Código de Processo Penal, art. 384, §1.º

Protocolado n. 116.628/13

Autos n. 152/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Fernandópolis

Réu: (...)

Assunto: revisão de recusa ministerial em aditar a denúncia na fase do art. 384 do CPP

                                                                    

EMENTA: CPP, ART. 384, §1º. ADITAMENTO DA DENÚNCIA AO CABO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. “MUTATIO LIBELLI”. RECUSA MINISTERIAL. REMESSA À PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. ATROPELAMENTO EM AUTOESTRADA PROVOCADO POR MOTORISTA EM ELEVADO ESTADO DE EMBRIAGUEZ, CONDUZINDO O VEÍCULO EM ALTA VELOCIDADE E TRAFEGANDO EM ZIGUE-ZAGUE. VÍTIMA COLHIDA NO ACOSTAMENTO. DOLO EVENTUAL. CONFIGURAÇÃO. EMENDA DA EXORDIAL QUE SE IMPÕE.

1. As provas colhidas em sede judicial revelaram, de maneira cristalina, que o acusado se encontrava em evidente estado de embriaguez, trafegando acima do limite de velocidade e em zigue-zague, contexto no qual colheu violentamente a ofendida, a qual se encontrava com a testemunha no acostamento.

2. Não se cuida de imputar crime doloso contra a vida por presunção, decorrente da ingestão de álcool, o que não se coaduna com as exigências constitucionais do devido processo legal, mas de verificar elementos externos à conduta, de ordem concreta, reveladores da indiferença do agente para com a produção do resultado.

3. Pode-se concluir, desta feita, que o sujeito, embora previsse o trágico desfecho, revelou-se indiferente quanto à sua produção. Inexiste, com o máximo respeito, tão somente culpa consciente. Analisando a distinção entre as figuras citadas, verifica-se que o dolo encontra-se traçado em nosso Código Penal, na fórmula abstrata do art. 18, inc. I, in fine, calcada na atitude subjetiva de assumir o risco de produzir o resultado. A descrição legal, todavia, não é considerada fiel à sua essência, como adverte, entre outros, HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, A nova Parte Geral, 8.ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 178).

4. O delineamento dessa modalidade ocorre quando o autor prevê o resultado como possível e o aceita ou com ele consente. Há, portanto, a representação do evento, isto é, o desfecho gravoso passa por sua mente, aliada à sua aquiescência, ou seja, à indiferença quanto à sua produção. Como ensina DAMÁSIO DE JESUS: “A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (Direito Penal, Vol. 1, São Paulo, Saraiva, 2008, pág. 288).

5. Essa anuência à produção do resultado não é, jamais, verbalizada ou mesmo confessada. Não requer, ademais, consentimento explícito e formalmente demonstrado. O único meio de se aferir essa postura psíquica se dá por meio do exame do comportamento exterior. Jamais o sujeito ativo, com efeito, irá declarar perante a autoridade que previu e não se importou com o evento. Neste diapasão, o que se deve perquirir é identificar no pensamento do autor da conduta a seguinte postura psicológica: "vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas, apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado" (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, Princípios básicos de Direito Penal, 5.ª edição, 10.ª Tiragem, São Paulo, Saraiva, 2002, pág. 303). Nessa forma de dolo, ensina LUIZ LUISI, "o agente se propõe determinado fim e na representação dos meios a serem usados, bem como na forma de operá-los, prevê a possibilidade de ocorrerem determinadas conseqüências. Quando o agente, apesar de prever essas conseqüências como possíveis - e embora não as deseje - tolera, consente, aprova ou anui na efetivação das mesmas, não desistindo de orientar sua ação no sentido escolhido e querido para atingir o fim visado, consciente da possibilidade das conseqüências de tal opção, o dolo, com relação às conseqüências previstas como possíveis, é eventual" (O tipo penal e a teoria finalista da ação, Porto Alegre, A Nação Editora, 1979, pág. 74). Esses traços se fazem enxergar no agir do réu.

6. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ademais, já reconheceu, em quadros assemelhados, a existência de crime doloso contra a vida; confira-se: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL E ACIMA DA VELOCIDADE PERMITIDA. PLEITO DE EXCLUSÃO DO DOLO EVENTUAL. PRETENSÃO QUE DEMANDA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE ENTRE TENTATIVA E DOLO EVENTUAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO”. (Ag.Rg. no R.Esp. n. 1.199.947/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 11/12/2012, DJe de 17/12/2012).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para aditar a denúncia.

 

 

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público imputando a (...) os delitos descritos no art. 302, caput, e no art. 306, ambos da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito), pois, no dia 12 de fevereiro de 2011, conduzindo veículo automotor em estado de embriaguez (1,98 g/L de sangue, consoante o laudo encartado a fl. 62), atropelou (...), vindo esta a falecer.

Aproximadamente trezentos metros depois, o carro dirigido pelo agente capotou.

A denúncia foi recebida, sendo citado regularmente o réu (fl. 149), o qual apresentou defesa prévia (fls. 151/153).

O feito teve processamento regular e, em sede de audiência, foi encerrada a instrução, concedendo o MM. Juiz prazo às partes para apresentação de memoriais escritos (fls. 170/171), juntados a fls. 181/192 e 196/200.

