Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n. 164.916/12

Autos n. 350/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca da Capivari

Indiciado: (...)

Assunto: divergência acerca do foro competente para apuração de crimes contra a honra

 

EMENTA: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28. INQUÉRITO INSTAURADO VISANDO À APURAÇÃO DE CRIMES CONTRA A HONRA. AGENTE QUE ENDEREÇOU PETIÇÕES AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NOTICIANDO SUPOSTAS CONDUTAS IRREGULARES DAS VÍTIMAS, JUÍZES DE DIREITO.  ARQUIVAMENTO INDIRETO. HONRA CONCEITUADA COMO BEM FUNDAMENTAL PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PROTEGIDA, NA FORMA OBJETIVA, PELOS ARTS. 138 E 139 DO CP. CONSUMAÇÃO QUANDO A OFENSA CHEGA AO CONHECIMENTO DE TERCEIRO, NO CASO, O CNJ. NÃO APLICAÇÃO DO CRITÉRIO SUBSDIÁRIO PRECONIZADO NO ART. 72 DO CP. ENVIO DO FEITO À JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL PARA FORMAÇÃO DA OPINIÃO DELITIVA.

1. Cuida-se o presente de inquérito policial instaurado visando à apuração de supostos crimes contra a honra.

2. O feito foi endereçado a esta Chefia Institucional por aplicação analógica do art. 28 do CPP. Muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo envio do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere. Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional e, sobretudo, o princípio da demanda.

3. A honra é considerada bem fundamental, consoante dispõe Nosso Texto Maior, no art. 5º, X. O Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) não discrepa, ao dizer que “toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade” (art. 11, § 1º) e “ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação” (art. 11, § 2º).

4. O conceito de honra vincula-se à dignidade da pessoa, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). Compreende-se como o “conjunto de qualidades que exornam a pessoa humana, conferindo-lhe respeitabilidade social e estima própria. O homem, ser gregário, depende não apenas da satisfação do seu instinto de autoafirmação, portanto da correspondente autoestima, como também da aprovação do meio em que vive, que se revela na heteroafirmação e, correspondentemente, na estima social” (PIMENTEL, Manoel Pedro, Legislação penal especial, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1972, pág. 151).

5. Divide-se em a honra em reputação, isto é, o conceito do indivíduo em sociedade (honra objetiva) e sua autoimagem, vale dizer, a opinião própria acerca de seus atributos pessoais (honra subjetiva). A honra objetiva ou externa refere-se, destarte, à fama ou reputação de alguém perante o meio em que vive. Reside no conceito dos demais a respeito da pessoa e se faz protegida pelos arts. 138 e 139 do CP.

6. A consumação de tais infrações se dá quando a ofensa chega ao conhecimento de terceiro. Nesse sentido, há decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (CC 97.201/RJ, Rel. Ministro CELSO LIMONGI - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3ª SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe de 10/02/2012).

7. No caso concreto, os delitos foram praticados por escrito, constando das petições dirigidas pelo sujeito ativo ao Conselho Nacional de Justiça. A consumação, portanto, deu-se no instante em que os documentos chegaram ao setor administrativo do mencionado Órgão de controle. O foro competente é, desse modo, o local em que se situa referida Instituição.

8. Não há se falar, de outro lado, em aplicação do critério subsidiário preconizado no art. 72 do CPP (domicílio ou residência do réu), pois a norma, em matéria de ação penal pública, somente pode ser empregada quando desconhecido o lugar da realização integral do tipo.

Solução: conhece-se da presente remessa como arquivamento indireto, pugnando-se pelo envio do caso à Justiça do Distrito Federal (com competência ratione loci para o exame do feito), com o fim de ser formada, por quem compete, a necessária opinião delitiva.

 

Cuida-se o presente de inquérito policial instaurado visando à apuração de supostos crimes contra a honra cometidos, em tese, por (...) em face dos MM. Juízes (...) e (...).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça oficiante requereu o envio do procedimento à Comarca da Capital, entendendo terem as infrações se consumado perante seu respectivo território jurisdicional (fls. 108/109).

O Digníssimo Magistrado, porém, indeferiu o pedido e, considerando-se competente para o exame da matéria, determinou o retorno do caso ao Parquet, com o fim de ser oferecida denúncia (fl. 110).

Houve, a partir de então, sucessivas manifestações ministeriais e judiciais (fls. 111, 112, 114/115), as quais culminaram com a remessa da causa a esta Procuradoria-Geral de Justiça, objetivando dirimir o impasse verificado (fl. 117).

