Código de Processo Penal, art. 28

 

Protocolado n.º 22.069/11

Processo n. 1338/10 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Diadema

Réus: (...) e (...)

Assunto: aditamento de denúncia, nos termos do art. 384, §1º, do CPP.

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA NA FASE DO ART. 384 DO CPP. RECUSA MINISTERIAL. DIVERGÊNCIA LIMITADA AO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NARRA DETALHADAMENTE A CONDUTA IMPUTADA, A QUAL ENCONTROU SUPORTE NAS PROVAS COLHIDAS DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. CASO DE “EMENDATIO LIBELLI”. INTELIGÊNCIA DO ART. 383 DO CPP. RÉU QUE PORTAVA APARELHO DE COMUNICAÇÃO MÓVEL E FICAVA INCUMBIDO DE INFORMAR O VENDEDOR DA DROGA SOBRE EVENTUAL APROXIMAÇÃO POLICIAL. CONDUTA QUE DEVE SER CONSIDERADA COMO PARTICIPAÇÃO NO TRÁFICO E NÃO DELITO AUTÔNOMO DE COLABORADOR-INFORMANTE (ART. 37 DA LEI N. 11.343/06).

1.      A recusa em aditar a denúncia efetuada pelo Representante do Ministério Público não impede a prolação de sentença quando a descrição da peça acusatória encontra-se em conformidade com as provas produzidas. Se a controvérsia se limita à adequada definição jurídica do ato, não há falar-se em “mutatio libelli”. O réu, como é cediço, defende-se dos fatos que lhe são atribuídos, e não de seu enquadramento legal. A petição inicial descreve com fidelidade a conduta praticada pelo denunciado e, muito embora não utilize as expressões linguísticas contidas no preceito primário da norma penal incriminadora vislumbrada pelo d. julgador, oferece a este plenas condições de atribuir ao sujeito o “crimen” cogitado no r. despacho que determinou houvesse aditamento.

2.      Quando a quaestio se limita à correção da tipificação legal, portanto, não se faz necessário o aditamento, uma vez que a sistemática contida no art. 384 do CPP visa à observância do princípio da correlação entre os fatos descritos na exordial e aqueles apreciados na sentença. Suposto defeito na classificação jurídica pode ser corrigido quando do julgamento, a teor do art. 383 do CPP.

3.      Na hipótese dos autos, sobejam provas de que o corréu trazia consigo entorpecentes para revendê-los e que seu comparsa prestava-lhe auxílio, pois fora incumbido de avisar eventual aproximação policial, repassando esta informação ao vendedor por meio de aparelho móvel de comunicação (rádio transmissor). Tal atitude, como ensina DAMÁSIO DE JESUS, constitui participação em tráfico ilícito de drogas e não caracteriza o crime do art. 37 da Lei n. 11.343/06. Este pune quem colabora, na condição de informante, com “grupo”, “organização” ou “associação” dedicada ao tráfico, ao passo que: “A conduta de quem fornece dados relevantes ao autor de tráfico ilícito de drogas, permitindo que ele cometa o crime, enseja participação (CP, art. 29) nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei” (Lei Antidrogas Anotada. 10.ª edição. São Paulo: Saraiva. pág. 203).

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

Cuida-se de ação penal intentada pelo Ministério Público, imputando a (...) e (...) a prática, em tese, do crime tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.

A denúncia foi recebida, instaurando-se o devido processo legal.

Ao término da instrução, o MM. Juiz, entendendo que as provas apontam para a ocorrência de delito diverso daquele narrado na exordial com relação ao segundo acusado (art. 37 da Lei n. 11.343/06), e considerando a postura ministerial no sentido de requerer fosse a ação julgada procedente, decidiu remeter os autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, na forma do art. 384, § 1.º, do CPP (fls. 106).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Digno Magistrado, parece-nos que não lhe assiste razão.

É preciso acentuar, de início, que a controvérsia não reside na interpretação do material probatório, de vez que os elementos produzidos assim na fase inquisitiva como em juízo caminham harmonicamente de modo a dar o necessário suporte à narrativa exposta na petição inicial.

Ou seja, sobejam provas de que (...) trazia consigo drogas para revendê-las e que (...) prestava-lhe auxílio, pois fora incumbido de avisar eventual aproximação policial, repassando tal informação ao comparsa por meio de aparelho móvel de comunicação (rádio transmissor).

A divergência diz respeito à correta classificação jurídica do comportamento atribuído a (...).

Na visão do Douto Promotor de Justiça, cuida-se de participação em tráfico ilícito de entorpecentes, isto é, art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, c.c. art. 29, caput, do CP. Para o Digno Julgador, porém, trata-se do delito autônomo de informante-colaborador, descrito no art. 37 da mencionada Lei.

Nota-se, do exposto, que a questão não tem qualquer relação com a prova, mas com o enquadramento legal da ação perpetrada por um dos denunciados. Ressalte-se que a peça inaugural deixa claro o modo como procederam os sujeitos, tendo a instrução criminal conferido à descrição das condutas o devido lastro.

Consubstancia-se a quaestio, destarte, em possível caso de emendatio libelli.

Cumpre assinalar que o art. 384 do Estatuto Processual Penal disciplina a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação (ou congruência) entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia (ou da queixa-subsidiária), visam à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

É de ver, ainda, que o princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e no princípio da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pelas condutas que foram objeto de narrativa da acusação e sobre as quais pode elaborar sua defesa.

No caso dos autos, independentemente da discussão meritória (se a primeira atitude atribuída ao réu deve ser tida como participação em tráfico ou delito autônomo de colaborador-informante), mostra-se descabida a aplicação do art. 384 do CPP.

Significa afirmar que, se ao juiz parece ter ocorrido crime diverso, deve proferir decisão desclassificatória, sem a necessidade do aditamento, a teor do que determina o art. 383 do CPP (emendatio libelli).

Observe-se, porém, que se mostrou correta, na visão desta Procuradoria-Geral de Justiça, a tese sustentada pelo órgão do Parquet. Como bem esclarece DAMÁSIO DE JESUS,

“A atitude da pessoa que presta informações ao autor de tráfico ilícito de drogas (arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei) não caracteriza o crime do art. 37. Isso porque o dispositivo pune quem colabora, na condição de informante, com “grupo”, “organização” ou “associação” dedicada ao tráfico. A conduta de quem fornece dados relevantes ao autor de tráfico ilícito de drogas, permitindo que ele cometa o crime, enseja participação (CP, art. 29) nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei” (Lei Antidrogas Anotada. 10.ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010. pág. 203).

 

Diante de tudo o quanto se expôs, deixo de aditar a acusação ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo, cumprindo ao Promotor Natural permanecer oficiando nos autos e, na hipótese de sucumbência, avaliar o cabimento de recurso, louvando-se, como é cediço, de sua independência funcional.  Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 17 de fevereiro de 2011.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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