Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n.º 40.261/13

Autos n.º 72/13 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Santos

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. PORTE DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO, SEM AUTORIZAÇÃO OU EM DESACORDO COM DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR (ART. 16, “CAPUT”, DA Lei n. 10.826/03). PEDIDO DE ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL FUNDADO NA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA, POR AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. IRRELEVÂNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL. INEXISTÊNCIA, PORÉM, DE LAUDO PERICIAL. NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DAS DILIGÊNCIAS, COBRANDO-SE A VINDA AOS AUTOS DA PERÍCIA REQUISITADA.

1.      Colheram-se elementos de informação suficientes para confirmar que o objeto apreendido se encontrava em poder do indiciado. Trata-se aquele de munição de uso restrito, submetida a exame pericial ainda não acostado ao inquérito policial. O fato se subsume, em tese, ao art. 16, caput, da Lei n. 10.826/03. Como ressalta GUILHERME DE SOUZA NUCCI, foi correta a postura do legislador em tutelar a posse ou porte de munições de arma de fogo: Quer-se, no Brasil, efetivar o controle estatal de arma de fogo em geral, contando, para tanto, com os acessórios – igualmente perigosos – bem como levando-se em conta a munição – sem a qual a arma de fogo é inútil. Surpreender alguém portando grande quantidade de munição, por exemplo, sem autorização legal, pode ser conduta mais grave que o singelo porte de um revólver calibre 38, devidamente registrado. Logo, não vemos infringência a nenhum princípio penal, mormente o da proporcionalidade...” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2.ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 82). No mesmo sentido encontra-se o escólio de Fernando Capez, para quem o princípio da ofensividade: “segundo o qual somente existe crime quando se demonstrar a efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, deve ser aplicado excepcionalmente, apenas quando claramente for hipótese de crime impossível (CP, art. 17). Por exemplo: munição inidônea a disparo e arma obsoleta” (Curso de Direito Penal, vol. 4, 2.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 332-333). A jurisprudência trilha idêntico caminho: “Malgrado os relevantes fundamentos jurídicos esposados na impetração, diante da tese adotada por este Tribunal em caso análogo – concernente ao porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, cuja potencialidade lesiva é, em princípio, equivalente, uma vez que em nenhuma das hipóteses se vislumbra perigo concreto, mas apenas abstrato ao objeto jurídico protegido pela norma –, não há como considerar atípico o porte de munição” (STJ, HC n. 63.354, rel. Min. Laurita Vaz, D.J. de 18.12.2006 p. 443; grifo nosso). A Suprema Corte, por derradeiro, já reconheceu a natureza criminosa de ato semelhante ao retratado neste expediente: “Mostra-se irrelevante, no caso, cogitar-se da lesividade da conduta de portar apenas a munição, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importa o resultado concreto da ação” (STF, HC n. 113.295, Relator  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2.ª Turma, julgado em 13/11/2012; grifo nosso). Conclui-se, portanto, que o porte de munição constitui conduta formal e materialmente típica.

2.      Observe-se, contudo, que não há no feito laudo técnico relativo à munição apreendida. Trata-se de prova fundamental para confirmar a natureza do objeto material.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos e, após a vinda do exame pericial acima citado, oferecer denúncia (se comprovada a potencialidade lesiva do projétil), prosseguindo nos ulteriores termos da ação penal a ser instaurada.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado por meio de auto de prisão em flagrante, uma vez que, no dia 22 de janeiro de 2013, na esquina da Avenida Afonso Pena com a Rua Dr. Bezerra de Menezes, na Comarca de Santos, o increpado acima epigrafado foi surpreendido por policiais militares, portando munição de arma de fogo de uso restrito (projétil de calibre 9mm), incorrendo, em tese, na conduta típica descrita no artigo 16, caput, da Lei n.º 10.826/03.

Concluídas as providências de polícia judiciária, a Douta Promotora de Justiça, em sua judiciosa manifestação de fls. 31/33, requereu o arquivamento do feito, alegando que o mero porte de um projétil não evidencia situação de perigo suficiente a justificar a persecutio criminis in judicio.

O MM. Juiz, discordando dos argumentos, aplicou a regra do art. 28 do CPP, e remeteu o caso a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 37/38).

Eis a síntese do necessário.

Com a máxima vênia do entendimento encampado pela Ilustre Representante Ministerial, parece-nos que o arquivamento não se apresenta, por ora, como a melhor solução.

