Código de Processo Penal Militar, Art. 397

Protocolado n.º 123.363/14

Autos n.º 71.328/14 – MM. 1.ª Auditoria Militar do Estado de São Paulo

Indiciado: (...)

Assunto: indeferimento do pedido de remessa dos autos à Vara Comum (arquivamento indireto)

 

EMENTA: ARQUIVAMENTO INDIRETO. CPPM, ART. 397 (EQUIVALENTE AO CPP, ART. 28). POLICIAL MILITAR QUE UTILIZOU ATESTADOS MÉDICOS FALSIFICADOS PARA ABONAR FALTAS AO SERVIÇO. CRIME COMUM (CP, ART. 301, §1.º) OU DELITO MILITAR (CPM, ART. 311). CONFLITO APARENTE DE NORMAS PENAIS. BIS IN IDEM SOLUCIONADO PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. CONDUTA QUE ATINGE INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO MILITAR. ATRIBUIÇÃO AFETA À PROMOTORIA DE JUSTIÇA ATUANTE NA ESFERA DA JUSTIÇA CASTRENSE.

1.     Registre-se que, muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura ocorre justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo endereçamento do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere. Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional, mas, sobretudo, o princípio da demanda.

2.     A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP (similar ao art. 397 do CPM). EUGÊNIO DE OLIVEIRA PACELLI e DOUGLAS FISCHER ponderam a respeito do tema que a solução, na falta de dispositivo expresso na legislação, partiu da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal: “Assentou-se, então, que o juiz, não concordando com a manifestação ministerial, deveria valer-se do disposto no art. 28 do CPP (art. 62, LC n. 75/93, no âmbito do Ministério Público Federal), submetendo a questão à instância de revisão do respectivo parquet. O entendimento ali adotado determinaria, então, ou a designação de outro membro para o oferecimento de denúncia, ou a remessa dos autos ao juiz cuja competência tenha sido apontada na manifestação do Ministério Público. Por isso, por não se tratar propriamente de um arquivamento, já que não se alega a ausência de crime e nem de provas de sua existência, cunhou-se a expressão arquivamento indireto, cujo maior mérito é, repetimos, apresentar uma solução para o então insuperável entrave na persecução penal” (Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência, São Paulo, Atlas, 2012, p. 76).

3.     Cuida-se de inquérito policial instaurado para investigar miliciano que faltou ao serviço em três oportunidades, justificando sua ausência com atestados médicos falsos.

4.     A ação praticada se subsume, aparentemente, ao delito de falsidade material atentatória à administração militar (CPM, art. 311), e, igualmente, falsificação de atestado médico efetuada por quem não ostenta a condição profissional necessária à sua emissão (CP, art. 301, §1.º).

5.     A mesma atitude, porém, não pode configurar, a um só tempo, duas infrações, sob pena de irremediável bis in idem. A solução deste conflito aparente de normas há de ser pautada pela utilização dos critérios doutrinários consubstanciados na especialidade, subsidiariedade, consunção ou alternatividade.

6.     A especialidade se caracteriza quando apresentam, entre si, relação de gênero e espécie, de tal modo que uma contenha todas as elementares de outra, acrescida de componentes especializantes. A subsidiariedade, a seu turno, pressupõe que os tipos descrevam diferentes graus de violação do mesmo bem jurídico, prevalecendo a norma primária sobre a famulativa, cuja incidência somente se dá quando a anterior, por qualquer motivo, não puder ser aplicada. A consunção ocorre quando um crime é praticado como fase normal de preparação ou execução de outro, de tal maneira que o delito-fim absorva a infração-meio. A alternatividade, por fim, se dá quando houver tipo misto alternativo e as ações forem cometidas em sequência, uma da outra, recaindo todas sobre o mesmo objeto material.

7.     No caso em tela, a relação que se destaca entre os dispositivos inicialmente apontados é de gênero e espécie. A norma especial, com efeito, revela-se como aquela descrita no art. 311 do CPM, notadamente porque a conduta perpetrada configura falsificação material de documento que atenta contra a Administração Militar.

Solução: conhece-se da remessa para declarar que a atribuição incumbe ao Douto Promotor de Justiça Militar, cumprindo-lhe oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de inquérito policial militar instaurado visando à apuração da suposta prática da infração descrita no art. 311 do CPM (combinado com o art. 9.º, II, “e”, do mesmo Diploma) cometida, em tese, por (...).

Isto porque o então miliciano faltou ao serviço para o qual estava prévia e nominalmente escalado nos dias 06 e 15 de novembro, e 07 de dezembro de 2013, apresentando, para justificar sua ausência, atestados médicos falsos.

A Douta Representante do Ministério Público oficiante na esfera da Justiça Castrense, recebendo o procedimento, ponderou que o Código Penal Militar não prevê a conduta daquele que falsifica materialmente atestado médico sem ter a competência para expedi-lo.

