Código de Processo Penal, art. 384, §1.º

 

Protocolado n.º 34.544/10

Autos n.º 718/09 – MM. Juízo da 5.ª Vara Criminal da Comarca de Santos

Réus: (...) e (...)

Assunto: divergência sobre o enquadramento legal dos fatos

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA NA FASE DO ART. 384 DO CPP. RECUSA MINISTERIAL. DIVERGÊNCIA LIMITADA AO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO EMPREGA OS VOCÁBULOS CONTIDOS NO TIPO PENAL, MAS NARRA FATO QUE A ELE SE SUBSUME. INAPLICABILIDADE DO ART. 384 DO CPP. CASO DE “EMENDATIO LIBELLI”. INTELIGÊNCIA DO ART. 383 DO CPP.

1.      A recusa em aditar a denúncia efetuada pelo Representante do Ministério Público não impede a prolação de sentença quando a descrição da peça acusatória encontra-se em conformidade com as provas produzidas.

2.      Se a controvérsia se limita à adequada definição jurídica do ato, não há falar-se em “mutatio libelli”. O réu, como é cediço, defende-se dos fatos que lhe são atribuídos, e não de seu enquadramento legal. A petição inicial descreve com fidelidade a conduta praticada pelo denunciado e, muito embora não utilize as expressões lingüísticas contidas no preceito primário da norma penal incriminadora vislumbrada pelo d. julgador, oferece a este plenas condições de atribuir ao sujeito o “crimen” cogitado no r. despacho que determinou houvesse aditamento.

3.      Quando a quaestio se limita à correção da tipificação legal, portanto, não se faz necessário o aditamento, uma vez que a sistemática contida no art. 384 do CPP visa à observância do princípio da correlação entre os fatos descritos na exordial e aqueles apreciados na sentença. Suposto defeito na classificação jurídica pode ser corrigido quando do julgamento, a teor do art. 383 do CPP.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

 

 

A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face dos réus acima epigrafados, imputando-lhes crime de estelionato (CP, art. 171, caput).

Ao cabo da instrução processual, o MM. Juiz vislumbrou a possibilidade de dar ao fato capitulação jurídica diversa daquela contida na exordial (furto mediante fraude em vez de estelionato), motivo por que determinou fosse a denúncia aditada, nos termos do art. 384 do CPP (fls. 315/317).

A Ilustre Promotora de Justiça, contudo, não vislumbrou a necessidade de fazê-lo, pois o delito perpetrado teria sido exatamente aquele narrado na denúncia (fls. 322/323).

O d. Magistrado, então, aplicou à espécie o art. 384, §1.º, do CPP e encaminhou o feito a esta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 336).

É o relatório.

A controvérsia estabelecida neste expediente refere-se fundamentalmente a respeito da classificação jurídica adequada ao comportamento delitivo praticado pelos réus.

Nesse sentido, é preciso enfatizar que tanto os Representantes do Parquet oficiantes quanto o MM. Juiz, ao que se depreende dos autos, são acordes quanto à dinâmica dos fatos. Não há dúvida de que a conduta imputada é exatamente aquela narrada na inicial acusatória, a qual formou a base da persecutio criminis in juditio e, ademais, o fundamento balizador do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório (CF, art. 5.º, LV).

A divergência, portanto, refere-se exclusivamente ao enquadramento legal da ação praticada.

No entender dos diligentes Promotores de Justiça, trata-se de estelionato.

Ressalte-se que a peça inaugural deixa claro o modo como procederam os sujeitos, que, com emprego de meio fraudulento, obtiveram a posse do cartão bancário da ofendida e de sua senha eletrônica para, em seguida, efetuarem saque de quantia em dinheiro e pagamento de contas de consumo.

Para o i. Magistrado, no entanto, cuidar-se-ia de furto qualificado, como se depreende do r. despacho de fls. 315/316.

Ora, é induvidoso que a controvérsia não diz respeito à dinâmica dos fatos, satisfatoriamente descritos na exordial, mas tão-somente à sua definição típica.

Conclui-se, por conseguinte, que a hipótese deve ser regida pelo art. 383 do CPP, e não pelo art. 384, com a devida vênia do mui digno Julgador.

Cumpre assinalar que o art. 384 do Estatuto Processual Penal disciplina a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação (ou congruência) entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia (ou da queixa-subsidiária), visam à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

É de ver, ainda, que o princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e no princípio da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pelas condutas que foram objeto de narrativa da acusação e sobre os quais pode elaborar sua defesa.

No caso dos autos, independentemente da discussão meritória (se a primeira atitude atribuída aos réus deve ser tida como estelionato ou furto), mostra-se descabida a aplicação do art. 384 do CPP.

Significa afirmar que, se ao juiz parece ter ocorrido crime diverso, ainda que isto importe em pena mais grave, deve proferir decisão desclassificatória, sem a necessidade do aditamento, a teor do que determina o art. 383 do CPP (emendatio libelli).

Diante do exposto, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 15 de março de 2010.

 

 

JOSÉ LUIZ ABRANTES

Procurador-Geral de Justiça

Em Exercício

 

 

 

 

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