Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 181, §2.º

Protocolado n. 155.251/13

Autos n. 52/13 – MM. Juízo da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Limeira

Adolescente: (...)

Assunto: revisão de concessão de remissão por ter o adolescente completado a maioridade

 

EMENTA: ECA, ART. 181, §2.º. REVISÃO DE ARQUIVAMENTO DE PROCEDIMENTO VISANDO À APURAÇÃO DE ATOS INFRACIONAIS EQUIPARADOS A ROUBO. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. RECONHECIMENTO SEGURO DAS VÍTIMAS. PEDIDO MINISTERIAL EMBASADO NA SUPERVENIÊNCIA DA MAIORIDADE PENAL DO ADOLESCENTE. DESCABIMENTO. PROPOSITURA DA REPRESENTAÇÃO.

1.      O fato de o agente ter completado dezoito anos não afasta a aplicação do Estatuto da Criança e Adolescente, notadamente quanto à imposição de medida socioeducativa, haja vista o disposto no art. 2.º, parágrafo único, da mencionada Lei.

2.      A se entender o contrário, estar-se-ia criando inaceitável faixa de impunidade, pela não-incidência da legislação menorista e da lei penal. Precedentes do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e do Colendo Tribunal de Justiça de São Paulo (STJ, HC n. 89.846, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª Turma, julgado em 15/09/2009, DJe de 19/10/2009;  TJSP, Câmara Especial, APELAÇÃO CÍVEL n.° 994.09.229204-9, rel. Des. MAIA DA CUNHA, julgado em 10 de maio de 2010).

3.      Acrescente-se, por não menos oportuno, que a Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, ao dispor a respeito do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamentou a execução das medidas socioeducativas destinadas a menor que pratique ato infracional. De acordo com o citado Diploma, referidas providências têm por finalidade: “I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e, III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei” (art. 1.º, §2.º). A prevalecer o entendimento esposado pelo Douto Representante do Parquet, tais escopos ver-se-iam frustrados. Relevante anotar, por fim, que a Lei em destaque não previu dentre as hipóteses de extinção das medidas socioeducativas o atingimento da maioridade penal (cf. art. 46).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para requisitar cópias do inquérito policial instaurado e ajuizar representação em face do agente.

 

Cuida-se de procedimento instaurado visando à apuração das condutas perpetradas por (...), quando, no dia 08 de janeiro de 2013, acompanhado por mais quatro indivíduos, pelo menos um deles armado, roubou veículo pertencente a (...).

Um dia antes, não obstante, simulando estar carregando instrumento bélico, subtraiu automóvel de propriedade de (...).

As vítimas, outrossim, o reconheceram como autor dos atos infracionais.

O Douto Promotor de Justiça, observando que o jovem completou dezoito anos, concedeu-lhe remissão como forma de exclusão do processo (fl. 22 verso).

A MM. Juíza, contudo, discordou de tal posicionamento, enviando a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no art. 181, §2.º, do ECA (fl. 23).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia, não há como acolher a tese sustentada pelo Ilustre Representante do Ministério Público.

É de se ponderar, inicialmente, que as disposições da Lei n. 8.069/90, relativas aos atos infracionais praticados por adolescentes (arts. 112 a 125), aplicam-se a todos os indivíduos que, ao tempo da ação ou omissão, sejam penalmente inimputáveis, desde que não tenham completado vinte e um anos de idade.

Caso contrário, se assim não se entender, com o máximo respeito, produzir-se-á inaceitável faixa de impunidade e jamais poderia ser acolhida como postura institucional pela Procuradoria-Geral de Justiça.

Isto porque, a prevalecer o raciocínio que embasou o pleito ministerial, quem praticasse atos infracionais, ainda que gravíssimos, quando prestes a completar dezoito anos, não seria punido criminalmente, em razão do momento da conduta (CP, art. 4.º) e não sofreria a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente, por ter alcançado a maioridade. Por razões óbvias, essa corrente não pode ser admitida.

A omissão dos órgãos estatais perante ilícitos cometidos por adolescentes que, ex post facto, atingissem a maioridade, resultaria em inadmissível desproteção a valores fundamentais como vida, integridade corporal, saúde individual ou pública, patrimônio, honra, entre outros.

Deve-se obtemperar, por oportuno, que a atual compreensão conferida ao princípio da proporcionalidade o vê sob duas perspectivas. Além da tradicional concepção consubstanciada na proibição do excesso, mais recentemente se tem admitido outra faceta: a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), cuja dignidade constitucional foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional da Alemanha.

A proibição de proteção deficiente deve ser um “recurso auxiliar” para determinação do limite do dever de prestação legislativa, estabelecendo-se um padrão mínimo das medidas estatais do qual não se pode abrir mão, sob pena de afronta à Constituição. Nesse sentido, a obra de LUCIANO FELDENS, intitulada “A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais” (Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005).

Acrescente-se, outrossim, que nossos tribunais rechaçam a tese ora afastada, pois, nos termos do art. 104, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90, considera-se a idade do infrator à data do fato, de modo que tão somente quando completar a idade de 21 anos, a teor do art. 121, § 5.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o reeducando será obrigatoriamente liberado.

