Código de Processo Penal, Art. 28

Protocolado n. 16.352/13

Autos n. 202/10 - MM. Juízo do V Tribunal do Júri da Capital

Investigados: (...) e (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL FUNDADO EM EXCLUDENTE DE ILICITUDE. POSSIBILIDADE, DESDE QUE A CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO ENCONTRE-SE EXTREME DE DÚVIDAS. PROVA PERICIAL APONTANDO VERSÃO DISTOANTE DAQUELA SUSTENTADA PELOS INVESTIGADOS. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DESCABIDO.

1. O arquivamento de inquérito policial somente pode se lastrear em excludente de ilicitude (real ou putativa) quando referida causa verifique-se cabalmente demonstrada. Na hipótese vertente, onde se cogita de possível legítima defesa (CP, art. 25), tal não se pode afirmar.

2. Isto porque a versão apresentada pelos suspeitos, no sentido de que efetuaram disparos de arma de fogo quando o falecido se encontrava a alguns metros de distância colide com o exame cadavérico, o qual indica ter um dos projéteis atingido o ofendido à queima-roupa. Não se pode afirmar, destarte, com razoável grau de certeza, terem os milicianos atuado em legítima defesa. De outra parte, nesta fase da persecução penal, eventuais dúvidas, se existentes, hão de ser dirimidas em favor da sociedade. Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (vide STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

3. Cumpre salientar, por derradeiro, que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de procedimento instaurado visando à apurar as circunstâncias que envolveram o óbito de (...), ocorrido no dia 16 de dezembro de 2009.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça, entendendo que os milicianos agiram em legítima defesa, postulou o arquivamento do feito (fls. 131/133).

O Digníssimo Magistrado, porém, considerando o teor da alínea “a” do item “4” do laudo de exame necroscópico (um dos tiros “apresentou halo de tatuagem que evidencia ter ocorrido disparo à queima-roupa”), houve por bem encaminhar a causa a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fl. 135).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com o Meritíssimo Julgador, com a máxima vênia do Ilustre Representante do Parquet.

Dos elementos de informação coligidos infere-se que, no dia acima mencionado, os policiais militares foram acionados para averiguar roubo em andamento contra a pessoa jurídica denominada “(...)”.

Chegando ao local, se depararam com um dos indivíduos fugindo do interior da empresa. O outro, ao vê-los, deflagrou disparos de arma de fogo em sua direção.

Os milicianos, então, revidaram, atingindo o suspeito.

Segundo os servidores, a vítima encontrava-se de quatro a cinco metros de distância de (...) e de dez a doze metros de (...).

Os agentes públicos, a partir daí, constatando os ferimentos em ADRIANO, o socorreram, mas ele veio a falecer.

O laudo de exame necroscópico está encartado a fls. 27/31.

Os trabalhos periciais levados a efeito no locus delicti e armas de fogo foram juntados a fls. 49/57, 62/65, 69/71 e 72/74.

Os depoimentos dos indiciados estão encartados a fls. 25, 108/112 dos autos principais e 04/05 do IPM apenso (neste, inclusive, acrescentaram terem ouvido uma “rajada” de arma automática na parte externa do imóvel).

(...), filho do proprietário da empresa, narrou que percebeu algumas pessoas no local no dia dos fatos, acionando os seguranças. Mais tarde, as viu novamente e, quando adentraram na empresa, pediu à sua esposa para chamar a Polícia Militar.

Após, ouviu vários estampidos, mas não presenciou os acontecimentos (fls. 116/117 deste procedimento e 06/07 do anexo – aqui, asseverou que o barulho poderia ser de rojão ou metralhadora).

(...), avó do ofendido, alegou ser ele usuário de drogas, não mais residindo em sua companhia. Tomou conhecimento, depois, do comentário “no sentido de que Adriano tinha tentado ‘assaltar’ uma empresa e foi morto no local. Também houve comentários de que foram policiais que mataram Adriano, não sabendo a declarante se da Polícia Militar ou Civil” (fls. 123/124).

O Tenente PM encarregado do caso apresentou relatório concluindo que, “na esfera administrativa disciplinar, não foi vislumbrado quebra do dever funcional por parte dos militares do Estado que atuaram na ocorrência”, além de poderem “estar amparados pelas excludentes de ilicitude capituladas nos números II e III do artigo 42 do CPM” (fls. 73/76 do IPM), solução com a qual concordou o Major PM Comandante Interino (fls. 77/78).

Pois bem.

Nota-se da síntese acima elaborada que a prova técnica colide frontalmente com o relato dos milicianos.

Estes asseveraram encontrarem-se a poucos metros do falecido quando deflagraram os tiros, mas a vítima foi atingida por um dos projéteis à queima-roupa.

Como é cediço, o arquivamento de investigação criminal fundado em causas de justificação somente pode ter lugar quando incontroversa a prova, de tal modo a não pairar dúvida a respeito de sua verificação.

Nesta fase da persecução penal, eventuais dúvidas, se existentes, hão de ser dirimidas em favor da sociedade. Nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (vide STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

Os elementos já apontados, portanto, são suficientes para se concluir, com a devida vênia do Douto Promotor de Justiça oficiante, pela viabilidade do prosseguimento da persecução penal.

Cumpre salientar que não se trata de fazer um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal. Não é outro, aliás, o entendimento de nossos tribunais:

“não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza”

(STJ, HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

 

Nada impede, por óbvio, que em juízo se confirme a veracidade das versões dos imputados, operando-se, quiçá, sua absolvição sumária (CPP, art. 415). É mister, porém, que a ação penal seja proposta e, em cognição judicial ampla, se conheçam os fatos em sua integralidade.

Diante disso, designa-se outro representante ministerial para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 04 de fevereiro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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