Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 177.583/12

Autos n.º 030/12 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Cachoeira Paulista

Querelante: (...)

Querelado: (...)

Assunto: análise de proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95)

 

EMENTA: CPP, ART. 28. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI N. 9.099/95). APLICABILIDADE DO INSTITUTO AOS CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE EXISTA ANUÊNCIA DO QUERELANTE E A PROPOSTA SEJA FORMULADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1.     A aplicação da suspensão condicional do processo às infrações que se procedem mediante queixa, em que pese o dissídio doutrinário e jurisprudencial existente a respeito, parece-nos viável, conquanto se preserve a titularidade do Ministério Público para análise e formulação da respectiva proposta. Nesse sentido, inclusive, o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (RHC n. 17.061, rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6ª Turma, julgado em 30/05/2006, DJE de 26/06/2006, p. 199).

2.     Ocorre, entretanto, que a confecção da proposta pressupõe, além disso, a anuência do querelante. Calha à pena citar, neste diapasão, texto da lavra de LUIS ANTÔNIO DE SOUZA, que chega a conclusão semelhante à que ora se propugna: “A doutrina, vacilante de início, acabou por admitir a aplicação, por analogia, do disposto na primeira parte do art. 76, para incidir também nas infrações mediante queixa. Também assim em relação à suspensão do processo. Atualmente é corrente o entendimento do cabimento da suspensão aos crimes de ação penal privada (exclusivamente privada ou personalíssima). (...) Como se vê, o STJ admitiu a proposta de transação penal por parte do Ministério Público em não havendo formal oposição do querelante, donde concluir que este tem primazia na decisão pela proposta ou não. E o mesmo raciocínio pode-se aplicar à suspensão do processo, a qual poderá ser formulada pelo parquet, nos crimes de ação penal privada, desde que não se oponha o querelante” (“in”, Revista Jus Vigilantibus http://jusvi.com/artigos/14573; acesso em 06 de dezembro de 2012).

Solução: encaminhem-se os autos à origem para que se ouça o autor da ação a respeito do sursis processual em favor do querelado e, com seu consentimento e na hipótese de persistir a recusa ministerial, seja o feito novamente remetido a esta Chefia Institucional.

 

Cuida-se de queixa-crime movida por (...) em face de (...).

A petição inicial foi recebida (fls. 28), designando-se audiência para oferecimento de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei n. 9.099/95.

O Douto Promotor de Justiça presente à audiência, entretanto, recusou-se a formular a proposta, motivando a remessa do procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça, para que a matéria fosse reexaminada, com fundamento no art. 28 do CPP (fls. 37).

Eis a síntese do necessário.

Com respeito ao envio da questão a este Órgão, deve-se destacar que se deu em observância aos ditames constitucionais. O art. 129, inc. I, da CF, atribui ao MINISTÉRIO PÚBLICO a titularidade exclusiva da ação penal pública. Deveras, tratando-se do dominus litis, ao Parquet incumbe verificar a conveniência das medidas despenalizadoras contidas na Lei n. 9.099/95, notadamente da suspensão condicional do processo. Nesse sentido, a Súmula 696 do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

No que pertine à aplicação do instituto às infrações que se procedem mediante queixa, em que pese haver dissídio doutrinário e jurisprudencial a respeito, parece-nos correta a tese favorável ao seu cabimento, conquanto se preserve a titularidade do Ministério Público para análise e formulação da respectiva proposta. Nesse sentido, inclusive, o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A HONRA. LEI DE IMPRENSA. AÇÃO PENAL PRIVADA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. LEGITIMIDADE PARA O SEU OFERECIMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 89, DA LEI N.º 9.099/1995.

1. O benefício processual previsto no art. 89, da Lei n.º 9.099/1995, mediante a aplicação da analogia in bonam partem, prevista no art. 3.º, do Código de Processo Penal, é cabível também nos casos de crimes de ação penal privada. Precedentes do STJ.

2. Recurso provido”.

(STJ, RHC n. 17.061, rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6ª Turma, julgado em 30/05/2006, DJE de 26/06/2006, p. 199)

 

Ocorre, entretanto, que a confecção da proposta pressupõe, além disso, a anuência do querelante.