Confira-se, a respeito, os seguintes julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“CRIMINAL. HC. ECA. PACIENTE QUE ATINGIU 18 ANOS CUMPRINDO MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. EXTINÇÃO DA MEDIDA. NÃO OCORRÊNCIA. CONSIDERAÇÃO DA DATA DO ATO INFRACIONAL PRATICADO. LIBERAÇÃO COMPULSÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ADOLESCENTE QUE AINDA NÃO COMPLETOU 21 ANOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INSERÇÃO EM PROGRAMA DE APOIO E ACOMPANHAMENTO DE EGRESSO. NÃO CABIMENTO. LIBERDADE ASSISTIDA EM ANDAMENTO. CONDIÇÃO DE EGRESSO NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA.

I. Para a aplicação das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se a idade do adolescente à data do fato, em atendimento ao intuito do referido Diploma Legal, o qual visa à ressocialização do jovem, por meio de medidas que atentem às necessidades pedagógicas e ao caráter reeducativo.

II. A data do fato deve ser sempre considerada para fins de aplicação, bem como de progressão ou regressão de qualquer medida sócio-educativa, sendo certo que o limite para o cumprimento destas é a idade de 21 anos, quando o adolescente deve ser liberado compulsoriamente. Precedentes.

III. Se o paciente ainda não completou 21 anos de  idade, não há que se falar em extinção da medida sócio-educativa a ele determinada, em razão de o mesmo já ter atingido 18 anos de idade.

(...)

V. Ordem denegada.” (STJ, HC n. 52.513, rel. Min. GILSON DIPP, DJU de 08/05/2006, p. 261; grifo nosso)

“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO, NA FORMA TENTADA. CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE APÓS A MAIORIDADE CIVIL E PENAL. EVASÃO. EXTINÇÃO DA REFERIDA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRI- ÇÃO. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Para a aplicação das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, leva-se em consideração apenas a idade do menor ao tempo do fato (ECA, art. 104, parágrafo único), sendo irrelevante a circunstância de atingir o adolescente a maioridade civil ou penal durante seu cumprimento, tendo em vista que a execução da respectiva medida pode ocorrer até que o autor do ato infracional complete 21 (vinte e um) anos de idade (ECA, art. 2º, parágrafo único, c/c  120, § 2º, e 121, § 5º ).

2. O ECA registra posição de excepcional especialidade tanto em relação ao Código Civil como ao Código Penal, que são diplomas legais de caráter geral. (...)”. (HC n. 89.846, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª Turma, julgado em 15/09/2009, DJe de 19/10/2009, grifo nosso)

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE ROUBO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. MAIORIDADE CIVIL. LIBERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

(...)

4. Para efeito de aplicação das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, leva-se em consideração a idade do menor à data do fato. A liberação obrigatória deve ocorrer apenas quando o menor completar 21 (vinte e um) anos de idade.

5. O Novo Código Civil em vigor não revogou as disposições contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. (...)”.  (HC n. 95.012, rel. Min. LAURITA VAZ, 5ª Turma, julgado em 07/02/2008, DJe de 03/03/2008, LEXSTJ vol. 225, p. 353, grifo nosso)

 

É preciso ponderar, posto que relevante, que a Colenda Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo adota semelhante ponto de vista:

 

“Infância e Juventude. Ato infracional equiparado ao crime de desacato. Art. 331 do Código Penal. Remissão que deve atender às circunstâncias do ato infracional e às condições favoráveis do adolescente. Representado que ostenta diversas representações. Maioridade que não impede a continuidade do procedimento para a apuração do ato infracional nem a aplicação de medida socioeducativa se o adolescente, à data do fato, contava com menos de 18 anos de idade. Sentença que é anulada para o prosseguimento do feito. Recurso provido em parte para tanto” (TJSP, Câmara Especial, APELAÇÃO CÍVEL n° 994.09.229204-9, rel. Des. MAIA DA CUNHA, julgado em 10 de maio de 2010, grifo nosso)

 

Acrescente-se, por não menos oportuno, que a Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, ao dispor a respeito do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamentou a execução das medidas socioeducativas destinadas ao menor que praticar ato infracional. De acordo com o citado Diploma, referidas providências têm por finalidade:

 

“I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; 

II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento;

III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei” (art. 1.º, §2.º). 

 

A prevalecer o entendimento esposado pelo Douto Representante do Parquet, tais escopos ver-se-iam frustrados.

Importante anotar, por fim, que a Lei em destaque não previu dentre as hipóteses de extinção das medidas socioeducativas o atingimento da maioridade penal (conforme o art. 46).

Ressalte-se, por derradeiro, que tanto a materialidade delitiva quanto a autoria encontram-se suficientemente demonstradas nas declarações vitimárias.

Sublinhe-se que:

 

“A palavra da vítima representa viga mestra da estrutura probatória e a sua acusação firme e segura, em consonância com as demais provas, autoriza a condenação” (TJDF, Ap. 10.389, DJU 15.5.90, p. 9859, Ap. 13.087, DJU 22.9.93, pp. 39109-20, in RBCCr 4/176, TJMG 128/367).

 

A ação socioeducativa deve, portanto, ser proposta.

Frise-se que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal.

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como prosseguir no feito em seus ulteriores termos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 14 de outubro de 2013.

 

               

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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