O Digníssimo Magistrado, então, pautando-se nos laudos periciais e depoimentos das testemunhas, os quais apontariam que o acusado atingiu a vítima no acostamento, onde ela se encontrava depois de atravessar a pista, configurando, assim, a prática de crime doloso contra a vida, abriu vista dos autos ao Parquet para aditamento da denúncia (fls. 205/208).

O Ilustre Promotor de Justiça, em embasada manifestação, contudo, deixou de fazê-lo, ressaltando que, em havendo desclassificação da infração, haveria o risco de se operar a prescrição (fls. 210/220), motivo pelo qual foi a questão encaminhada a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 384, §1.º, do CPP (fls. 222/225).

Eis a síntese do necessário.

Com a máxima vênia do Ínclito e Culto Representante do Parquet, parece-nos que a razão se encontra com o Meritíssimo Julgador.

Isto porque há nos autos elementos que apontam ter o agente conduzido veículo automotor com excessiva velocidade, evidente e elevado estado de embriaguez, efetuando ultrapassagens arriscadas e trafegando pela pista de rolamento em zigue-zague (fls. 19).

Esse conjunto de características externas da conduta do acusado revela o ânimo com o qual operava no dia dos fatos, ou seja, indica ter ele atuado, no mínimo, com dolo eventual.

Frise-se que não se cuida de imputar dolus eventuais por mera presunção, simplesmente por conta da embriaguez, mas de se concluir nesse sentido pela análise de elementos concretos, reveladores de mais que uma condução imprudente, apontando a verdadeira assunção do risco de produzir a morte da vítima, que, juntamente com suas amigas, acabara de atravessar a pista, quando colhida mortalmente no acostamento.

Analisando a distinção entre as figuras citadas, verifica-se que o dolo encontra-se traçado em nosso Código Penal, na fórmula abstrata do art. 18, inc. I, in fine, calcada na atitude subjetiva de assumir o risco de produzir o resultado.

A descrição legal, todavia, não é considerada fiel à sua essência, como adverte, entre outros, HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, A nova Parte Geral, 8.ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 178).

O delineamento dessa modalidade ocorre quando o sujeito prevê o resultado como possível e o aceita ou com ele consente. Há, portanto, a representação do evento, isto é, o desfecho gravoso passa por sua mente, aliada à sua aquiescência, ou seja, à indiferença quanto à sua produção.

Como ensina DAMÁSIO DE JESUS:

 

“A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (Direito Penal, Vol. 1, São Paulo, Saraiva, 2008, pág. 288).

 

Essa anuência à produção do resultado não é, jamais, verbalizada ou mesmo confessada. Não requer, ademais, consentimento explícito e formalmente demonstrado. O único meio de se aferir essa postura psíquica se dá por meio do exame do comportamento exterior.

Jamais o sujeito ativo, com efeito, irá declarar perante a autoridade que previu e não se importou com o evento.

Neste diapasão, o que se deve perquirir é identificar no pensamento do autor da conduta a seguinte postura psicológica:

 

"vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas, apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado" (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, Princípios básicos de Direito Penal, 5.ª edição, 10.ª Tiragem, São Paulo, Saraiva, 2002, pág. 303).

 

Nessa forma de dolo, ensina LUIZ LUISI,

 

"o agente se propõe determinado fim e na representação dos meios a serem usados, bem como na forma de operá-los, prevê a possibilidade de ocorrerem determinadas conseqüências. Quando o agente, apesar de prever essas conseqüências como possíveis - e embora não as deseje - tolera, consente, aprova ou anui na efetivação das mesmas, não desistindo de orientar sua ação no sentido escolhido e querido para atingir o fim visado, consciente da possibilidade das conseqüências de tal opção, o dolo, com relação às conseqüências previstas como possíveis, é eventual" (O tipo penal e a teoria finalista da ação, Porto Alegre, A Nação Editora, 1979, pág. 74).

 

Esses traços se fazem enxergar no agir do réu.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ademais, já reconheceu, em quadros assemelhados, a existência de crime doloso contra a vida; confira-se:

 

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL E ACIMA DA VELOCIDADE PERMITIDA. PLEITO DE EXCLUSÃO DO DOLO EVENTUAL. PRETENSÃO QUE DEMANDA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE ENTRE TENTATIVA E DOLO EVENTUAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. As circunstâncias delineadas na pronúncia podem caracterizar o dolo eventual, já que é possível que o agente tenha assumido o risco de produzir o resultado morte, ainda que sem intenção de provocar o dano, mas com ele consentindo.

2. Nesse contexto, mostra-se inviável examinar o conjunto fático-probatório dos autos para avaliar se o elemento subjetivo caracterizador do dolo eventual estaria presente na conduta do agente. Incidência do óbice da Súmula n.º 7 do Superior Tribunal de Justiça.

3. Esta Corte Superior de Justiça já se posicionou no sentido da compatibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado.

Precedentes.

4. Decisão agravada que se mantém pelos seus próprios fundamentos.

5. Agravo regimental desprovido”.

(Ag.Rg. no R.Esp. n. 1.199.947/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 11/12/2012, DJe de 17/12/2012).

 

Diante disso, conhece-se da presente remessa para designar outro promotor de justiça para aditar a denúncia e prosseguir no feito até sua remessa ao Egrégio Tribunal Popular, ocasião em que a condução do procedimento cumprirá ao Douto Promotor do Júri da Comarca (desde que não seja este o subscritor da manifestação de fls. 197).

Faculta-se ao membro ministerial designado observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 06 de agosto de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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