O comportamento perpetrado pelo suspeito, assim, se subsumiria ao tipo penal previsto no art. 301, §1.º, do CP, e o uso dos documentos espúrios configuraria o delito disciplinado pelo art. 304 do CP, requerendo, em consequência, o envio do expediente ao MM. Juízo Comum (fls. 98/102).

O Digníssimo Magistrado, contudo, discordou de tal posicionamento, por vislumbrar sua competência para conduzir o caso, encaminhando-o a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 397 do CPPM (fls. 104/107).

Eis a síntese do necessário.

Registre-se, inicialmente, que, muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura ocorre justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo endereçamento do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere.

Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional, mas, sobretudo, o princípio da demanda.

A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a aplicação analógica do art. 28 do CPP.

EUGÊNIO DE OLIVEIRA PACELLI e DOUGLAS FISCHER ponderam a respeito do tema que a solução, na falta de dispositivo expresso na legislação, partiu da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal:

 

“Assentou-se, então, que o juiz, não concordando com a manifestação ministerial, deveria valer-se do disposto no art. 28 do CPP (art. 62, LC n. 75/93, no âmbito do Ministério Público Federal), submetendo a questão à instância de revisão do respectivo parquet. O entendimento ali adotado determinaria, então, ou a designação de outro membro para o oferecimento de denúncia, ou a remessa dos autos ao juiz cuja competência tenha sido apontada na manifestação do Ministério Público. Por isso, por não se tratar propriamente de um arquivamento, já que não se alega a ausência de crime e nem de provas de sua existência, cunhou-se a expressão arquivamento indireto, cujo maior mérito é, repetimos, apresentar uma solução para o então insuperável entrave na persecução penal” (Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência, São Paulo, Atlas, 2012, p. 76).

 

Pois bem. A razão se encontra com o MM. Juiz, com a máxima vênia do Ilustre Membro Ministerial; senão, vejamos.

 

Dos fatos

Consta do feito, em breve resumo, que o suspeito estava escalado para o policiamento motorizado na função de encarregado de viatura nos dias 06, 15 de novembro e 07 de dezembro de 2013, apresentando três atestados médicos para justificar sua ausência, cuja autenticidade se mostrou duvidosa.

Por determinação do encarregado da administração, um policial militar deslocou-se até o Pronto Socorro e Maternidade do Antena, onde o Dr. Sandro Carlos dos Santos analisou os documentos e elaborou declaração de próprio punho informando que nunca atendeu o indiciado, além de serem falsos o carimbo e assinatura apostos em dois deles (fl. 13).

(...), ao ser inquirido a respeito dos fatos, permaneceu em silêncio (fl. 76), e posteriormente pediu exoneração (fl. 86).

 

Do enquadramento típico da conduta

O fato cometido pelo indiciado se amolda, em tese, aos tipos penais excogitados tanto pelo Digníssimo Magistrado quanto pela Douta Promotora de Justiça.

A ação, com efeito, constitui falsidade material atentatória à administração militar, consoante define o art. 311 do CPM e, aparentemente, falsificação de atestado médico efetuada por quem não ostenta a condição profissional necessária à sua emissão, ato subsumível ao art. 301, §1.º, do CP.

A mesma atitude, porém, não pode configurar, a um só tempo, duas infrações, sob pena de irremediável bis in idem.

A solução deste conflito aparente de normas há de ser pautada pela utilização dos critérios doutrinários consubstanciados na especialidade, subsidiariedade, consunção ou alternatividade.

A especialidade se caracteriza quando apresentam, entre si, relação de gênero e espécie, de tal modo que uma contenha todas as elementares de outra, acrescida de componentes especializantes.

A subsidiariedade, a seu turno, pressupõe que os tipos descrevam diferentes graus de violação do mesmo bem jurídico, prevalecendo a norma primária sobre a famulativa, cuja incidência somente se dá quando a anterior, por qualquer motivo, não puder ser aplicada.

A consunção ocorre quando um crime é praticado como fase normal de preparação ou execução de outro, de tal maneira que o delito-fim absorva a infração-meio.

A alternatividade, por fim, se dá quando houver tipo misto alternativo e as ações forem cometidas em sequência, uma da outra, recaindo todas sobre o mesmo objeto material.

No caso em tela, a relação que se destaca entre os dispositivos inicialmente apontados é de gênero e espécie.

A norma especial, com efeito, revela-se como aquela descrita no art. 311 do CPM, notadamente porque a conduta perpetrada configura falsificação material de documento, de modo a atentar contra a administração militar.

Os atestados médicos espúrios, com efeito, visavam abonar ausências ao serviço.

Em face do exposto, conhece-se da presente remessa, designando-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos e, considerando a existência de delito militar, oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 1.º de setembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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