Código de Processo Penal, art. 384, § 1.º

 

 

Protocolado n.º 9.127/11

Autos n.º 559/10 – MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Bauru

Réu: (...)

Assunto: aditamento da acusação para infração diversa da descrita na inicial (CPP, art. 384, §1.º)

 

EMENTA: CPP, ART. 384, §1º. “MUTATIO LIBELLI”. ADITAMENTO DA DENÚNCIA DE LATROCÍNIO (CP, ART. 157, §3º) PARA HOMICÍDIO (CP, ART. 121). ANÁLISE DO ELEMENTO SUBJETIVO. INTENÇÃO COMPROVADA DE SUBTRAIR BENS ALHEIOS PARA SATISFAZER O VÍCIO DO RÉU EM DROGAS. RECUSA MINISTERIAL EM EMENDAR A PETIÇÃO INICIAL ACERTADA.

1.     O comportamento praticado, do ponto de vista objetivo, subsume-se com perfeição a ambos os tipos penais cogitados nas manifestações processuais, haja vista existir a comprovação de que, no dia dos fatos, o réu vibrou violentos golpes com instrumento pérfuro-cortante nas regiões cervical esquerda, nuca, dorsal central, axilar e dorsal direita do falecido.

2.     O confronto crítico das provas carreadas, assim no inquérito como em juízo, revelam, contrariamente ao que ponderou o MM. Juiz, que o sujeito atuou com animus furandi. É importante destacar que não há outra finalidade para a conduta do denunciado senão a de subtrair para si coisa alheia móvel; o emprego da violência não se deu em virtude do débito financeiro decorrente do encontro de natureza sexual, mas porque, quando a vítima se recusou a pagá-lo, o indiciado se viu privado daquilo que era a finalidade de seu comportamento, ou seja, o dinheiro. A opróbrio motivador do ato, destarte, não residiu no inconformismo com o inadimplemento, mas com o desiderato de obter para si bens alheios e, com estes, ter condições financeiras de saciar sua compulsão por drogas.

3.     Deve-se obtemperar que o magistrado, ao prolatar sua decisão, não pode fechar os olhos às provas produzidas na fase inquisitorial. Sublinhe-se, nesse sentido, que o art. 155, caput, do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.690/08, é claro ao reconhecer a possibilidade de a sentença penal fundar-se em elementos colhidos em juízo e na Polícia, conquanto se encontrem em harmonia, exatamente como se verifica nestes autos.

Solução: deixo de aditar a denúncia ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo e insisto no pleito condenatório deduzido pelo promotor natural.

 

A presente ação penal foi movida pelo Ministério Público em face do réu, imputando-lhe o crime de latrocínio (CP, art. 157, §3.º, segunda parte).

A denúncia foi recebida (fls. 165), instaurando-se o devido processo legal. Encerrada a instrução do feito, o ínclito Promotor de Justiça requereu, em memoriais escritos, a procedência da demanda, nos termos em que proposta (fls. 273/277).

A d. defensoria, por sua vez, pugnou em caráter preliminar pela nulidade do processo, arguindo a aplicação inconstitucional do Provimento CGJ n. 32/00; no mérito, postulou a desclassificação do fato para homicídio seguido de furto (fls. 279/288).

O MM. Juiz, então, acolhendo a tese defensiva, abriu vista dos autos ao Parquet para aditamento da peça inicial (fls. 298/303), tendo o Ilustre Representante Ministerial reiterado seu posicionamento (fls. 305), o que ensejou a remessa do expediente a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com supedâneo no art. 384, § 1.º, do CPP (fls. 308).

Eis a síntese do necessário.

A questão fulcral consiste em saber se o ato praticado pelo acusado se subsume ao tipo penal descrito no art. 157, §3.º, parte final, ou se constitui crime doloso contra a vida.

Do ponto de vista objetivo, o comportamento do denunciado pode se enquadrar em um ou outro dispositivo, haja vista existir a comprovação de que, no dia dos fatos, vibrou violentos golpes com instrumento pérfuro-cortante nas regiões cervical esquerda, nuca, dorsal central, axilar e dorsal direita em (...) e, com isso, revelou a inequívoca intenção de produzir-lhe a morte, retirando, depois, bens de sua residência.

A solução da quaestio repousa na investigação do elemento subjetivo do injusto.

Pois bem. Na fase policial os elementos reunidos, em uníssono, apontaram para a existência do crime patrimonial. Em juízo, todavia, embora não com a mesma contundência, mas o suficiente para afastar qualquer dúvida racional, ficou claro ter o sujeito atuado com animus furandi.

Isto porque, conforme relatório de investigações de fls. 32/33, o móvel delitivo consistiu na intenção de subtrair bens para sustentar o vício do réu em substâncias entorpecentes.

Segundo consta, teria o agente perpetrado o delito em tela para roubar a vítima, com quem realizara encontro sexual, desferindo-lhe facadas. Subtraiu, ao depois, a motocicleta do ofendido, utilizada para sua fuga (consoante relato da testemunha ouvida a fls. 35).

Note-se que aos policiais civis de Bauru, o increpado confessou integralmente a prática do ilícito, fornecendo riqueza de detalhes (fls. 128/131 e 238/241).

O acusado, em sede de inquérito, confirmou seu comportamento (fls. 69/71 e 103/104), e, em Juízo, aduziu que levou os objetos para vendê-los, e, assim, adquirir o entorpecente (fls. 243/246).

É importante destacar, assim, que não há outra finalidade para a conduta do denunciado senão a de subtrair para si coisa alheia móvel; o emprego da violência não se deu em virtude do inicial programa de natureza sexual, mas porque, quando a vítima se recusou a pagá-lo, o indiciado se viu privado daquilo que era a finalidade de seu comportamento, ou seja, o dinheiro.

O opróbrio motivador do ato, destarte, não residiu no inconformismo com o inadimplemento, mas com o desiderato de obter para si bens alheios e, com estes, ter condições financeiras de saciar sua compulsão por drogas.

Deve-se obtemperar que o magistrado, ao prolatar sua decisão, não pode fechar os olhos às provas produzidas na fase inquisitorial. Sublinhe-se, nesse sentido, que o art. 155, caput, do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.690/08, é claro ao reconhecer a possibilidade de a sentença penal fundar-se em elementos colhidos em juízo e na Polícia, conquanto se encontrem em harmonia, exatamente como se verifica nestes autos.

Em face do quanto se expôs, parece-nos que não é caso de aditamento da denúncia, devendo a acusação ser julgada procedente, nos termos em que ajuizada.

Diante do exposto, insisto no posicionamento esposado pelo competente Representante Ministerial, devendo o processo retornar à origem para o devido prosseguimento, incumbindo ao promotor natural interpor os recursos cabíveis diante de eventual sucumbência.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 20 de janeiro de 2011.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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