Registre-se que, do escrutínio dos elementos informativos amealhados, não resta dúvidas quanto à posse da munição apreendida.

Com efeito, os policiais ouvidos no auto de prisão em flagrante confirmaram que a munição foi encontrada com o indiciado (fls. 04 e 05).

Os fatos se subsumem, portanto, ao art. 16, caput, da Lei n. 10.826/03.

Como ressalta GUILHERME DE SOUZA NUCCI, foi correta a postura do legislador em tutelar a posse ou porte de munições de arma de fogo.

                        

Quer-se, no Brasil, efetivar o controle estatal de arma de fogo em geral, contando, para tanto, com os acessórios – igualmente perigosos – bem como levando-se em conta a munição – sem a qual a arma de fogo é inútil. Surpreender alguém portando grande quantidade de munição, por exemplo, sem autorização legal, pode ser conduta mais grave que o singelo porte de um revólver calibre 38, devidamente registrado. Logo, não vemos infringência a nenhum princípio penal, mormente o da proporcionalidade...” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 82).

 

No mesmo sentido encontra-se o escólio de Fernando Capez, para quem o princípio da ofensividade:

 

“segundo o qual somente existe crime quando se demonstrar a efetiva lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, deve ser aplicado excepcionalmente, apenas quando claramente for hipótese de crime impossível (CP, art. 17). Por exemplo: munição inidônea a disparo e arma obsoleta” (Curso de direito penal, vol. 4, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 332-333).

 

A jurisprudência trilha idêntico caminho:

 

HABEAS CORPUS. PENAL. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO. ART. 14 DA LEI N.º 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. INEXISTÊNCIA. PERIGO ABSTRATO CONFIGURADO. DISPOSITIVO LEGAL VIGENTE.

1. Malgrado os relevantes fundamentos jurídicos esposados na impetração, diante da tese adotada por este Tribunal em caso análogo – concernente ao porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, cuja potencialidade lesiva é, em princípio, equivalente, uma vez que em nenhuma das hipóteses se vislumbra perigo concreto, mas apenas abstrato ao objeto jurídico protegido pela norma –, não há como considerar atípico o porte de munição.

2. Não obstante o entendimento da Corte Suprema, a Lei n.º 10.826, de 23 de dezembro de 2003 – Estatuto do Desarmamento – dispôs inteiramente sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, definindo claramente a conduta praticada em tese pelo Paciente.

3. Desse modo, estando em plena vigência o dispositivo legal ora impugnado, não tendo sido declarada sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, não há espaço para o pretendido trancamento da ação penal.

4. Ordem denegada”.

(STJ, HC n. 63.354, rel. Min. Laurita Vaz, D.J. de 18.12.2006 p. 443; grifo nosso).

 

A Suprema Corte, por derradeiro, já reconheceu a natureza criminosa de ato semelhante ao retratado neste expediente:

 

PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE DE MUNIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. MATÉRIA QUE NÃO FOI ANALISADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE LESIVIDADE DA CONDUTA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DA LEI 10.826/2003. TIPICIDADE RECONHECIDA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA A ORDEM.

I – A alegação de atipicidade da conduta decorrente da abolitio criminis temporária não pode ser conhecida, pois não foi objeto de exame pelo Superior Tribunal de Justiça, e o seu conhecimento por esta Corte levaria à indevida supressão de instância e ao extravasamento dos limites de competência descritos no art. 102 da Constituição Federal.

II - A objetividade jurídica da norma penal em comento transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia.

III - Mostra-se irrelevante, no caso, cogitar-se da lesividade da conduta de portar apenas a munição, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importa o resultado concreto da ação.

IV – Habeas corpus conhecido em parte e, nessa extensão, denegada a ordem”

(STF, HC n. 113.295, Relator  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2.ª Turma, julgado em 13/11/2012; grifos nossos)

                                                                      

Conclui-se, portanto, que o porte de munição constitui conduta formal e materialmente típica.

Observe-se, contudo, que não há no feito laudo técnico relativo à munição apreendida. Trata-se de prova fundamental para confirmar a capacidade lesiva do objeto material.

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para oficiar nos autos e, após a vinda do exame pericial acima citado, oferecer denúncia (se comprovada a potencialidade lesiva do projétil), prosseguindo nos ulteriores termos da ação penal a ser instaurada.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

 

São Paulo, 19 de março de 2013.

         

 

 

           

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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