Eis a síntese do necessário.

Registre-se, inicialmente, que o feito foi endereçado a esta Chefia Institucional por aplicação analógica do art. 28 do CPP.

Muito embora não tenha havido pedido formal de arquivamento dos autos, tem-se em vista o chamado “arquivamento indireto”. Tal figura se dá justamente quando o Representante do Ministério Público declina de sua atribuição e pugna pelo envio do procedimento a outro juízo supostamente competente e o julgador, discordando do pleito, o indefere.

Deveras, não pode o magistrado simplesmente obrigar o promotor de justiça a examinar o mérito da causa, promovendo o arquivamento do inquérito ou oferecendo denúncia, sob pena de violar o princípio da independência funcional e, sobretudo, o princípio da demanda.

A solução viável em tais situações, portanto, só pode ser a mencionada aplicação analógica do art. 28 do CPP.

Nestes termos, a lição de EDÍLSON MOUGENOT BONFIM:

 

“A manifestação do promotor público pela competência da Justiça Federal em razão da natureza do delito caracteriza pedido indireto de arquivamento em face do magistrado que se deu por competente, cuja decisão é irrecorrível (art. 581, inc. II, do CPP), devendo ser o impasse solucionado pela aplicação do art. 28 do CPP (remessa dos autos ao procurador-geral), tendo em vista a preservação da titularidade da ação pública” (Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 82).

        

Pois bem.

A razão se encontra, em parte, com o Ilustre Representante Ministerial.

É preciso destacar, de início, ser a honra considerada bem fundamental.

Nosso Texto Maior, no art. 5º, X, dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

O Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) não discrepa, ao dizer que “toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade” (art. 11, § 1º) e “ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação” (art. 11, § 2º).

O conceito de honra vincula-se à dignidade da pessoa, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III).

Compreende-se como o “conjunto de qualidades que exornam a pessoa humana, conferindo-lhe respeitabilidade social e estima própria. O homem, ser gregário, depende não apenas da satisfação do seu instinto de autoafirmação, portanto da correspondente autoestima, como também da aprovação do meio em que vive, que se revela na heteroafirmação e, correspondentemente, na estima social” (PIMENTEL, Manoel Pedro, Legislação penal especial, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1972, pág. 151).

Divide-se a honra em reputação, isto é, o conceito do indivíduo em sociedade (honra objetiva) e sua autoimagem, vale dizer, a opinião própria acerca de seus atributos pessoais (honra subjetiva).

A honra objetiva ou externa refere-se, destarte, à fama ou reputação de alguém perante o meio em que vive. Reside no conceito dos demais a respeito da pessoa e se faz protegida pelos arts. 138 e 139 do CP.

A consumação de tais infrações se dá quando a ofensa chega ao conhecimento de terceiro.

Nesse sentido, há decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“O crime de calúnia (art. 138, caput, do Código Penal) consuma-se no momento em que os fatos veiculados chegam ao conhecimento de terceiros" (CC 97.201/RJ, Rel. Ministro CELSO LIMONGI - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3ª SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe de 10/02/2012).

 

No caso concreto, os delitos foram praticados por escrito, constando das petições dirigidas pelo sujeito ativo ao Conselho Nacional de Justiça (fls. 06/15 e 42/43).

A consumação, portanto, deu-se no instante em que os documentos chegaram ao setor administrativo do mencionado Órgão de controle.

O foro competente é, desse modo, o local em que se situa referida Instituição.

O fato de ter o agente possivelmente manifestado em momento anterior as imputações a terceiros, hipótese incerta, não pode interferir na fixação da competência territorial, até porque, frise-se, essa circunstância foge ao objeto das próprias representações criminais ofertadas pelos sujeitos passivos, que expressamente mencionaram como lesiva à honra objetiva os requerimentos encaminhados ao Conselho Nacional de Justiça (fls. 03/05 e 73/74).

Não há se falar, com a devida vênia do Ínclito Magistrado, em aplicação do critério subsidiário preconizado no art. 72 do CPP (domicílio ou residência do réu), pois a norma, em matéria de ação penal pública, somente pode ser empregada quando desconhecido o lugar da realização integral do tipo.

Em face do exposto, conhece-se da presente remessa como arquivamento indireto e, acolhendo em parte a manifestação ministerial, pugna-se pelo envio do caso à Justiça do Distrito Federal (com competência ratione loci para o exame do feito), com o fim de ser formada, por quem compete, a necessária opinião delitiva.

 

São Paulo, 13 de novembro de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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