antecipada” ou “virtual”
lastreia-se, como se ponderou acima, na prescrição retroativa. Tal modalidade
de prescrição constitui criação brasileira e se mostra única em todo o Mundo.
Sua insubsistência, inclusive, vinha sendo sustentada pelo Colendo Colégio
Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, o qual manifestara expresso apoio e
auxílio técnico ao Projeto de Lei n. 1.383/2003, do Deputado Federal Antônio
Carlos Biscaia, que visava à supressão de dita modalidade de causa extintiva da
punibilidade e que veio a ser aprovado, transformando-se na Lei n. 12.234, de
Diversos eram os defeitos da prescrição retroativa, dentre os quais se destacam: (i) a violação aos fundamentos do instituto da prescrição, que objetiva à punição da inércia do Estado, inexistente nesta modalidade de causa extintiva do ius puniendi estatal; (ii) a ofensa aos princípios da certeza, da irredutibilidade e da utilidade dos prazos, porquanto lapsos temporais cumpridos a seu tempo são desprezados, por conta de uma futura redução e recontagem que se produz; (iii) a violação aos fundamentos das causas interruptivas do prazo prescricional, os quais, uma vez verificados, encerram um período que não mais deveria ser reaberto; (iv) ofensa à lógica formal, porquanto ela se baseia numa sentença condenatória e, uma vez reconhecida, a invalida, isto é, a sentença penal só é válida para declarar que não tem validade...[1]
Daí se vê que esta Procuradoria-Geral de Justiça não poderia, por razões de Política Criminal, prestigiar fundamento jurídico embasado na prescrição retroativa, como é o caso da chamada prescrição “virtual” ou “antecipada”.
Não se pode olvidar, por derradeiro, que a jurisprudência é firme ao rechaçar o instituto acima, como se nota no seguinte julgado, prolatado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO
1. Inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de
previsão legal. Trata-se, ademais, de instituto repudiado pela jurisprudência
desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção
de inocência e da individualização da pena a ser eventualmente aplicada.
2. O fato de ainda encontrar-se em
trâmite processo de execução fiscal para a satisfação do crédito tributário é
irrelevante para os fins penais, uma vez que já houve o lançamento definitivo
do crédito tributário em questão.
3. Recurso a que se nega
provimento.”
(STJ, RHC n. 18.569, rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe
de
No
mesmo sentido, ademais, a recente Súmula 438 do STJ:
“É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.
Diante do exposto, afastando-se o fundamento invocado para o arquivamento originariamente deduzido, designo outro promotor de justiça para prosseguir no feito, devendo dar-lhe o encaminhamento que entender o mais adequado, segundo sua independência funcional.
Faculta-se-lhe, outrossim, observar o disposto no art. 4-A
do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de
Expeça-se portaria, designando-se o substituto automático. Publique-se a ementa.
São Paulo,
Fernando Grella Vieira
Procurador Geral de
Justiça
/aeal
[1] Argumentos de Guaragni, Fábio André. Prescrição penal e impunidade. Curitiba: Juruá, 2000, p. 117 e seguintes.