Código de Processo Penal, art. 384, §1.º

Protocolado n.º 74.925/11

Autos n.º 553/07 – MM. Juízo da 2.ª Vara Judicial do Foro Distrital de Brás Cubas (Comarca de Mogi das Cruzes)

Réu: (...)

Assunto: controvérsia sobre a necessidade de aditamento à denúncia

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ADITAMENTO DA DENÚNCIA NA FASE DO ART. 384 DO CPP. DIVERGÊNCIA LIMITADA AO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. PEÇA ACUSATÓRIA QUE DESCREVE A FORMA CONSUMADA. A PROVA, NA OPINIÃO DO MAGISTRADO, CONDUZ À FIGURA TENTADA. INAPLICABILIDADE DO ART. 384 DO CPP. HIPÓTESE DE DESCLASSIFICAÇÃO.

1.     A controvérsia quando à correta tipificação penal não impede a prolação de sentença quando a descrição da peça acusatória encontra-se em conformidade com as provas produzidas.

2.     A distinção entre um dos parágrafos da denúncia, onde constaria que o agente “passou o pênis na sua vagina” e a declaração da ofendida, citada no r. despacho judicial, de que o agente “forçou o pênis contra a sua vagina”, traz apenas uma conotação linguística, e jamais justificaria a reformulação da denúncia.

3.     Como é cediço, caso o Julgador considere que o delito não se realizou integralmente, de tal modo que não atingiu seu summatum opus, cumpri-lhe julgar parcialmente procedente a pretensão punitiva.

4.     Lembre-se, em reforço de argumentação, que a forma consumada engloba a tentada. Com efeito, não há como se chegar ao final do iter criminis sem antes, obrigatoriamente, serem realizados atos executórios imediatamente anteriores e indissociavelmente ligados a seu termo.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.

A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face de (...), imputando-lhe, na peça inaugural de fls. 02-d/04-d, a prática, em tese, dos crimes previstos no art. 214, c.c. art. 224, “a” (com redação anterior à Lei n. 12.015/09), art. 226, II, art. 225, § 1.º, II, art. 136, § 3.º, e art. 69, todos do CP.

Ao cabo da instrução processual, as partes apresentaram memoriais escritos (fls. 143/151 e 155/160).

Ao receber os autos conclusos para sentença, o MM. Juiz vislumbrou a necessidade de aditamento à inicial, destacando ter surgido prova de circunstância inexistente na preambular, pois, segundo asseverou:

 

“...quando da oitiva da vítima (...) em juízo (fls. 141), ela afirmou que o réu forçou o pênis contra a sua vagina e não que apenas ‘passou o pênis na sua vagina (segundo parágrafo das fls. 03-d).’”.

 

 Em face disto, julgou presente o crime sexual tentado, motivo pelo qual aplicou à espécie o art. 384, §1.º, do CPP e encaminhou o feito a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 161).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Nobre Julgador, cremos que a providência cuja necessidade se apontou mostra-se desnecessária.

Deve-se acentuar que, independentemente da discussão principal, consistente em saber se o denunciado cometeu delito contra a liberdade sexual consumado ou tentado, o aditamento da preambular não se faz premente.

Insista-se que não há deficiência ou lacuna na peça acusatória, a qual descreve pormenorizadamente o comportamento delitivo perpetrado. O dissídio cinge-se à determinação da fase do iter criminis percorrida pelo agente.

A controvérsia estabelecida neste expediente refere-se, portanto, a respeito da classificação jurídica adequada à conduta ilícita cometida pelo réu, como inequivocamente revela o r. despacho de fls. 161, onde o MM. Juiz revela que, em sua opinião, não se cuida de delito consumado mas tentado.

Nesse sentido, é preciso enfatizar que tanto a Representante do Parquet quanto o Digno Magistrado, ao que se depreende dos autos, são acordes quanto à dinâmica dos fatos. Não há dúvida de que a atitude imputada ao acusado é exatamente aquela narrada na inicial acusatória, a qual formou a base da persecutio criminis in juditio e, ademais, o fundamento balizador do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório (CF, art. 5.º, LV).

A distinção entre um dos parágrafos da denúncia, onde constaria que o agente “passou o pênis na sua vagina” e a declaração da ofendida, citada no r. despacho judicial, de que o agente “forçou o pênis contra a sua vagina”, traz apenas uma conotação linguística, e jamais justificaria a reformulação da denúncia.

Ressalte-se que a peça inaugural deixa claro o modo como procedeu o sujeito, que, com emprego de força física, agarrou a enteada, deitando-a na cama, a despiu, abaixou a calça que usava e tocou o pênis em sua vagina.

Assim, resta induvidoso que o dissídio não diz respeito à dinâmica do ocorrido, satisfatoriamente descrito na exordial, mas tão somente à sua definição típica.

Cumpre assinalar que o art. 384 do Estatuto Processual Penal disciplina a mutatio libelli, figura intimamente ligada ao princípio da correlação (ou congruência) entre acusação e sentença. Em outras palavras, as providências contidas no dispositivo citado, notadamente o aditamento da denúncia (ou da queixa-subsidiária), visam à que sempre se mantenha uma absoluta correspondência entre os fatos descritos pela acusação e aqueles apreciados na sentença.

É de ver, ainda, que o princípio da correlação ou congruência baseia-se no princípio da inércia da jurisdição e no princípio da ampla defesa. Garante-se, por um lado, o ne procedat iudex ex officio e, por outro, assegura-se ao acusado o direito de somente se ver condenado pelas condutas que foram objeto de narrativa da acusação e sobre os quais pode elaborar sua defesa.

No caso dos autos, independentemente da discussão meritória (se a primeira atitude atribuída ao réu deve ser tida como crime sexual consumado ou tentado), mostra-se descabida a aplicação do art. 384 do CPP.

Como é cediço, caso o Julgador considere que o delito não se realizou integralmente, de tal modo que não atingiu seu summatum opus, cumpre-lhe julgar parcialmente procedente a pretensão punitiva.

Lembre-se, em reforço de argumentação, que a forma consumada engloba a tentada. Com efeito, não há como se chegar ao final do iter criminis sem antes, obrigatoriamente, serem realizados atos executórios imediatamente anteriores e indissociavelmente ligados a seu termo.

Em outras palavras, toda imputação pelo mais (delito consumado) encampa o menos (crime tentado).

Diante do exposto, deixo de aditar a denúncia ou de designar outro Representante Ministerial para fazê-lo, cumprindo à Douta Promotora de Justiça, na hipótese de sucumbência, interpor o recurso cabível.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 10 de junho de 2011.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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