Código de Processo Penal, Art. 28

Protocolado n. 177.070/12

Autos n. 364/12 - MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Capão Bonito

Investigado: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A). RELAÇÃO SEXUAL CONSENSUAL COM CRIANÇA DE ONZE ANOS DE IDADE. ELEMENTOS INFORMATIVOS UNÍSSONOS CONFIRMANDO A REALIZAÇÃO DA CONDUTA TÍPICA. CONSENTIMENTO DA OFENDIDA QUE SE MOSTRA IRRELEVANTE À LUZ DO VALOR PROTEGIDO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.     A realização de conjunção carnal entre maior imputável e pessoa menor de 14 (catorze) anos configura, formal e materialmente, estupro de vulnerável (CP, art. 217-A). A circunstância de as relações sexuais terem sido consensuais se afigura irrelevante, pois o tipo penal em que incorreu o sujeito ativo não admite relativização.

2.     A ação perpetrada ofende a dignidade sexual da ofendida, porquanto vulnera sua capacidade de livre formação da personalidade no aspecto de sua sexualidade. Fere o ato, ademais, a intangibilidade sexual dos menores de 14 (catorze) anos, mais acentuada em se tratando, como na hipótese dos autos, de criança.

3.     A deflagração do devido processo legal, por meio do ajuizamento da denúncia, não depende de provas cabais, senão de um conjunto de elementos que permita assegurar-se da existência do fato e indícios de autoria. Não se trata, portanto, de efetuar um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal. De acordo com o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

Solução: designação de outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se de procedimento instaurado visando à apuração da suposta prática do crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A) cometido, em tese, por (...) em face de (...).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça postulou o arquivamento do feito, entendendo que a intimidade existente entre os sujeitos ativo e passivo arrefeceria a gravidade da conduta, impedindo a configuração do dolo (fl. 31).

O MM. Juiz, contudo, discordando de tal posicionamento, encaminhou a questão para análise desta Chefia Institucional, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 32/33).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial, cremos que não lhe assiste razão.

 

Dos fatos

Os elementos de informação coligidos revelam que (...) e (...), à época com onze anos de idade, namoraram durante um ano, mantendo relações sexuais consensuais, até os pais da jovem descobrirem o relacionamento, proibindo-o.

Com a instauração da investigação policial, determinou a d. autoridade a confecção de exame pericial, o qual constatou o defloramento não recente (fls. 08/09).

Os depoimentos foram acostados a fls. 10 e 11.

O indiciado, em suas declarações, admitiu a conduta e a ciência acerca da idade de (...), acrescentando desejar uma relação séria, mas os genitores dela não permitiram (fl. 20).

Inexiste dúvida, portanto, que o investigado teve conjunção carnal com menor de catorze anos.

 

Do enquadramento legal da conduta

O comportamento cometido pelo agente configura, formal e materialmente, estupro de vulnerável (CP, art. 217-A).

A circunstância de as relações sexuais terem sido consensuais afigura-se irrelevante, vez que o tipo penal em que incorreu o sujeito ativo não admite relativização.

Nesse sentido, há orientação recente da jurisprudência (embora anterior à Lei n. 12.015/09). Confira-se:

 

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. CRIME DE ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CARÁTER ABSOLUTO. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. DELITO PRATICADO ANTES DA LEI 11.464/07. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Estando o acórdão recorrido fundamentado de forma clara e suficiente sobre as questões postas nos autos, não há falar em violação do art. 619 do CPP, uma vez que os embargos de declaração não têm como objetivo responder um a um os argumentos da parte.

2. A presunção de violência prevista no art. 224, "a", do Código Penal possui natureza absoluta, sendo, por conseguinte, irrelevante o consentimento da vítima para a caracterização do delito, tendo em conta a incapacidade volitiva da pessoa menor de 14 anos de consentir na prática do ato sexual. Precedentes do STJ.

3. Reconhecida a inconstitucionalidade do regime integral fechado, as balizas para a fixação do regime prisional nos casos de crimes hediondos e a eles equiparados, cometidos antes do advento da Lei 11.464/07, foram remetidas para o art. 33 do Código Penal.

4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para afastar a absolvição operada pelo Tribunal de origem e restaurar a sentença de primeiro grau, fixando o regime inicial fechado para o cumprimento da pena de 9 anos e 10 meses de reclusão.”

(STJ, R.Esp. n. 1.005.968, rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 13/04/2009).

 

Acrescente-se, outrossim, que a ação realizada ofende a dignidade sexual da ofendida, porquanto vulnera sua capacidade de livre formação da personalidade no aspecto de sua sexualidade.

Fere o ato, ademais, a intangibilidade sexual dos menores de 14 (catorze) anos, mais acentuada em se tratando, como na hipótese dos autos, de criança.

A deflagração do devido processo legal, por meio do ajuizamento da denúncia, não depende de provas cabais, senão de um conjunto de elementos que permita assegurar-se da existência do fato e indícios de autoria. Não se trata, portanto, de efetuar um juízo definitivo de censura, mas apenas de constatar a existência de um mínimo de embasamento para a deflagração do devido processo legal. De acordo com o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“não se exige, na primeira fase da persecutio criminis, que a autoria e a materialidade da prática de um delito sejam definitivamente provadas, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza” (HC n. 100.296, rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5.ª TURMA, DJe de 01/02/2010).

 

Conclusão

Diante do exposto, reconhece-se haver elementos suficientes para deflagrar a persecutio criminis in judicio.

Designa-se, portanto, outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 06 de dezembro de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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