Código de Processo Penal, art. 384, §1.º

 

Protocolado n.º 111.029/10

Processo n.º 1.429/08 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Taubaté

Réu: (...)

Assunto: revisão de recusa de aditamento da denúncia (CPP, art. 384, §1.º)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA NA FASE DO ART. 384 DO CPP. “MUTATIO LIBELLI”. DENÚNCIA QUE ATRIBUI AO RÉU CRIME DE RECEPTAÇÃO DOLOSA SIMPLES (CP, ART. 180, “CAPUT”). CONFISSÃO POLICIAL ACERCA DA CIÊNCIA SOBRE A ORIGEM ESPÚRIA DO BEM. ELEMENTOS INFORMATIVOS CONFIRMADOS EM JUÍZO QUE CORROBORAM COM A PROVA INQUISITORIAL. ADITAMENTO PARA A FORMA CULPOSA. DESCABIMENTO.

1.      Ter-se-á, em tese, receptação dolosa simples quando o agente souber que a res adquirida é oriunda de delito anterior. Cuida-se do dolo direto, cuja pesquisa, in concreto, muito embora não possa olvidar das alegações do próprio autor, não pode a estas se limitar. Com efeito, esperar que o acusado, em juízo, admita integralmente sua responsabilidade, confessando in totum a imputação contra ele deduzida, é contar com o improvável.

2.      Há que se fundar o exame mencionado, portanto, em dados objetivos ligados à conduta, capazes de denotar a atitude subjetiva com a qual atuou o denunciado.

3.      No caso em tela, tudo está a indicar que houve crime doloso, posto que se demonstrou que a bicicleta encontrava-se com a cor alterada, bem como apresentava adulteração no número contido em seu quadro. A isso se deve somar a confissão policial, na qual o acusado admitiu conhecer que se tratava de objeto produto de crime.

4.      A sistemática imposta pela Lei n. 11.690/08 determina que o magistrado deva formar sua convicção pela livre apreciação da prova colhida sob o crivo do contraditório, sendo-lhe vedado valer-se exclusivamente dos elementos informativos presentes no inquérito policial (CPP, art. 155, caput). A contrario sensu, é lícito exarar o convencimento, autorizando-se a prolação de édito condenatório, quando a prova encontra-se em harmonia com os elementos colhidos na fase inquisitorial, justamente como se verifica neste procedimento.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face do réu acima epigrafado, imputando-lhe crime de receptação dolosa simples (CP, art. 180, caput), por ter adquirido, em 2008, uma bicicleta que sabia ser produto de crime anterior.

Ao cabo da instrução processual, concedeu-se às partes oportunidade para apresentação de memoriais escritos (fls. 93/94).

A Ilustre Promotora de Justiça pugnou pela procedência da demanda (fls. 100/105).

O réu, através de sua d. defensoria, postulou a absolvição, e, alternativamente, a desclassificação para receptação culposa, bem como o reconhecimento de circunstância atenuante (fls. 107/112).

O MM. Juiz, de sua parte, entendendo que a prova coligida indicaria a ocorrência do delito previsto no art. 180, §3.º, do CP, a ensejar o aditamento da peça inaugural, remeteu o feito ao promotor natural para emenda (fls. 119/120).

A nobre Representante do Parquet, todavia, não aditou a peça acusatória (fls. 122), o que motivou o envio do processo a esta Procuradoria Geral de Justiça, com fulcro no art. 384, §1º, do CPP (fls. 123).

Eis a síntese do necessário.

A controvérsia estabelecida neste expediente refere-se fundamentalmente a respeito da existência de provas de que o denunciado sabia ou devia saber cuidar-se o bem por ele adquirido de produto de crime anterior.

Pois bem. Com a devida vênia do d. Magistrado, assiste razão à diligente Membro do Ministério Público.

Deve-se anotar, de início, que a distinção entre as figuras típicas descritas na cabeça do art. 180 e em seu §3.º centra-se na presença do elemento subjetivo do injusto.

Ter-se-á, em tese, o tipo fundamental quando o agente souber que a res é oriunda de delito anterior. Cuida-se do dolo direto, cuja pesquisa, in concreto, muito embora não possa olvidar das alegações do próprio autor, não pode a estas se limitar. Com efeito, esperar que o acusado, em juízo, admita integralmente sua responsabilidade, confessando in totum a imputação contra ele deduzida, é contar com o improvável.

Há que se fundar o exame mencionado, portanto, em dados objetivos ligados à conduta, capazes de denotar a atitude subjetiva com a qual atuou o denunciado.

No caso em tela, tudo está a indicar que houve crime doloso, posto que se demonstrou que a bicicleta encontrava-se com a cor alterada, bem como apresentava adulteração no número contido em seu quadro. A isso se deve somar a confissão policial (fls. 43), na qual o acusado admitiu conhecer que se tratava de objeto produto de crime.

Pondere-se que na sistemática imposta pela Lei n. 11.690/08, deve o magistrado formar sua convicção pela livre apreciação da prova colhida sob o crivo do contraditório, sendo-lhe vedado valer-se exclusivamente dos elementos informativos presentes no inquérito policial (CPP, art. 155, caput). A contrario sensu, é lícito exarar o convencimento, autorizando-se a prolação de édito condenatório, quando a prova encontra-se em harmonia com os elementos colhidos na fase inquisitorial.

Há, destarte, dados bastantes para se inferir o cometimento da receptação dolosa simples.

Não há qualquer reparo a se fazer na exordial, cuja narrativa clara foi amparada, em nosso sentir, pela prova colhida sob o crivo do contraditório.

Diante do exposto, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro representante ministerial para fazê-lo, cumprindo ao promotor natural interpor os recursos cabíveis na eventual hipótese de sucumbência.

 

São Paulo, 30 de agosto de 2010.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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