Calha à pena citar, neste diapasão, texto da lavra de ANDRÉ ESTEFAM e LUIS ANTÔNIO DE SOUZA, que chegam a conclusão semelhante à que ora se propugna:

“A doutrina, vacilante de início, acabou por admitir a aplicação, por analogia, do disposto na primeira parte do art. 76, para incidir também nas infrações mediante queixa. Também assim em relação à suspensão do processo. Atualmente é corrente o entendimento do cabimento da suspensão aos crimes de ação penal privada (exclusivamente privada ou personalíssima).

A jurisprudência brasileira comunga esse mesmo entendimento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela sua 5.ª T., no HC n. 13.337/RJ, rel. Min. Felix Fischer, j. em 15.5.2001, DJ de 13.8.2001, p. 181, proclamou que “A Lei n. 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada”. Mais recentemente, a 5.ª T. se pronunciou novamente, no HC n. 34.085/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 8.6.2004, DJ de 2.8.2004, p. 457, deixando estabelecido que “A Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou o entendimento no sentido de que, preenchidos os requisitos autorizadores, a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos crimes sujeitos a ritos especiais, inclusive aqueles apurados mediante ação penal exclusivamente privada. Ressalte-se que tal aplicação se estende, até mesmo, aos institutos da transação penal e da suspensão do processo”. Ainda nesse sentido o HC n. 33.929/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 19.8.2004, DJ de 20.9.2004, p. 312: “A Lei dos Juizados Especiais incide nos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais exclusivamente privadas”.

Tendo em conta que a lei só se refere à possibilidade de transação e suspensão propostas pelo Ministério Público, quem teria legitimidade para fazê-lo em se tratando de ação penal privada?

A doutrina que se manifesta a respeito diz que em razão da aplicação analógica do art. 76 à ação penal privada, deve-se permitir “que a faculdade de transacionar, em matéria penal, se estenda ao ofendido, titular da queixa-crime (...)”, isso porque “Como somente deste é a legitimidade ativa à ação, ainda que a título de substituição processual, somente a ele caberia transacionar em matéria penal, devendo o Ministério Público, nesses casos, limitar-se a opinar” (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 142-143).

Identicamente ocorre em relação à suspensão do processo. Admitido o instituto, previsto no art. 89, aos crimes de ação penal privada, caberia ao querelante formular a proposta.

Cabe, todavia, uma consideração. A transação penal e a suspensão do processo, atualmente, não são tidas como direito público subjetivo do autor do fato e do acusado. No tocante ao Ministério Público, vigora o princípio da discricionariedade regrada, devendo guiar-nos o contido na Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal (STF), aplicável a ambas as situações: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão do Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.

No tocante à vítima, porém, tratando-se de infrações de ação penal privada, outros princípios vigoram. Imperam os princípios da discricionariedade e da disponibilidade, daí porque, entendendo-se que a transação e a suspensão não são direito público subjetivo do autor do fato e do acusado, a sua formulação fica na estrita conveniência do ofendido, que, ao se recusar a formulá-las, inviabilizará a transação e a suspensão.

Nesse sentido, inclusive, decidiu o Egrégio STJ (quanto à transação penal). A Colenda 6.ª T., no RHC n. 8.123/AP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 16.4.1999, DJ de 21.6.1999, p. 202, deixou assentado que “Na ação penal de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo Juiz, é definitiva e irretratável”.

Como se vê, o STJ admitiu a proposta de transação penal por parte do Ministério Público em não havendo formal oposição do querelante, donde concluir que este tem primazia na decisão pela proposta ou não. E o mesmo raciocínio pode-se aplicar à suspensão do processo, a qual poderá ser formulada pelo parquet, nos crimes de ação penal privada, desde que não se oponha o querelante.

Enfim, é a conclusão, as infrações de ação penal privada admitem os institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, os quais podem ser propostos pelo Ministério Público, desde que não haja discordância da vítima ou seu representante legal, o que impõe considerar que o ofendido é quem detém discricionariedade para a propositura”[1].

Admitida, em tese, a análise do benefício, cumpre verificar seus requisitos legais.

Conforme se nota nos autos, não houve manifestação do querelante acerca da medida, valendo frisar que sua anuência constitui conditio sine qua non para a elaboração da proposta.

Determina-se, portanto, o encaminhamento dos autos à origem para que se ouça o autor da ação a respeito do sursis processual em favor do querelado e, com seu consentimento e na hipótese de persistir a recusa ministerial, seja o feito novamente remetido a esta Chefia Institucional.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 06 de dezembro de 2012.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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[1] Em Revista Jus Vigilantibus (http://jusvi.com/artigos/14573); acesso em 06 de dezembro de 2012.